A análise aos 25 anos da instauração da democracia multipartidária, em Moçambique, continua nos seus variados domínios. Desta vez, é no campo mediático, um pilar importante para consolidação do Estado de Direito e Democrático.
A discussão gira em torno da “Problemática da parcialidade na cobertura dos media nos processos eleitorais em Moçambique”, trazida pelo académico e professor universitário Ernesto Nhanale, para quem não se pode falar de uma cobertura isenta e imparcial dos processos eleitorais por parte dos meios de comunicação social, sejam eles públicos ou privados, nos últimos 25 anos, no país.
Ernesto Nhanale é um dos co-autores da obra 25 anos da Democracia Multipartidária, em Moçambique, da chancela do Instituto Eleitoral para a Democracia Sustentável em África (EISA), lançada, há dias, em Maputo.
Para o doutorado em Media, Comunicação e Cultura, a cobertura dos processos eleitorais nos últimos anos teve sempre uma característica em comum: a parcialidade. Esta, tal como explica, funda-se na ausência de equilíbrio e num jornalismo militante, realidade que coloca o jornalismo moçambicano longe de produzir informação de qualidade e que possibilite os eleitores formular opiniões e escolhas conscientes.
“Um dos grandes problemas dos media, na cobertura dos processos eleitorais, é a parcialidade, que se compreende com base na ausência de equilíbrio e num jornalismo militante. Certamente que um jornalismo com estas características se encontra muito longe de produzir uma informação de qualidade, que permita que os eleitores formulem opiniões e escolhas mais conscientes”, conclui o académico.
O autor concebe o sector mediático, em Moçambique, num quadro altamente pressionado pelo poder político, precisamente pelo partido no poder (Frelimo), que exerce o controlo, mormente sobre os órgãos públicos (Rádio e Televisão), realidade que coloca em causa a sua independência.
No geral, aponta o autor, os media em Moçambique têm a sua independência comprometida pelas fragilidades económicas de que “padecem”, associada à dependência do Estado, através da publicidade, que na sua maioria é canalizada às empresas públicas e às privadas com ligações ao partido Frelimo. Aliás, Nhanale aponta que as debilidades financeiras dos órgãos ganham um “acento tónico” durante os pleitos eleitorais, pelo facto de os jornalistas dependerem dos próprios partidos políticos e dos candidatos para a cobertura dos seus eventos políticos.
Na verdade, explica Nhanale, o jornalismo moçambicano, nos últimos 25 anos, funcionou, no que à cobertura dos processos eleitorais diz respeito, numa lógica polarizada, onde o profissionalismo foi quase sempre deixado de lado, emergindo a orientação para o apoio a causas partidárias específicas.
Prossegue, tomando como base a análise de conteúdo dos media, que as reportagens produzidas “reflectem um baixo nível de compromisso com a informação e equilíbrio no tratamento dos candidatos, um processo selectivo, que visa colocar os actores políticos em posições de imagem diferenciadas, uns em relação aos outros. A existência de enquadramentos positivos e negativos a favor ou desfavor dos partidos e candidatos mostra a tendência de uma abordagem parcial dos media na cobertura das campanhas eleitorais”.
O académico aponta que, para o caso moçambicano, há uma tendência de os meios públicos, bem como os com participação de empresas públicas na sua estrutura accionista, posicionarem-se “positivamente” a favor do partido Frelimo e, no sentido inverso, os meios privados, nascidos no contexto da democratização, demonstram uma tendência a reflectir posições parcialmente críticas à governação do partido no dia.
Em períodos eleitorais, anota o autor, a cobertura dos media sempre foi problemática no país, figurando no topo a manipulação dos conteúdos a favor dos partidos políticos, um “calcanhar de Aquiles”. Diz que os órgãos de comunicação social foram, ao longo dos anos, se mostrando “permeáveis à propaganda política e à acção dos spin doctores dos partidos políticos.
Apontando um estudo sobre a tendência dos jornais nas campanhas eleitorais de 1994, 1999 e 2004, nos jornais Domingo e Savana, Nhanale destaca que os media estiveram longe de cumprir com o seu papel de informar e educar o público sobre o processo em si, mas, sim, fizeram parte do jogo político, apostando na credibilização ou descredibilização da imagem dos candidatos, de acordo com as suas orientações editoriais.
No pleito de 2009, aponta o autor, a realidade não foi diferente da dos pleitos anteriores. Dá sustentáculo a esta afirmação o relatório de monitoria à cobertura dos media, produzido pelo Sindicato Nacional de Jornalistas (SNJ) que, segundo Nhanale, revelou que houve uma “tendência de parcialidade na distribuição de tempo de antena e de espaço à campanha dos candidatos, nos diversos meios de comunicação”.
Concretamente, aponta que houve cobertura “positiva” à Frelimo e seu candidato presidencial, sobretudo, nos jornais Diário de Moçambique, Notícias, Domingo, em prejuízo dos restantes partidos e candidatos concorrentes. Para o caso dos privados (chamados independentes), ainda nas eleições 2009, o Savana e Zambeze, mesmo com certa neutralidade em relação à oposição, “houve tendência de fazer-se uma cobertura negativa ao candidato do partido Frelimo” e noutros jornais “independentes”, uma cobertura mista (positiva e negativa), dos três candidatos presidenciais da época, nomeadamente, Armando Guebuza (Frelimo), Afonso Dhlakama (Renamo) e Daviz Simango (MDM).
Nas eleições gerais de 2014, diz o académico, o partido Frelimo recebeu maior cobertura nos meios de comunicação públicos, nomeadamente, a Televisão de Moçambique, a Rádio Moçambique e o Jornal Notícias. Já para o caso dos órgãos privados, “houve uma tendência de abordagem negativa do partido Frelimo”, nos órgãos de comunicação social privados (Savana, Magazine Independente e Zambeze).
Em relação às últimas eleições, as gerais de 2019, Ernesto Nhanale diz que “mostraram uma tendência do predomínio do partidarismo nos conteúdos noticiosos sobre as notícias eleitorais de todos os meios de radiodifusão, incluindo os privados, como a Soico Televisão (STV) e a TV Miramar, sobretudo, na abordagem positiva sobre o partido Frelimo”. O autor anota, igualmente, que o Partido Frelimo e o seu candidato, de forma inequívoca, receberam maior cobertura da TVM, STV, TV miramar e RM, tendo a mesma obedecido a uma tendência positiva. (Ilódio Bata)