Director: Marcelo Mosse

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Actualizado de Segunda a Sexta

quarta-feira, 25 março 2020 06:18

Análise: a glorificação popular do terrorismo em Cabo Delgado

Anteontem, o terrorismo regressou com todo o tamanho da sua sanguinária crueldade. Irrompeu sobre o Mocímboa da Praia, de madrugada, e de punhais afiados esventrou a alma do vilarejo, suas infraestruturas públicas e meios circulantes privados. Os bandidos pareciam ter um objectivo: mostrar que seu poder bélico suplanta o do Estado; que sua prontidão é maior. E assaltaram a esquadra, pondo nossos agentes policiais em debandada. Depois enfrentaram as FDS no quartel, num combate de horas. Há relatos escassos sobre o saldo desse combate. Houve roubo de armas e munições, baixas dos dois lados.

 

O terrorismo pretendia também saquear, assaltar a banca comercial lá implantada. Eles cortaram as ligações de fibra óptica com todo o país (sabem como isso se faz), originando um apagão: a partir das 4 da manhã de  segunda-feira, as sedes dos bancos em Maputo não conseguiam monitorar visualmente, em tempo real, o que estava a acontecer em cada balcão. O balanço fotográfico posterior mostra que foram feitas tentativas de rebentar com as caixas ATMs e e de acesso às casas-fortes dos bancos. Os cofres dos bancos BIM e ABSA não foram violados. 

 

Curiosa esta tentativa de roubar dinheiro. O testemunho de um terrorista capturado há 3 semanas em Mueda contava para membros das FDS que eles são pagos, por cada ataque, 50 mil Meticais/pessoa. Quem paga? Ninguém diz! E deu detalhes de logística, da forma como seus mantimentos são fornecidos, sugerindo que as populações têm de certa forma ajudado o terrorismo contra a sociedade e o Estado.

 

Foi a primeira vez que o terrorismo em Cabo de Delgado atacou uma sede distrital nestes 2 anos. Seu alvo permanente eram aldeias desguarnecidas e centros de produção agrícola ou pesqueira. Numa fase posterior, também escolheram como alvos estradas e transportes semi-colectivos. Agora foi uma vila e suas instalações policiais e militares, numa declaração de guerra sem paralelo. Atacaram o sector privado, queimando camiões, com resquícios do banditismo armado dos anos 80.

 

Neste ataque a Mocímboa da Praia quase que não houve decapitação de populares, como tem sido hábito. Há relatos de dois mortos e várias dezenas de feridos. Os terroristas em Mocímboa parecia que visavam somente alvos militares e económicos. Chegaram e mandaram todos os populares para a Mesquita ou para a praia, alegando que só queriam enfrentar as FDS. E foi isso que aconteceu. Uma reedição do ataque à Bilibiza, há poucas semanas atrás, onde também usaram o mesmo “modus operandis”: mandar os professores e populares saírem do lugar para que eles pudessem vandalizar infra-estruturas.

 

Mocímboa comprovou que novo modelo de confrontação do Estado não envolve a massificação da violência contra cidadãos indefesos. Os objectivos por detrás dessa mudança não são ainda claros. Mas os terroristas aproveitam-se certamente de uma coisa: da brutalidade da FDS no tratamento das gentes locais. E parece que estão a ser glorificados com isso: na saída de Mocímboa, depois dos confrontos com as FDS, os terroristas receberam cumprimentos de populares, numa cena surreal. Nas redes sociais, um membro das FDS desabafou: temos de incendiar toda Cabo Delgado para derrotar os terroristas. Há uma suspeita de que os terroristas têm apoio de gentes locais. Sempre foi assim. Alegações de que comerciantes com posses alimentavam sua logística nunca faltaram. Mas agora o apoio também é moral. Popular. Uma espécie de glorificação. O que se passa mesmo? (Marcelo Mosse)

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