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quarta-feira, 11 março 2020 05:50

OMR alerta possibilidade de ataques em Cabo Delgado tornarem-se em Guerra Civil

Os ataques militares, que se verificam em alguns distritos da província de Cabo Delgado, desde Outubro de 2017, continuam a merecer diversas análises, desde sociais, políticas até científicas, com vista a buscar razões e soluções do problema que já causou mais de 350 óbitos e afectou, aproximadamente, 160 mil pessoas.

 

A análise mais recente daquela catástrofe é do Observatório do Meio Rural (OMR), uma organização da sociedade civil que se dedica à realização de estudos e pesquisas sobre políticas e outras temáticas relativas ao desenvolvimento rural, que defende haver possibilidade de os ataques transformarem-se numa guerra civil.

 

“A persistência do conflito, a aparente capacidade de recrutamento de jovens locais descontentes e a hipótese de existência de uma base social de apoio aumentam o risco de transformação do conflito numa guerra civil, mesmo que localizada, mas cuja expansão territorial e social pode acontecer conforme as dinâmicas actuais e os elementos históricos de conflitualidades de longa duração. O risco de Estado falhado é hoje uma realidade que preocupa não só os moçambicanos, mas os Estados da região e do Mundo”, considera a fonte, na sua publicação, denominada Destaque Rural, tornada pública há dias.

 

Para aquela organização da sociedade civil, a situação que se observa naquela província do norte do país é “embaraçosa para o Governo, que tem feito esforço no sentido de ocultar a realidade no terreno, redobrando obstáculos a jornalistas e investigadores no acesso à informação”.

 

“Os números oficiais apresentados pelo Governo são claramente deflacionados em relação às informações veiculadas pelas populações locais, assim como de vídeos que circulam pelas redes sociais. Nega-se a existência de refugiados e populações em fuga que foram diversas vezes incentivadas a regressar aos locais de origem, onde foram novamente atacadas. Limitados no acesso a meios de intervenção no terreno, os funcionários e agentes de Estado revelam-se impotentes na gestão deste fenómeno, apresentando-se claramente desmoralizados”, observa a fonte.

 

A análise, de quatro páginas, elaborada pelo académico João Feijó, Investigador auxiliar e Coordenador do Conselho Técnico do OMR, defende que o cenário actual da província de Cabo Delgado caracteriza-se pelo aumento e alastramento da violência e insegurança; consolidação de uma economia de enclave; agravamento da situação social; pelo risco de um Estado falhado (um tema politicamente sensível); e de alguns desafios para a actual legislatura.

 

Segundo o OMR, apesar de algumas incursões efectuadas por empresas de segurança privadas sul-africanas, norte-americanas e russas, contratadas pelo Estado moçambicano para apoiar as Forças de Defesa e Segurança (FDS) no combate aos insurgentes, terem sido relatadas como bem-sucedidas, “a realidade é que se continua a assistir ao alastramento e intensificação dos ataques para Sul e para o interior”.

 

De acordo com a organização, as populações, no terreno, referem dificuldades logísticas por parte das FDS, desconhecimento do território e das línguas locais, tornando os operacionais vulneráveis à acção dos insurgentes. “Populações locais estão convencidas que os insurgentes gozam de uma base social de apoio, reinando a desconfiança entre indivíduos e no seio das próprias famílias”, sublinha a fonte.

 

Segundo a análise, o aumento da insegurança traduz-se na desaceleração do investimento na região. “Funcionários das empresas que actuam na área do gás têm instruções de deslocação por via aérea, consolidando-se uma economia extrovertida, com ligações directas ao exterior e economicamente isolada do meio envolvente”, revela.

 

O OMR destaca que o conflito militar que se verifica na província de Cabo Delgado já provocou a deslocação de dezenas de milhares de indivíduos, que se refugiam nos municípios mais próximos ou na cidade de Pemba, capital provincial.

 

“Sem que exista capacidade de providenciar alojamento a este surto migratório, as populações afectadas socorrem-se junto de familiares (sobrelotando unidades habitacionais) e improvisam-se abrigos, geralmente de forma informal”, diz a fonte, sublinhando: “o conflito teve um forte impacto sobre a disponibilização dos serviços públicos no Nordeste de Cabo Delgado, em particular nos distritos de Palma, Mocímboa da Praia, Muidumbe, Macomia e Quissanga”.

 

“A fuga da população e de funcionários públicos traduziu-se no encerramento de escolas e de unidades sanitárias, algumas destruídas pelos rebeldes. Milhares refugiam-se nas sedes distritais ou na cidade de Pemba, sobrelotando escolas e serviços de saúde. Vários estabelecimentos de ensino estão sobrelotados: as turmas são hoje compostas por mais de 100 estudantes, e recintos escolares passaram a constituir acantonamento provisório de centenas de deslocados. O abandono de zonas de produção em virtude da insegurança, assim como a destruição de colheitas pelas chuvas, faz antever uma crise humanitária em Cabo Delgado, estando a ACNUR a intervir no terreno”, acrescenta.

 

Para aquela organização da sociedade civil, as “históricas contradições sócio-económicas existentes no nordeste de Cabo Delgado (por vezes entendidas, de forma simplista, como um conflito entre muçulmanos e cristãos ou entre Mwanis e Makondes ou entre Renamo e Frelimo)” foram devidamente exploradas por movimentos religiosos radicais e violentos, oriundos da região e o Estado revela hoje “incapacidade de garantir a segurança dos seus funcionários e das populações, invalidando a administração do território”.

 

Por essa razão, a análise aponta alguns desafios a serem tomados em conta nesta legislatura, tais como o reforço do efectivo militar e de inteligência na zona para garantir a segurança das populações; a assistência humanitária da população, não só em bens alimentares, mas também em apoio médico (incluindo psicológico), vestuário, produtos de higiene ou materiais de construção; a fiscalização de transferências financeiras, assim como financiamentos de organizações religiosas e de processos de branqueamento de capitais, criando-se mecanismos que impeçam o financiamento de campanhas eleitorais por parte de grupos económicos associados a actividades ilícitas; e a promoção de uma política de informação pública mais esclarecedora e construtiva, capaz de reduzir os receios e ansiedades das populações e consequente difusão de rumores. (Carta)

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