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terça-feira, 02 junho 2020 06:49

Conflito de terra: Edilidade de Maputo acusada de usurpar terrenos na Costa do Sol

O Conselho Municipal da Cidade de Maputo é acusado de usurpar terrenos no bairro da Costa do Sol, arredores na Cidade de Maputo. Quem assim o faz é a família Manjate, que se diz legítima proprietária de uma parcela, hoje convertida em quatro terrenos, desde o longínquo ano de 1970.

 

Trata-se da parcela que ostenta o nº 660 D, dividida em quatro talhões com os números 243, 244, 253 e 259. Neste espaço, conta André Manjate, filho de Salomão Manjate (já falecido), antigo combatente, a família exercia desde o ano 1970 actividades agrícolas e a criação de suínos e aves.

 

André Manjate, arquitecto de profissão, acusa a edilidade de Maputo de, arbitrariamente, ter-lhes retirado três dos quatro terrenos pertencentes à família e atribuído num expediente, que segundo disse, corrupto a dois cidadãos. Trata-se dos cidadãos António Simões Maltês Almeida e Jorge Nhuntumbo, este último que se diz representar a sua filha, a proprietária do espaço.

 

Em conversa com o nosso jornal, André Manjate, que veio acompanhado pela sua mãe Judite Machava, não escondeu a sua indignação e revolta perante a actual situação que, tal como disse, estão a ser vítima do sindicato mafioso instalado na edilidade, cuja especialidade é usurpar e comercializar talhões.

 

“Estamos perante um esquema complexo de corrupção e usurpação dos nossos talhões”, desabafou André Manjate.

 

 

André Manjate avançou não ter o mínimo de razoabilidade o argumento, segundo o qual, a parcela não pertence à família Manjate, pois, desde a primeira hora, as autoridades locais (antigos chefes do quarteirão e outras testemunhas) atestaram a legitimidade e a propriedade da mesma. Aliás, a nossa fonte apresentou documentos assinados pelo chefe de quarteirão e seu adjunto bem como de outras testemunhas.

 

Inicialmente, a parcela estava situada no bairro de Laulane, arredores na Cidade de Maputo. Com o redimensionamento de parte do bairro de Laulane, a parcela passou a pertencer ao bairro da Costa do Sol e, consequentemente, ganhou uma nova numeração. Ou seja, os números 401 (243), 402 (244), 411 (253) e 412 (259).

 

 

A António Simões Maltês Almeida, contou André Manjate, foram-lhe atribuídos indevidamente dois talhões (411 e 412). A filha de Jorge Nhantumbo ficou com o talhão 402.

 

Jorge Nhantumbo, contou a nossa fonte, chegou a apresentar um Direito de Uso e Aproveitamento de Terra (DUAT) de autenticidade duvidosa. Ou seja, ao invés do bairro de Laulane indicava o da Costa do Sol. Prosseguiu que, tempo depois, apareceu com um outro DUAT, mas, desta feita, com localização apontando para o bairro da Costa do Sol.

 

André Manjate disse que, neste momento, decorrem obras em dois talhões que foram ilegalmente retirados à sua família. Decorrente deste facto, André Manjate submeteu no passado dia 04 de Março do corrente ano, ao Conselho Municipal de Maputo, um pedido de embargo da obra nos talhões 411 e 412 (ocupados por António Simões Maltes Almeida), isto na retromencionada parcela.

 

As obras estão a ser erguidas no espaço atribuído a António Simões Maltes de Almeida, sendo que já foi edificado um muro, um passeio para entrada do edifício e decorrem trabalhos de base para construção de um prédio. No aludido espaço, há também diversa maquinaria e materiais de construção.

 

 

Processo de regularização do espaço

 

O processo de regularização remota a 27 de Março de 1981, altura em que, por via oficiosa, Salomão Majante submeteu um requerimento, em que solicitava autorização para a ocupação os quatro talhões da parcela 660 D, ainda bairro de Laulane. Ou seja, 11 anos após terem iniciado, no mesmo espaço, a actividade agrícola e pecuária. Na parcela, segundo André Manjate, havia criação de porcos, galinhas, coelhos, cabritos, patos e machambas.

 

A parcela, sublinhou Manjate, sempre esteve vedada (muro) e, inclusivamente, o seu pai (Salomão Majante) plantou alguns coqueiros, sendo que parte deles ainda é possível encontrar no interior da parcela e outras propriedades da família.

 

Manjate contou que, quase um ano depois, ou seja, a 27 de Fevereiro de 1982, as autoridades Municipais (na altura Conselho Executivo) concederam a autorização para a ocupação da parcela.

 

Judite Machava, viúva de Salomão Manjate e mãe de André Manjate, contou ao nosso jornal que a aludida declaração de autorização de ocupação dos quatro terrenos foi emitida, na altura (em 1982), pela Direcção de Construção e Urbanização.

 

Volvidos 24 anos, ou seja, em 2006, na sequência do falecimento do seu esposo, Judite Machava e mais seus três filhos desencadearam um processo, tendo em vista a obtenção do Direito de Uso e Aproveitamento de Terra. A este pedido, disse Dona Judite Machava, a única resposta que obteve de um funcionário da Secretaria do Município, isto já em 2009 (três anos depois), do qual não se lembra do nome, foi de que não se podia atribuir DUAT’s para quatro talhões, precisamente porque aquela era uma zona de elite. Salomão Manjate faleceu em 2004.

 

 

Inconformada com a resposta, ainda em 2009, depois de ter sido aconselhada por funcionário da edilidade a repartir os talhões pelos seus filhos, Judite Machava submeteu os pedidos de regulação, tendo apenas recebido, na sequência, o DUAT, cuja solicitação fora feita em seu nome. Os outros três talhões, cujos pedidos de DUAT’s vinham em nome Hoseas Salomão Mandlate, Roda Salomão Mandlate, Leonor Salomão Mandlate, disse Judite Machava, até hoje não tiveram qualquer resposta do Conselho Municipal da capital do país.

 

Surpreendentemente, narrou Dona Judite Machava, enquanto alternava entre as estruturas do bairro da Costa do Sol e o edifício sede do Município de Maputo à procura de respostas aos seus pedidos, foi colhida, em 2014, pela invasão dos dois talhões (411 e 412), acto que começou com a destruição do muro de vedação. Aconselhado pelas estruturas do bairro, Judite Machava, ainda no mesmo ano, ergueu o muro outrora deitado abaixo pelos invasores. No entanto, a acção foi praticamente reduzida a nada, isto porque os invasores impiedosamente voltaram a derrubar o muro.

 

Em meio ao braço de ferro instalado, Judite Machava contou que foi ilicitamente cobrada valores por um técnico do Município de nome Rui Uber, sob pretexto de que iria agilizar o processo de legalização dos talhões. Relacionado com caso de corrupção, contou Machava, foram acusados Rui Uber e a vereadora Despedida Rita e o expediente se encontra em “banho-maria”, desde Dezembro de 2018. Entretanto, a nossa fonte anotou que Rui Uber chegou mesmo a devolver o valor que recebera no contexto da agilização do expediente.

 

 

Judite Machava acrescentou que a sua rotina, nos últimos anos, tem-se resumido em deslocar-se à sede distrital e ao Município de Maputo sem, no entanto, encontrar qualquer resposta satisfatória, pontificando o desaparecimento da documentação a explicação recorrente. Aliás, contou que chegou a sofrer um Acidente Vascular Cerebral (AVC).

 

Entretanto, Judite Machava diz não compreender, até hoje, porquê o Município ter apenas emitido o DUAT de um dos talhões, onde actualmente foi erguida uma moradia, quando o pedido de regularização foi para toda a parcela.

 

 

“Aqueles que eles querem que avancem já estão lá. Agora parece que vendeu para um português e já estão a fazer as fundações. É este assunto que nos magoa e que nos ferre. Nós não temos direito das nossas coisas, porque somos negros e aquele é mulato! É isso? Basta ele ser mulato tem direito e nós não temos? Eu até evito passar por lá. Quando passo por lá até fico emocionada porque lembro que nós é que desbravamos e hoje já não nos pertence? Se nós não temos direito, devem dizer porquê. E devem dizer porquê os outros documentos passaram por cima do nossos e onde está o nosso processo. E se o espaço não nos pertence porquê nos deram um terreno? Se o terreno não é nosso, então não devem ser nossos todos os terrenos. Se me deram um terreno errado devem colocar que deram um terreno errado”, desabafou Dona Judite Machava.

 

A fonte que temos vindo a citar avançou ainda que no processo de busca de respostas às suas preocupações encaminhou, em 2018, o assunto ao Gabinete do Provedor de Justiça, mas, até hoje, aguarda por uma resposta.

 

 “Há uma concessão em cima de uma outra concessão. Vai se embargar a obra para se apurar o que aconteceu”, Conselho Municipal de Maputo.

 

Na tarde desta segunda-feira, o nosso jornal contactou o Conselho Municipal da Cidade de Maputo (CMCM). À “Carta”, o Director do Gabinete de Comunicação e Imagem da edilidade, Mussa Momed, disse que houve concessão em cima de uma outra concessão.

 

Perante esta realidade, explicou Momed, a edilidade vai embargar as obras que têm estado a ter lugar no aludido terreno. O processo, tendo em vista o embargo da obra, anotou Momed, já está em curso. O director do Gabinete de Comunicação e Imagem avançou que a edilidade vai tomar um posicionamento sobre o assunto depois que for concluído o processo investigativo em curso.

 

“Há uma concessão em cima de outra concessão. O Conselho Municipal de Maputo desencadeou um processo investigativo com vista a apurar o que realmente aconteceu. Vai se embargar a obra e o processo está em curso. Estamos a trabalhar no assunto”, disse Mussa Momed. (Carta)

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