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terça-feira, 23 junho 2020 05:48

Crédito mal-parado do Banco Austral: a montanha pariu um rato

Em 2002, para viabilizar a reprivatização do Banco Austral para o ABSA sul-africano, o Estado chamou a si a responsabilidade de cobrar parte do seu crédito mal-parado, no valor de 1.263,9 milhões de Meticais, a maioria do qual concedido a figuras ligadas às elites políticas. Mas, a Conta Geral do Estado de 2019, mostra que isso está sendo um fracasso. Em 17 anos, de 2002 a 2019, o Governo conseguiu cobrar apenas 954,99 milhões de Meticais.

 

Um pouco de história 

 

O Banco Austral era o antigo Banco Popular de Desenvolvimento (BPD). Em 1997, quando foi privatizado, o BPD tinha 120 milhões de USD em depósitos domésticos e 17 milhões depositados no exterior, em 17 bancos diferentes (de acordo com estudo de J.Hanlon, “Matando a Galinha dos Ovos de Ouro"). Mas a Deloitte & Touche (hoje apenas Delloite) avisou que o total de crédito mal-parado era muito elevado e o BPD precisava de fazer provisões de 23 milhões de US$, o que significava 52% do total dos seus empréstimos.

 

A privatização do BPD consumou-se a 3 de Setembro de 1997, ficando o Estado com 40%, e uma holding chamada Investil com os restantes 60%. A Investil era constituída em 51% pelo SBB e pela Invester com 49% (Jamú Hassan, Octávio Muthemba, Hassan e Álvaro Massingue eram a face mais visivel do grupo). Os dois novos investidores deviam pagar 21 milhões de USD, mas apenas pouco mais de 2,5 milhões nunca foram pagos.

 

A gestão dos novos donos foi caótica. A imprensa relatou na altura que empréstimos eram dados a pessoas sem garantias, por vezes a troco de comissões de 10%. Em 2001 falava-se de uma "generosidade" dos gestores. No espaço de 18 meses, o banco estava em crise e apareciam rumores na imprensa de falta de liquidez.


Em 2000, o Banco de Moçambique interveio para restringir novos empréstimos e obrigar a uma auditoria. Esta foi levada a cabo pela KPMG e submetida a 15 de Janeiro de 2001. A auditoria mostrava que as provisões para crédito mal-parado tinham sido subestimadas em 50 milhões de USD. De acordo com o estudo de Hanlon, o relatório da KPMG sugeria que, do crédito mal-parado, da má contabilidade, do roubo e da fraude, 15 milhões de USD vinham de antes da privatização e 30 milhões de USD incorreram em apenas 3 anos de gestão privada.

 

Depois que foi intervencionado pelo Estado, o Banco de Moçambique nomeou para seu PCA António Siba-Siba Macuácua, que era Director de Supervisão Bancária. Arlette Georgette Jonasse Patel, que vinha do anterior CA por parte do governo, manteve-se na posição.

 

O Banco Austral precisava de uma recapitalização de 2 800 mil milhões de Mts correspondendo então a 150 milhões de USD, para ser de novo reprivatizado. Siba-Siba, moveu-se rapidamente. A 19 de Junho, o Banco Austral publicou no jornal Notícias uma lista de mais de 1000 indivíduos e companhias com empréstimos vencidos.  Num sábado, a 11 de Agosto, António Siba-Siba Macuácua foi atirado pelo vão das escadas na sede da instituição. Ele estava atrás dos devedores mais conhecidos que não figuravam na lista do Notícias.

 

Nessa altura, o ABSA já havia chegado a acordo com o Governo mas banco sul-africano mas não queria o fardo de andar atrás dos devedores e ladrões do passado. O que propunham era apenas tomar conta dos depósitos, propriedade e pessoal, mas não de todo o portfolio de crédito. Isso foi conseguido. 

 

A montanha pariu um rato

 

No âmbito desse processo de reprivatização do ex-banco Austral (BAU), o Estado havia aprovisionado a 31/12/2001 a carteira daquele Banco no montante de 1.381,5 Milhões de Mts, de acordo com a Conta Geral do Estado de 2019, agora libertada pelo Governo. Ainda em 2001, após uma auditoria efectuada visando a elaboração do balanço de encerramento do BAU para a mesma data de 31/12/2001 foram deduzidos 117,6 Milhões de Mts.

 

Com isso, a provisão da carteira de crédito pelo Estado reduziu, situando-se em 1.263,9 Milhões de Mts, sendo que a cobrança da mesma ficou a cargo do Banco Austral.

 

Mas em Julho de 2002, o Estado e BAU celebraram um Contrato de Cessão de Crédito, no qual, da carteira no valor de 1.263,9 Milhões de Mts. O Estado ficou com a responsabilidade de recuperar esse valor. Agora, a Conta Geral do Estado de 2019, apresentou o resultado: desde 2002 a 2019, o Estado recuperou um total bruto de apenas 954,99 Milhões de Mts de um valor total de 1.263,9 milhões de Mts. (Marcelo Mosse)

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