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segunda-feira, 19 outubro 2020 04:31

Continua ardente conflito entre Vale e reassentados em Tete

O conflito entre as famílias reassentadas do distrito de Moatize, na província de Tete, tem barba branca. Data há oito anos, mas infelizmente continua a marcar os dias que correm.

 

Numa conferência havida, recentemente, naquela província e que juntou a população afectada e a Vale, Horácio Levene, um dos residentes da comunidade de Cateme (primeira vila de reassentamento), desatou, depois de ouvir um representante da mineradora a falar de vários projectos levados a cabo pela empresa, no âmbito da responsabilidade social:

 

“Eu ouvi atentamente a apresentação da Vale. Primeiro, dizer que o desenvolvimento social que a Vale mostrou para a comunidade foi a construção de ruinas, que são as casas. São essas casas que, até hoje, estão a gerar polémica. Quer dizer, uma casa com uma racha, que quando eu estou fora vejo dentro e quando estou dentro vejo fora. Então essas casas merecem manutenção”, desabafou o residente.

 

Também activista e Presidente do Comité dos Recursos Minerais de Cateme, Levene não parou por aqui. Foi mais longe. Na relação Vale-residentes, o activista social desvendou que a empresa não está a consumir a produção local por ela financiada, nomeadamente, os frangos e hortícolas.

 

“A criação de frangos e produção de hortícolas é uma actividade realmente bem-vinda, que a empresa trouxe na comunidade. Muitas pessoas aderiram a este processo. Mas nunca a mesma empresa, que nos vem dando pintos para criar, comprou esses frangos. Porquê a empresa não consome o frango local?”, interrogou Levene.

 

Além do frango, aquele residente de Cateme revelou que a Vale, que explora o carvão mineral naquele território, não consome as hortícolas produzidas com base no seu financiamento no âmbito da sua responsabilidade social. Como consequência da falta de consumo em larga escala, Levene disse que o tomate, cebola, repolho apodrecem, por falta de comprador.

 

“Não faz sentido a população produzir para depois deitar tomate por falta de comprador, enquanto a empresa consome o mesmo tomate”, criticou o activista.

 

No encontro, em que se discutia a responsabilidade social empresarial no sector da mineração, Horácio Levene não foi o único a queixar-se dos projectos levados a cabo pela mineradora brasileira, no distrito de Moatize. Maria Cussaia também se juntou ao debate para reforçar a falta de consumo da produção local, pela mineradora. Por seu turno, Cussaia, que também preside a Associação de Mulheres Paralegais de Tete, condenou a atitude da empresa, tendo apelado à mudança.

 

Afinal o que a Vale fez em Moatize e quanto gastou?

 

Até ao ano de 2018, avançou o representante da Vale no encontro, Pedro Muendane, a Vale investiu mais de 8 milhões de USD em projectos sociais. Com esse investimento, a empresa projecta que mais de 16.3 mil famílias serão beneficiadas, através de projectos de avicultura, horticultura, pesca, produção de ração, entre outros.

 

“Abrimos cerca de 170 furos de água, em Moatize, e ao longo do Corredor. Ainda em parceria com o FIPAG, também disponibilizamos água canalizada para cerca de 5.000 famílias do bairro 1º de Maio da Vila de Moatize. E na vila de Nacala-à-Velha disponibilizamos água para 12.000 famílias. Promovemos diversas iniciativas com vista a estimular o pequeno empreendedorismo local, nomeadamente: construção de moageiras e mercarias, formalização da cooperativa de costureiras e entrega de cargueiros. Promovemos desporto escolar em 280 escolas. O programa abrange 244.713 alunos de Moatize a Nacala-à-Velha”, acrescentou Muendane, estas e demais actividades.

 

Todavia, embora as iniciativas da Vale sejam plausíveis, as mesmas mostram-se insuficientes ou subaproveitadas pelas comunidades, de entre vários, pelos motivos acima referidos pelos activistas sociais e residentes de Cateme em Moatize.

 

Face às críticas, o representante da Vale reconheceu os problemas. Em relação à produção de frango e hortícolas, Muendane garantiu que a empresa vai dar instruções à firma dedicada ao “Catering” para passar a adquirir os produtos locais.

 

Em relação às casas, o representante da Vale também reconheceu que parte do problema é da sua responsabilidade. Por isso, acrescentou, a empresa tem estado a fazer reabilitação das casas em Cateme, após o primeiro tumulto havido em inícios de 2012. Todavia, disse que a população também é chamada a responder. Explicou que, após a primeira reabilitação, no ano passado, os residentes de Cateme voltaram a queixar-se e pedir mais uma reabilitação.

 

“Após uma avaliação conjunta, composta pelo Governo, Vale-Moçambique e a população concluiu que as casas de Cateme têm vidros das janelas partidos que não foram substituídos; redes mosquiteiras rasgadas, também não substituídas; chapas de zinco com problemas de enferrujamento e, consequentemente, infiltração, porque lá no tecto, quando chega a época das colheitas, coloca-se o milho para servir de secador; soalho com buracos, ou paredes com buracos etc. Em resumo, as casas de Cateme não têm problemas estruturais, senão manutenção, porque foram reabilitadas entre 2012 a 2013”, relatou Muendane.

 

Para a devida manutenção, revelou a fonte, a Vale diz que já tem estado a contactar as famílias afectadas. Muendane disse ainda que um dos primeiros acordos conseguidos entre as partes é que a reabilitação não deverá ser feita por uma empresa contratada pela mineradora, pois, os residentes afectados preferiram receber em dinheiro e fazer as manutenções por si.

 

A nossa fonte garantiu que, até Dezembro que se avizinha, a Vale vai canalizar as verbas para a manutenção requerida pelas 702 famílias de Cateme e que o valor será o mesmo para todas, embora algumas casas não requeiram muito dinheiro para a referida manutenção.

 

“Carta” apurou que a empresa calculou que 189 mil Meticais é o valor suficiente para a devida manutenção. Entretanto, consta que alguns residentes não estão a aceitar, pois, noutra comunidade, neste caso, 25 de Setembro, a empresa oferece, para efeitos de reabilitação estrutural (e não manutenção) 331 mil Meticais.

 

Embora algumas famílias não concordem com o valor, o representante da Vale disse que a empresa não vai recuar. Que a empresa vai entregar as verbas àquelas famílias que concordarem. “Nós já iniciamos o processo de contactar as famílias, apresentamos o pacote, para quem aderir, a gente está disponível a pagar. E, volto a reiterar, não vai ser como 25 de Setembro”, disse Muendane.

 

O conflito entre a Vale e as comunidades reassentadas no distrito de Moatize, onde opera, datam a 10 de Janeiro de 2012, dia em que após várias advertências ignoradas da população, cerca de 500 pessoas barricaram e obstruíram as vias de acesso ferroviária e rodoviário na zona de Cateme, exigindo do Governo e da empresa Vale o cumprimento de uma série de promessas do pacote de reassentamento, relacionadas com o acesso à água, terra fértil, saúde, energia e habitação melhor do que a oferecida por aquela multinacional.

 

A reacção do Governo foi marcada pela intervenção da então Força de Intervenção Rápida (FIR), hoje Unidade de Intervenção Rápida (UIR), da Polícia da República de Moçambique, destacada para reprimir a população, o que culminou, conforme reportou a imprensa, na altura, com a detenção de 14 indivíduos indiciados por parte da PRM.

 

Todavia, oito anos depois o conflito entre as famílias reassentadas do distrito de Moatize em Tete continua ardente e, face às discórdias na quantia de manutenção, pode concluir-se que o caos poderá prevalecer por muito mais anos. (Evaristo Chilingue)

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