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sexta-feira, 27 novembro 2020 06:39

Um FS com carácter de fundo de reserva sem rentabilizar recursos não alocados ao OE é um desperdício – defendem IESE e OMR

“Constituir um FS [Fundo Soberano] com carácter de fundo de reserva sem, no entanto, buscar mecanismos para rentabilização dos recursos não canalizados ao Orçamento do Estado constitui um desperdício”. É desta forma que o Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE) e o Observatório do Meio Rural (OMR) interpretam a pretensão do Banco de Moçambique (BM) de criar um FS para estabelecer reservas ou poupança financeira; garantir a disponibilidade de recursos financeiros ao Estado em casos de emergências; e financiar a despesa pública, através da alocação de parte dos recursos das receitas do Fundo Soberano ao Orçamento do Estado.

 

Numa análise conjunta, divulgada esta quarta-feira, no décimo número da publicação “Destaque Rural”, elaborado pelo OMR, a propósito da auscultação pública em curso para a criação de um FS, as duas Organizações da Sociedade Civil entendem que os recursos ociosos na Conta Única do FS, além de não trazerem retornos, podem perder valor no tempo, devido à inflação ou desvalorização da sua moeda. “Além disso, a natureza de fundos de reserva é diminuir com o surgimento de imprevistos que obrigam o governo a recorrer aos fundos, como os desastres naturais, crises políticas e económicas internas e externas e situações de conflito”, defendem.

 

Assim, os economistas Moisés Siúta (IESE) e João Mosca (OMR), autores da análise, recomendam que o FS “tenha o carácter de investimento, coadjuvado com o de acumulação, em alocação de recursos para as despesas correntes do Estado”, pois, no seu entendimento, “dedicar o recurso do FS ao investimento, poderá contribuir para inverter a dependência da economia nacional em relação ao investimento estrangeiro”.

 

Objectivos “contraproducentes”

 

No que tange aos objectivos do FS, definidos pelo BM – acumulação de poupança para fins de precaução e reserva de recursos para as gerações vindouras e estabilização fiscal para lidar com flutuações de preços no mercado internacional – a análise considera-os “contraproducentes” e aponta dois motivos.

 

“Primeiro, é sobre a vulnerabilidade da economia aos diversos choques que, na ausência de regras adaptadas ao contexto, pode delapidar as poupanças do FS. Na proposta do modelo do FS, a frequência com que os choques económicos aparecem é ignorada quase por completo”, afirmam os analistas, apontando, como exemplo, os choques e ciclos económicos associados, que aconteceram em períodos de cinco anos ou menos: ciclone Eline (2000-2004); ciclones Favio e Jokwe (2005-2009); e os ciclones Dineo, Idai e Kenneth (2015-2019), para além da crise da dívida pública e os impactos do terrorismo no norte do país.

 

“A frequência com que estes eventos nefastos aparecem mina a possibilidade de um FS recém-criado poder gerar poupança, assumindo que, logo cedo, vai ser utilizado para responder a situações para as quais ainda não foi preparado”, consideram.

 

“O segundo motivo é o histórico défice do Orçamento Geral do Estado, apesar do aumento das receitas. O argumento de que a componente de investimento em infra-estruturas fica integrada no OGE é também questionável, porque os recursos podem ser canalizados para despesas de funcionamento, como salários e compras de bens e serviços”, dizem aquelas Organizações da Sociedade Civil, sublinhando que a última década (2010-2019) foi caracterizada pela redução das despesas de investimento (de 44 mil milhões de Mts a 72 mil milhões de Mts) e crescimento das despesas de funcionamento (de 59 mil milhões de Mts para 196 mil milhões de Mts).

 

“Porquê só receitas dos recursos não-renováveis?”

 

Outro ponto também abordado pelos pesquisadores é referente à fonte de receitas do FS. De acordo com a proposta, as receitas do FS serão provenientes de recursos naturais não renováveis, sendo que a sua utilização será repartida em duas partes e em duas fases (na primeira fase – primeiros 20 anos – 50% das receitas de exploração dos recursos será canalizada ao OE e outra metade será destinada à poupança. Na segunda fase, 20% das receitas será alocado ao OE e 80% à acumulação de poupança).

 

Sobre o assunto, os pesquisadores questionam: “porquê só receitas dos recursos não-renováveis? Porquê excluir as receitas provenientes de outros recursos, como produtos florestais, marinhos e energéticos; como foi calculado o rácio de partilha de recursos entre a acumulação de poupança e o financiamento do défice do Orçamento do Estado nas duas fases? Como se justifica a falta da contribuição do Ministério da Economia e Finanças (MEF) na proposta do FS, tendo em conta que cerca de 50% dos recursos do FS serão gastos, através do OGE, que é elaborado pelo MEF? Estará o MEF a assumir esta parte das receitas como parte das receitas ordinárias,”

 

“Primeiro, limitar o FS às receitas dos recursos não-renováveis é limitar o tempo de vida útil do fundo e a capacidade de investimentos que este poderá financiar. Os 10 maiores FS do mundo, com 50% dos activos dos FS globais, indicam que, além dos recursos não-renováveis (e.g.: petróleo e gás), as receitas de um FS também podem ser constituídas pelas reservas de moeda estrangeira que o país poderá arrecadar à medida que a economia cresce e acelera pela exploração do petróleo, gás e outros recursos não-renováveis”, explica a fonte.

 

“Visto que 50% dos recursos são alocados ao OE, visando o investimento público, que mecanismos serão aplicados para: 1) garantir que o governo aloque esses recursos para o propósito pelo qual são canalizados e evitar que os recursos do FS se destinem a financiar despesas de funcionamento do Estado, ao invés de investimento? 2) Como assegurar que os órgãos de gestão respeitem os estatutos do FS e que mecanismos de audição e fiscalização contribuam para uma gestão transparente do FS? 3) Como assegurar que não aconteçam mais dívidas ocultas”, questionam os autores da análise, sugerindo, de seguida, que não existam alocações fixas e constantes do FS ao OE.

 

“Propõe-se que seja obedecido o princípio de que as receitas extraordinárias sejam para custear despesas extraordinárias e que o montante anual de transferências do FS para o OGE nunca seja superior à determinada percentagem a estabelecer, mas nunca acima de 30% das receitas anuais do FS do ano anterior”, defendem Moisés Siúta e João Mosca.

 

Em relação ao modelo de gestão do FS, que prevê três órgãos principais (Assembleia da República, Ministério de Economia e Finanças e o Banco de Moçambique), as duas Organizações da Sociedade Civil entendem que “uma gestão transparente do FS exige o envolvimento de todos [incluindo Organização da Sociedade Civil]”, pelo que, recomendam a apresentação dos relatórios de auditoria e as contas do FS na página Web do FS e a publicação dos mesmos em três jornais de maior circulação nacional, assim como deve haver uma reunião de apresentação pública das contas do FS antes da discussão e aprovação dos relatórios e contas na Assembleia da República.

 

Referir que o processo de auscultação pública para recolher contribuições que visam enriquecer a proposta técnica para a criação de um Fundo Soberano em Moçambique está em curso desde Outubro passado. (A. Maolela)

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