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segunda-feira, 13 abril 2020 07:23

A “pandemia” dos orçamentos

Esta vai ser a semana em que o Plano Económico e Social (PES) e o Orçamento do Estado (OE) para 2020 vão ser escalpelizados.

 

Advinha-se desde logo uma grande dor de cabeça para executivo, esclarecer “tim-tim por tim-tim” o que vai fazer com cada centavo de que dispor, a nível multissectorial. Porém, é presumível que os moçambicanos estejam mais atentos (e interessados), em saber como o serão alocadas as verbas destinadas a fazer face à pandemia do novo coronavírus.

 

E não é para menos.

Primeiro, porque as pessoas, já de olho bem aberto, há muito sabem que situações de emergência, como a que vivemos actualmente, são férteis para se fazerem “jogatanas” em que alguns enriquecem rápida e ilicitamente, à custa do sofrimento de outros tantos milhões de concidadãos desfavorecidos. Segundo, porque nos últimos dias apareceram na imprensa vários “orçamentos”, todos diferentes (uns do MEF e outros do MISAU) para fazer face ao Covid-19, o que deixa qualquer um com a “pulga atrás da orelha”. Finalmente, porque para surpresa geral, a União Africana (UA) apresentou as suas previsões orçamentais, para todo o continente, e os números representam quase a metade do total daquilo que o nosso Ministério da Economia e Finanças diz necessitar para fazer face à pandemia, a nível interno.

 

Efectivamente, há muita ambiguidade, com relação aos recursos financeiros necessários para combater a Covid-19 no país. Tanto quanto se sabe não existe um plano (único) de resposta consistente, com um orçamento detalhado, indicando onde e como vão ser gastos os valores solicitados aos parceiros, bem como aqueles que forem prevenientes de coparticipações do Estado.


Há poucos dias, o Centro de Integridade Púbica (CIP) alertava para o facto de haverem diversos orçamentos, todos eles dissemelhantes, elaborados tanto pelo Ministério de Economia e Finanças (MEF) como pelo da Saúde (MISAU).

Em cinco dias foram dados a conhecer ao público três orçamentos diferentes: a 17 de Março, o PPR – Plano de Preparação e Resposta ao surto da Covid-19, foi orçado em 2,2 milhões de dólares. A 20 de Março, em carta endereçada a um parceiro estratégico, o MISAU já solicitava 28,3 milhões de dólares, para o mesmo fim. Três dias volvidos o MEF veio anunciar que, afinal o país necessitaria de 700 milhões de dólares para enfrentar a pandemia – valor 300 vezes maior que o previsto, cinco dias antes, pelo PPR.

 

Quanto à disparidade entre os números apresentados (pelo MISAU) no orçamento do PPR e a carta endereçada aos parceiros estratégicos, a diretora-adjunta de saúde pública, Benigna Matsinhe (em declarações à DW) foi evasiva, afirmando apenas que “o MISAU trabalha com o plano orçado em pouco mais de 28.3 milhões de dólares, o qual foi já apresentado aos parceiros". E mais não disse!

 

Quanto aos mais de 700 milhões de dólares orçados pelo MEF, o ministro Adriano Maleiane, esclareceu na última sexta-feira (10) que o montante inclui a construção de hospitais, uma vez que há distritos sem este tipo de infraestruturas no país.


Ora, a questão que se coloca, neste caso, é: será que esses hospitais (o documento fala em 79) serão todos construídos em tempo recorde, a ponto de poderem ser usados para fazer face aos catastróficos efeitos do Covid-19, a curto e médio prazo?

 

Maleiane, que respondia a perguntas dos membros da Comissão do Plano e Orçamento (CPO) da AR, durante a audição sobre as propostas do Plano Económico e Social (PES) e do Orçamento do Estado (OE) para 2020, anunciou ainda que está prevista a aquisição de 300 ventiladores – sendo 100 fixos e 200 móveis – num valor orçado em 228.5 milhões de meticais (cerca de 3.4 milhões de dólares).

Diante deste turbilhão de números díspares, tudo se torna mais estranho, quando, de repente, ficamos a saber, na última quarta-feira (08), que a União Africana (UA) pretende mobilizar, através de uma parceria público-privada – ente o Centro para o Controlo e Prevenção de Doenças da União Africana (CDC África) e a AfroChampions Initiative – 400 milhões de dólares visando a criação de um fundo de resposta à pandemia da covid-19 em todo o continente.

 

De acordo com Cyril Ramaphosa, presidente em exercício da UA e chefe de Estado sul-africano, o objetivo inicial é mobilizar até 400 milhões para apoiar uma resposta médica sustentada à pandemia.


De salientar ainda que parte dos fundos angariados será destinada ao apoio das comunidades mais frágeis, cujas atividades socioeconómicas foram significativamente afetadas pelos efeitos da pandemia.

Chegados aqui, a pergunta óbvia é: se para todo o continente africano a UA, com planos orçamentais claramente detalhados fala em angariar (apenas) 400 milhões de dólares, como é que Moçambique – com os seus “múltiplos orçamentos”, nenhum dos quais devidamente esclarecedores – já se “adiantou” e chegou aos 700 milhões de dólares?

E já agora – vem a talhe de foice – soube-se semana passada que a Assembleia da República, só em despesas de funcionamento (maioritariamente salários e regalias para os 250 deputados), vai gastar, no presente ano, qualquer coisa como 50 milhões dólares.

 

Outra pergunta pertinente: como é que um país como o nosso, com as debilidades que lhe são conhecidas se pode dar ao luxo de despender 50 milhões de dólares, para beneficiar 250 cidadãos, quando, por outro lado está disposto a despender apenas 3.4 milhões de dólares para a compra de (300 insuficientes) ventiladores, que servirão certamente para salvar centenas ou até milhares de vidas, no momento em que esta pandemia atingir o seu pico?

Ou seja: num momento atípico e emergencial como o presente, em que se fazem os cálculos mais díspares, sobre fundos a angariar e como os mesmos devem ser gastos para fazer face aos nefastos efeitos da Covid-19, ninguém “erra” quando se trata de fazer contas e alocar fundos para salários e regalias de membros da classe política.(Homero Lobo)   

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