Depois de pouco mais de um mês longe dos holofotes, Eneas Comiche, Presidente do Conselho Autárquico da Cidade de Maputo, falou, esta segunda-feira, pela primeira vez, à imprensa. Na verdade, tratou-se de uma comunicação aos munícipes da capital do país e, para variar, sem espaço para qualquer pergunta, facto que deixou atónitos os jornalistas que acorreram em massa ao Salão Nobre do Conselho Autárquico de Maputo.
Visivelmente abatido e com o semblante carregado, Eneas Comiche entrou para o salão acompanhado pela sua esposa, Lúcia Comiche. Para além dos jornalistas, estavam, igualmente, na sala vereadores e os seus assessores.
A comunicação veio, em concreto, confirmar o que há muito se sabia. Que ele foi o primeiro cidadão moçambicano infectado pela Covid-19 no território nacional. Para além dele próprio, o edil da capital disse que apenas infectou a sua esposa.
“Fico feliz em saber que, para além da minha mulher, não infectei ninguém”, disse Eneas Comiche, que usou as objectivas dos jornalistas para, de forma directa, pedir desculpas à sua esposa por tê-la infectado com Covid-19 e agradecer a sua família pelo apoio e carinho, bem como ao pessoal médico.
Mas, mais curioso, mesmo, foram as explicações de Eneas Comiche à volta do seu estado de saúde, desde que foi diagnosticado com Covid-19. Aliás, o Mayor da capital do país tratou logo de deixar claro que ele, assim como a sua esposa estavam já recuperados da Covid-19, conhecida pelo seu elevado grau de letalidade.
Deficiente comunicação do MISAU sobre o seu estado de saúde
E porque o objectivo central da comunicação era mesmo resgatar a sua honra e o bom nome, Eneas Comiche escolheu o ataque como a melhor estratégia de defesa. E o visado foi o Ministério da Saúde (MISAU).
Eneas Comiche disse que, depois de regressar de Londres, Reino Unido (meados de Março), submeteu-se a dois testes para Covid-19. Um primeiro no dia 20 e outro no dia 23 Março último. No entanto, ressalvou que só recebeu os resultados nos dias 26 de Março último, 04 e 06 de Abril corrente.
“Recebi três resultados positivos, sendo dois em meu nome e um em nome da minha mulher, Lúcia Maria Comiche – (i) o primeiro enviado por email do INS (Instituto Nacional de Saúde) de 26.03.2020, às 17:20h e em formato físico no dia 06.04.2020, cuja colheita foi feita no dia 20.03.2020; (ii) o segundo positivo para Covid-19, recebi por email no dia 04.04.2020, às 14:58h, cuja colheita foi feita no dia 23.03.2020; no dia 06.04.2020 recebi, em formato físico do INS, o resultado positivo relativo à minha mulher, cuja colheita foi feita no dia 23.03.20 enviado novamente por email do INS, recebido no dia 11.04.2020, às 14:58h”, começou por explicar Comiche.
Entretanto, as autoridades da saúde anunciaram o primeiro caso de Covid-19 em território nacional no passado dia 22 de Março, depois do Presidente da República, Filipe Nyusi, ter falado, pela primeira vez, à Nação sobre a pandemia, onde, inclusivamente, anunciou o encerramento de escolas e a suspensão de vistos de entrada. Sobre o primeiro caso, as autoridades de saúde avançaram, à data, que se tratava de um cidadão de nacionalidade moçambicana com mais de 75 anos de idade que acusou positivo, depois de ter regressado de Londres, Reino Unido, em meados de Março último.
No dia 24 de Março, ou seja, dois dias depois, as autoridades da saúde vieram novamente a público anunciar que o cidadão de mais de 75 anos havia infectado uma mulher de mais de 70 anos, que fazia parte do grupo de 23 contactos com quem o cidadão manteve contacto directo, quando regressou de Londres.
Entretanto, ainda na noite do dia 24 de Março, uma ligação telefónica a um canal privado de televisão da praça, praticamente, gelou uma Nação inteira. Do outro lado da linha, estava Lúcia Comiche, esposa de Eneas Comiche, confirmando ser a mulher de mais de 70 anos diagnosticada com Covid-19, anunciada pelas autoridades de saúde.
Em meio à onda, por um lado, de reconhecimento ao nobre gesto de Lúcia Comiche por ter publicamente assumido que estava infectada pela Covid-19, e, por outro, condenando o silêncio do cidadão de mais de 75 anos, que, na verdade, era Eneas Comiche, o cerco praticamente havia-se fechado.
Aliás, importa de realçar que, no dia 23 de Março, um dia antes de Lúcia Comiche “pôr a boca no trombone” (expressão brasileira que significa denunciar ou revelar algo que não está certo), a edilidade, em contra relógio, por via de uma nota de imprensa, fez saber que Eneas Comiche entrara em quarentena domiciliária voluntária no dia 19 de Março passado.
A nota era em resposta às informações que apontavam que o edil de Maputo regressara de um país com casos de Covid-19 e, ainda assim, não se submetera a quarentena domiciliária. Logo após regressar de Londres, Comiche manteve encontros com funcionários do Município de Maputo e também com altos quadros do partido Frelimo e do Estado moçambicano.
Eneas Comiche, sabe-se, regressou de Londres no passado dia 11 de Março, onde participara da Cimeira sobre Água e Clima e fechou projectos de desenvolvimento e melhoramento de infra-estruturas do município e do Grande Maputo, no valor de 50 milhões de dólares.
Entretanto, em comunicado datado de 27 de Março último, Eneas Comiche avançara que ainda não havia recebido o resultado dos testes à Covid-19, a que ele e sua esposa foram submetidos. Na altura da comunicação, Comiche encontrava-se em bateria de exames no Instituto do Coração.
No entanto, importa realçar que, sobre o timing para disponibilização dos resultados do teste da Covid-19, Rosa Marlene, directora Nacional de Saúde Pública, disse, à data, que os mesmos eram disponibilizados em 24 horas.
Internamento para tratamento
Embora sem precisar as datas, Eneas Comiche avançou que logo que tomou conhecimento do seu estado (infectado pela Covid-19), imediatamente, procurou tratamento médico. Recebeu, tal como disse, cuidados médicos no Instituto do Coração (ICOR), em regime de internamento. Já a sua esposa, anotou Comiche, foi assistida em regime de isolamento domiciliário.
“Face a esta situação, submeti-me, de imediato, ao tratamento médico recomendado, tendo eu ficado internado no Instituto do Coração e a minha mulher em isolamento domiciliário”, disse Comiche.
“Eu e a minha mulher estamos recuperados”
Um outro momento alto da comunicação do edil de Maputo foi quando este anunciou que ele, bem como a sua esposa já estavam recuperados da doença. Comiche encheu os pulmões de ar e anunciou que ele e sua esposa já estavam recuperados e que eram, na verdade, os dois primeiros casos de doentes recuperados, anunciados pelas autoridades sanitárias.
O Mayor de Maputo disse que a sua companheira recebeu dois resultados negativos no dia 11 de Abril corrente, sendo um do Instituto Nacional de Saúde (INS) e outro do ICOR, enviado por um laboratório sul-africano.
No que respeita a sua situação, Comiche disse que recebeu três resultados negativos “(i) o primeiro do INS, de 04.04.2020, cuja colheita foi feita no dia 02.04.2020; (ii) o segundo do INS, para SARS COVID-19, recebido por email do ICOR, de 07.04.2020, cuja colheita foi feita no dia 04.04.2020 e no mesmo dia 07.04.2020 recebi, através do ICOR; e (iii) o terceiro resultado negativo para SARS-COV-2 PCR, enviado por um laboratório sul-africano”.
“Não é correcto sermos tratados como números”
E porque o MISAU não lhe deixou boas memórias voltou a merecer novamente realce na longa comunicação do edil de Maputo.
Eneas Comiche dirigiu-se a esta entidade nos seguintes termos: “apelo às estruturas do Ministério da Saúde para um tratamento com qualidade e mais humanizado aos infectados ou afectados pelo Covid-19. Não é correcto sermos tratados como números. Mais X infectados, dos quais Y recuperados, sem informação directa ao interessado e sem uma palavra de aconselhamento. O cidadão testado à Covid-19 tem o direito de ser informado, em primeira mão, dos resultados dos testes realizados”.
Em jeito de fecho, Eneas Comiche, em virtude de já estar recuperado, fez saber que vai regressar ao trabalho e com a mesma energia e determinação para o exercício das funções que lhe foram confiadas pelos munícipes de Maputo. (Ilódio Bata)