Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

quarta-feira, 27 maio 2020 06:21

Quem beneficiou do rombo de 155 milhões de Mts no CEDSIF?

O caso foi despoletado há poucas semanas, em Março, aqui na “Carta”. Um desfalque de 155 milhões de Meticais veio decorrendo no CEDSIF deste 2014, sem que nenhum dos mecanismos de controle interno tenha detetado a artimanha. [NE: Não confundir com o actual rombo de 140 milhões detectado há poucas semanas no Tesouro].

 

Em Março de 2020 foi feita a primeira detenção, nomeadamente do técnico Gama Cruz Nhampelele, que faz parte de uma rede interna ainda não completamente desmontada. “Carta” sabe que parte dos 155 milhões de Mts foram transferidos para empresas da praça, algumas das quais pertencentes a funcionários da Autoridade Tributária (AT), com ligações a quadros do CEDSIF.

 

[O CEDSIF é o resultado da extinção da Caixa do Estado, que hoje gere, através das suas aplicações informáticas, 80% da massa monetária estatal. Isto é, enquanto o Banco de Moçambique tem o papel regulador, emissor de 100% da massa monetária física, o CEDSIF faz a gestão e guarda de toda a massa monetária virtual do Estado].

 

Ao longo das últimas semanas, “Carta” esteve juntando as peças do “puzzle”. E fez descobertas interessantes. Fontes do SERNIC relevaram que o rombo era coordenado por técnicos do CEDSIF e era drenado para a empresa Exotyca Lda, cujo titular é o cidadão Carlos Manuel Pinto. Da Exotyca, o dinheiro fluía depois para as seguintes empresas: Polnielvos Shopping, Lda, Candeia Construções, Else Moz-Prestação de serviços, Shona Toners, Heismoz-Prestação de Serviços, Unikus Publicidade, Lda e SS e Filhos, Lda.

 

O “modus operandis” da fraude ainda não foi devidamente esmiuçado. Mas tudo indica que ela decorreu de fragilidades nos sistemas de gestão. Uma fonte descreveu (essa fragilidade) do seguinte modo:

 

“O Serviço de Operações (SO) é um autêntico mercado informal, onde encontramos mais de 90% dos técnicos com Perfis de Administradores, o que lhes habilita a ter acesso às aplicações e seguintes situações: criar ficheiros e apagar (como aconteceu); Actualizar ficheiros, instalar programas individuais; Consultar; Instalar softwares ou programas (como aconteceu); Gravar; Eliminar dados (como aconteceu); Nos PC de serviço, pode-se usar dispositivos como UBS, pois não estão bloqueados. E isto possibilita a instalação de dispositivos de internet para criar VPN invisíveis na infraestrutura de Sistemas, Redes e Servidores; Os técnicos do SO, configuram o que lhes apetece; Na instituição entram Note Books pessoais sem controlo dos números de Séries”.

 

[Em finais de Março, no decurso da investigação, este repórter entrou nas instalações do CEDSIF por ocasião de uma entrevista com o seu Director-Geral, Hermínio Sueia, mas seu “laptop” não foi devidamente controlado como mandam as regras internas].

 

Outra fonte conhecedora do caso comentou que a fraude só possível devido ao relaxamento dos sistemas de segurança dentro do CEDSIF, nomeadamente o facto de alguns funcionários terem posse do “Código-Fonte”, uma “password” que lhes habilita a aceder ao sistema, incluindo a partir dos seus domicílios, movimentando assim valores do Tesouro.

 

Hermínio Sueia é apontando como um dos responsáveis do alegado relaxamento dos controles internos. Ele faz parte da actual equipa de investigação, quando, por regra, deveria estar afastado desse processo; sua presença na turma que faz a apuração da fraude é apontada como o “principal bloqueio” do seu esclarecimento.

 

Sueia chegou ao CEDISIF, em 2014, justamente no ano em que este rombo iniciou. Ele substituiu o antigo director, Augusto Sumburane. Nessa altura, diz uma fonte, o CEDSIF havia adquirido o “Audit Vault”, um software de auditoria de sistema informático, que nunca foi instalado. A função do software é auditar os logs de todas as acções ou ocorrências executadas dentro das Bases de Dados, rastreando todas as interacções dos usuários no SISTAFE, de uma ponta a outra. Se o Cedsif tivesse o “Audit Vault” a funcionar, explicaram-nos, a fraude teria sido descoberta logo no seu primeiro ano.

 

Na ocasião em que recebeu o repórter de “Carta”, em finais de Março, Sueia disse que nunca chegou a tomar conhecimento da aquisição do “Audit Vault”. Ele negou ser o responsável pelo descalabro que se vive na instituição. Quando transitou da Autoridade Tributária para o CEDISF, Sueia levou consigo antigos colegas, colocando-os em lugares-chave. Um deles chefia a Divisão de Infraestrutura, constituída por Sistemas, Redes e Servidores. Na sua função normal de monitoria interna, a Divisão podia ter constatado a existência de intrusos na rede, mas isso não tem acontecido.

 

[Em finais de Março passado,  o Juiz Desembargador da Segunda Secção Criminal de Recurso do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo (TJCM), Fernando Fenias Bila, ordenou a soltura imediata de Nurbibi Lacman, funcionária do CEDSIF, que havia sido condenada, em Maio de 2019, a uma pena de 10 anos de prisão maior, no âmbito do Processo n.º 1231/18-C, relacionado ao rombo de mais de dois milhões de Mts na instituição responsável pelo provimento de sistemas de informação de gestão de finanças públicas].

 

Outros antigos colegas de Sueia na AT tomaram conta de sectores-chave como o Serviço de Operações (onde há roubos), Administração e Finanças e UGEA (Procurement). Dados preliminares da investigação do SERNIC, apontam também o nome de Carlos Mulaveia, arquitecto da AT, “amigo” de Hermínio Sueia (que “participa” em todos os processos de “procurement” do CEDSIF na qualidade de consultor contratado), como um dos beneficiários do actual rombo, através da empresa YUNN EVENTOS.

 

O Ministro da Economia e Finanças, Adriano Maleiane, tem sido parco em palavras quando em face de questões sobre rombos financeiros nas entidades que ele tutela. Sobre este caso, ele disse o seguinte na semana passada, numa entrevista à TVM, respondendo a uma pergunta insistente do jornalista Brito Simango: “O caso está na Justiça; o facto de os rombos (no CEDSIF e outros) terem sido detectados mostra que os sistemas funcionam”. Brito Simango, quando reportou em Março na TVM sobre o descalabro do CEDSIF recebeu, de Hermínio Sueia, uma ameaça de procedimento judicial.(Marcelo Mosse)

Sir Motors

Ler 18880 vezes