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segunda-feira, 30 março 2020 03:36

Covid 19: cidadãos em Maputo dizem que não estão preparados para um “bloqueio completo”

Depois de ter sido recomendado, semana passada, pelo Conselho de Estado a decretar o Estado de Emergência no contexto da pandemia do novo coronavírus (Codiv-19), o Presidente da República (PR), Filipe Nyusi, poderá nos próximos dias fazer mesmo o uso desta prerrogativa que a lei mãe, a Constituição da República (CR), lhe reserva.

 

A ideia subjacente na recomendação daquele órgão político de consulta do Presidente da República é de evitar a propagação galopante da pandemia da Covid-19, conhecida pelo seu elevado grau de contágio entre os seres humanos. Daí entendeu o órgão que o PR deve urgentemente impor uma série de medidas que restrinjam o contacto social entre as pessoas.   

 

De acordo com a Constituição da República no seu artigo 290, precisamente no seu número 1, “o estado de sítio ou o estado de emergência só podem ser declarados, no todo ou em parte do território, nos casos de agressão efectiva ou eminente, de grave ameaça ou de perturbação da ordem constitucional ou de calamidade pública”. No número 2, do artigo retromencionado (290), “a declaração do estado do sítio ou de emergência é fundamentada e especifica as liberdades e garantias cujo exercício é suspenso ou limitado”.

 

Sobre a duração, a lei mãe determina: “o tempo de duração do estado de sítio ou de emergência não pode ultrapassar os trinta dias, sendo prorrogável por iguais períodos até três, se persistirem as razões que determinaram a sua declaração”.

 

Este domingo “Carta de Moçambique” saiu à rua para inteirar-se do nível de preparação dos citadinos da capital do país face ao cenário que se avizinha, no quadro das medidas restritivas que sucederão da declaração do Estado de Emergência. Os nossos entrevistados foram unânimes: “é oportuna a declaração do estado de emergência, mas não estamos preparados” para o bloqueio completo.

 

Aberto Mubai, pai de dois filhos, residente no bairro de Inhagoia “A”, foi o primeiro a falar ao nosso jornal. De trato fácil e mostrando boa disposição, Alberto Mubai mostrou logo na primeira abordagem disponibilidade para falar do assunto que considerou de muito sério e que os governantes deviam tomar com a seriedade que o assunto exige.

 

Mubai começou por considerar oportuna uma eventual decisão nesse sentido, fundamentando que as consequências noutros países fazem prova inequívoca da letalidade da doença. Neste quadro, Mubai disse fazer sentido que sejam impostas medidas que possam reforçar a prevenção e impedir a propagação da doença.

 

No entanto, o nosso entrevistado disse que as medidas restritivas a serem impostas pelo PR devem tomar em conta a realidade do país. Não deve, salientou Mubai, ignorar o facto de boa parte dos cidadãos moçambicanos estar no sector informal e depende, essencialmente, dos pequenos rendimentos desta actividade.

 

“Eu acho essa medida muito boa, atendendo o contexto global e o mais importante é que nós temos de acatar porque, na verdade, o coronavírus mata. Ao decretar o estado de emergência deve-se olhar muito para o nosso contexto. Nós não somos como outros que têm condições de poder subsidiar as várias camadas sociais. Boa parte dos moçambicanos vive do dia-a-dia. São pessoas que acordam e vão à Malanga, vão ao Zimpeto e para depois comprar alguma coisa para alimentar os seus. Deve ser uma medida muito bem estudada senão não será a covid-19 a matar, mas sim a fome”, disse Alberto Mubai.

 

Adiante, Mubai anotou que não estava materialmente e muito menos financeiramente preparado para enfrentar a nova realidade.

 

“Psicologicamente estou preparado. Mas estar psicologicamente preparado só não basta. É preciso que haja meios que garantam o dia-a-dia. Psicologicamente estou, mas materialmente, financeiramente não estou preparado”, referiu.

 

Num outro desenvolvimento, Alberto Mubai disse que o chefe de Estado deve dedicar particular atenção ao período de vigência das restrições que serão impostas aos cidadãos. Considerou o nosso entrevistado que o PR devia estabelecer períodos curtos de modo que não seja verdadeiramente penoso para o pacato cidadão.

 

“Penso que o presidente devia fragmentar a duração da medida. Estabelecer períodos curtos de modo que não seja muito penoso para os cidadãos”, anotou.

 

Jacinto de Castro é outro citadino da capital do país que abriu as portas da sua casa, no bairro 25 de Junho “A”, para falar ao nosso jornal. Casado e pai de menina, De Castro, bastante reservado, não escondeu a sua preocupação com a forma como a pandemia da Covid-19 tende a propagar-se no país.

 

As medidas restritivas, disse Jacinto de Castro, são necessárias e devem ser introduzidas o quanto antes. Entretanto, disse o nosso entrevistado, as medidas devem ser acima de tudo realistas, sendo que, para tal, devia tomar em consideração o real quadro do país.

 

De seguida, a fonte que temos vindo a citar disse não estar preparada para lidar com a situação, pois, trabalha no sector informal e depende daquela que é a sua produção diária. De Castro atirou que não estava, para já, preparado para suspender as actividades que desenvolve, precisamente porque temia pela sua família.

 

“Eu não estou preparado e acredito que há muitos na mesma situação que eu. Não estão preparados. Vou falar de mim. Eu faço biscates e quando não faço esses pequenos trabalhos não tenho o que comer. Vamos ficar em casa sim, mas não sei o que será de nós. O povo moçambicano vive no sector informal e precisamos desse dinheiro para sobreviver. É complicado, mas é importante para o nosso bem-estar. Nem todos têm uma despensa recheada, tem acesso à água no seu próprio quintal. É um cenário muito complicado. Não estamos preparados para ficar em casa durante um período que ainda não se sabe qual é! Estou a falar isso na primeira pessoa, mas há muitos na mesma situação”, disse Jacinto de Castro.

 

Dona Albertina Joaquim, casada e mãe de três filhos, recebeu-nos no seu estabelecimento comercial. A conversa foi breve muito também devido ao facto de que tinha de cumprir com exigências dos seus rigorosos clientes.

 

Apesar de alguma hesitação em falar aos nossos microfones, acabou mesmo atendendo aos nossos vigorosos pedidos. O instinto materno veio ao de cima, afirmando temer pelos seus filhos que deixara em casa e que dela directamente dependem. Dona Albertina Joaquim reside no bairro 25 de Junho “B”, arredores na cidade de Maputo.

 

A nossa entrevistada considerou, igualmente, que todas as medidas que evitem a propagação do coronavírus são bem-vindas. Tal como os outros entrevistados, disse que não estava ainda devidamente preparada para o cenário que se avizinha. No entanto, estava a adquirir alguns produtos alimentares de modo a garantir que os seus não passem fome.

 

“Preparada não estou. Mas já estou a tentar preparar-me embora ainda não consegui chegar aos 100 por cento. Já estamos a tentar. Vivemos a fome de 1982 e conseguimos ultrapassar. Os nossos pais conseguiram ultrapassar essa fase e nós vamos tentar aguentar e ultrapassar com muito sacrifício”, disse Albertina Joaquim.

 

Um outro comerciante que também não se coibiu de parar por uns minutinhos de atender a sua clientela foi Alberto Filipe. O seu estabelecimento comercial está na fronteira entre os bairros de Inhagoia “A” e 25 de Junho “A”.

 

Alberto Filipe é casado. Filipe disse que, apesar de estar organizado, estava preocupado com o facto de ter de vir a encerar o seu estabelecimento comercial. Se tal cenário vir a efectivar-se, anotou Alberto Filipe, vai somar incalculáveis prejuízos, cujas repercussões impactariam directamente no seu agregado familiar. A par das consequências à sua estabilidade e da sua família, Filipe disse ser oportuno que medidas restritivas sejam tomadas, de modo a evitar a propagação desta pandemia que teima em ceifar vidas a nível mundial.

 

“Organizado estou, mas preparado não estou por causa da minha forma de trabalhar. Fico um pouco amedrontado em fechar o meu estabelecimento e ficar em casa. Quando eu fico em casa eu fico prejudicado. Eu tenho aqui produtos que só nos dão um mês para vender. Se eu fecho o estabelecimento durante um mês vou somar prejuízos enormes”, disse Alberto Filipe.

 

Num outro desenvolvimento, Alberto Filipe avançou que havia já preparado uma logística capaz de cobrir 45 dias, que foi pensada a partir do momento em que o risco da doença entrar no território nacional se tornou real. “Eu fiz uma logística de 45 dias e só começaremos a usar quando chegar a hora do recolher obrigatório”, anotou. (I.B.)

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