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BCI
terça-feira, 02 junho 2020 06:14

Os negócios da guerra em Cabo Delgado: Sobre empresários militares privados

Ao “macondizar” o aparelho de segurança durante o seu primeiro mandato presidencial, Nyusi ajudou a criar oportunidades de negócios individuais para os chefes militares. Fontes fiáveis entrevistadas para o presente estudo afirmam que a empresa privada que fornece apoio logístico e abastecimento às FDS pertence ao ex-ministro da Defesa Atanásio M’tumuke, natural de Muidumbe. Uma fonte próxima do exército sugeriu que provavelmente quatro de cada dez Land Cruisers adquiridos pelo exército estão «privatizados» por oficiais superiores.

 

Recentemente foi revelado na imprensa que M’tumuke, juntamente com o anterior ministro do Interior, tinha assinado um acordo com os principais protagonistas do negócio do gás (a Total, substituindo a Anadarko, e a ENI, ou seja, a Mozambique Rovuma Venture) para fornecer serviços militares e de segurança através das FDS para os intervenientes do negócio do gás e financiados pelas partes interessadas.

 

Não se sabe se a companhia aérea privada Asas do Indico faz parte do negócio dominado pelos macondes em Cabo Delgado. Transporta, porém, reforços militares de Pemba para Palma e, na rota de regresso, transporta viajantes privados, evacuados de Palma com medo de ataques, a tarifas exorbitantes.

 

Outras empresas privadas do ramo da segurança são a Control Risks, sediada no Reino Unido, que fez uma parceria com a empresa Executive Logistics, registada em Moçambique e dirigida por dois ex-militares da força aérea e da marinha dos Países baixos, ao que consta ambos próximos de Nyusi. A Control Risks é contratada pela ExxonMobil, entre outras funções, para proteger o pessoal em trânsito. Isto implica a avaliação de risco antes da viagem, protocolos rigorosos de gestão de viagens e apoio de segurança aos viajantes, e, de preferência, coordenação com as FDS.

 

Nyusi e M’tumuke – este último um dos primeiros membros da Frelimo a formar-se em infantaria motorizada no curso de oficiais de Vistrel, em Moscovo – foram fundamentais para uma aproximação à Rússia, que já foi um potentado mundial e que procura agora um maior protagonismo geopolítico. Isto inclui a ajuda militar e o apoio do Grupo Wagner. Esta empresa de segurança, em termos legais e formais é uma empresa privada, parece estar ligada à contra-espionagem do exército russo e ao presidente Putin – através de Yevgeny Prigozhin, um empresário de serviços de restauração/segurança sediado em São Petersburgo e conhecido como «o cozinheiro de Putin».

 

O Grupo Wagner é provavelmente uma empresa privada militar pertencente ao estado, que tem sido utilizada como instrumento das políticas externas e de segurança da Rússia. É conhecido por ter intervindo na Síria, Líbia e República Centro-Africana, entre outros países, alavancando as intervenções estratégicas de Moscovo e a sus projecção de poder ao nível global.

 

(...)

 

Os interesses russos em Moçambique, porém, vão muito além do destacamento de operativos do Grupo Wagner. O Grupo Wagner pode ser a ponta-de-lança de uma estratégia económica destinada fazer da Rússia um actor importante no negócio do gás e petróleo moçambicano, através das suas empresas paraestatais Gazprom e Rosneft (da qual o Qatar é um dos principais accionistas). Isto faz parte de um jogo geoestratégico de poder e influência globais, no qual os EUA e a China são os principais competidores.

 

A intensificação dos contactos com a Rússia, tendo Nyusi e altos funcionários do governo, e também da empresa paraestatal de energia ENH, visitado a Rússia várias vezes no decorrer de 2019, sublinha o aumento da cooperação entre Moscovo e Maputo, e o interesse estratégico da Rússia no sector energético de Moçambique. A França, com a sua presença no Oceano Índico, desempenha um papel menor, mas não é, de modo algum, um interveniente insignificante, dada a presença do gigante francês da energia Total e do seu interesse em colaborar também nos campos militar e da informação, por exemplo, fornecendo drones de reconhecimento construídos pela Airbus em Toulouse. Alguns gestores seniores do negócio global de petróleo consideram o Total um “exército”.

 

Também as EPSMs da África do Sul consideram Moçambique e Cabo Delgado um mercado à sua porta, segundo um informante principal. Eeben Barlow, fundador da Executive Outcomes e proprietário de uma EPSM chamada STTEP (Specialised Tasks, Training, Equipment, and Protection International) considera certamente este mercado, sugerindo que as EPSMs sul-africanas decerto têm vantagens comparativas sobre o Grupo Wagner e outros concorrentes. (Francisco Almeida dos Santos, in CMI Insight Maio 2020, Guerra no Norte de Moçambique, uma Região Rica em Recursos Naturais – Seis Cenários/adaptado)

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