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segunda-feira, 20 janeiro 2020 06:08

Pressão da Comissão Política da Frelimo dita composição de novo Governo de Nyusi

Há cerca de 15 dias, Carlos Agostinho do Rosário, o agora repetente Primeiro-Ministro no segundo governo do Presidente Filipe Nyusi, já tinha feito as malas e deixado a casa protocolar. Ele não era a primeira escolha de Nyusi para o cargo. Esta indicação ganhou peso quando Nyusi exonerou-o antes do tempo e Rosário foi tomar posse como deputado na Assembleia da República, no passado dia 13.

 

Em princípios de Janeiro, Nyusi passara alguns dias na sua estância turística perto da praia das Chocas, em Mussoril, no interior costeiro de Nampula. É provável que ali, ele se tenha dado ao trabalho da formação solitária da sua equipa de governação para o segundo ciclo, esperando que, quando regressasse a Maputo e apresentasse suas propostas à Comissão Política, elas seriam chanceladas sem qualquer “pressão”. Afinal, os resultados eleitorais mostraram que ele era mais popular que a Frelimo.

 

Mas isso não aconteceu. Duas correntes na Comissão Política (a de Joaquim Chissano e a de Armando Guebuza) já haviam conjecturado: o segundo governo de Nyusi tinha de ser representativo da correlação de forças internas e não o resultado da escolha de uma única pessoa. No sábado (11) anterior à tomada de posse dos deputados, Nyusi acusou o toque da pressão. Numa reunião com os novos deputados da Frelimo, ele, apresentando a economista Esperança Bias, uma guebuzista, como a proposta da Frelimo para Presidente da AR, deixou claro que Bias não era a sua escolha: “esta é a vossa escolha, a escolha da direcção do Partido”.

 

Nyusi havia claramente cedido a pressões internas. E partiu para a tomada de posse na quarta-feira, dia 15, com a esperança de que aquela cedência tinha sido suficiente. Decidiu mostrar um braço-de-ferro contra quem lhe estava a pressionar. Depois da posse na Praça da Independência, veio o banquete de Estado na Ponta Vermelha. Perante a nata da Frelimo e dignitários estrangeiros, ele endureceu o tom. Ao invés de “o governo da Frelimo”, ele repetiu “o meu governo”, na referência ao futuro executivo.

 

E frisou que era alguém “imune a pressões”, que não aceitaria qualquer pressão senão “a pressão do interesse nacional”. Era claramente um recado para dentro do Partido; como quem dissesse: a Frelimo não é extensível à Presidência da República. No dia seguinte, Nyusi ainda se deu aos prazeres do golfe, tendo mais tarde recebido diplomatas que vieram a Maputo para a sua investidura.

 

Ala dura toma o poder

 

A derradeira reunião da Comissão Política com o Presidente (para a chancela do governo) teria lugar na sexta-feira, dia 17. Há indicações de que a discussão acabou sendo acérrima. No final da tarde, a composição de uma parte do Governo começou a ser conhecida. A súmula era clara: a ala dura da Frelimo tinha quase que tomado o poder no executivo. Nyusi não tinha conseguido formar o “seu governo”.

 

Algumas das suas escolhas centrais foram substituídas por Guebuzistas (Verônica Macamo, Ministra dos Negócios Estrangeiros; Margarida Talapa, Ministra do Trabalho e da Segurança Social) e um homem de mão de Joaquim Chissano (justamente o Primeiro-Ministro, Carlos Agostinho do Rosário, que estava de malas aviadas). Também Mariano Matsinha, o antigo Ministro da Segurança de Samora Machel (e muito chegado a Armando Guebuza), viu um homem da sua confiança ganhar lugar de peso no novo governo: Amade Miquidade, o novo Ministro do Interior.

 

O cargo encerra hoje tamanha relevância, por causa dos desafios de segurança que o país enfrenta no centro (com ataques armados da auto-intitulada Junta Militar da Renamo), e no norte (com a interminável insurgência) mais a delicada integração de elementos da Renamo na Polícia. Miquidade é um velho “bufo” dos tempos do Estado monopartidário. Ele dirigiu o antigo SNASP (Serviço Nacional de Segurança Pública), celebrizado por suas atrocidades. A razão da sua escolha parece uma incógnita, mas tudo indica que o Estado se tornará mais infiltrado por homens da securitária. O negócio da segurança em tempos de guerra pode também estar na mira: recentemente foi revelada uma parceria entre o filho de Mariano Matsinha, Tchenguela, com o antigo marine americano, Erick Prince, que oferece serviços de mercenários um pouco por todo o lado.

 

A entrada de Verônica Macamo e Margarida Talapa (que vêm da política pura) só pode corresponder aos interesses de Armando Guebuza, metendo, através delas, sua colherada nas discussões no Conselho de Ministros, espaço que pode vir a ser um campo de batalha frenético entre o Nyusismo e o Guebuzismo.

 

Nyusi conseguiu manter os principais ministérios económicos, com “o tripé de quatro pernas”, designadamente o super-ministro Celso Correia (Agricultura e Desenvolvimento Rural), Max Tonela (Recursos Minerais e Energia), João Machatine (Obras Públicas e Habitação) e Carlos Mesquita (Indústria e Comércio, o MIC). Sua manutenção no Governo já era previsível. Os quatro foram os mais destacados governantes do anterior mandato, as estrelas que deram conteúdo concreto à governação de Nyusi.

 

A transferência de Mesquita dos Transportes e Comunicações (MTC) para o MIC é um acto de correcção. No MTC, Mesquita estava limitado a potenciais conflitos de interesses. Ele é jogador empresarial do sector...e, sendo ministro no MTC, também era árbitro. Agora no MIC, Mesquita terá mais espaço mostrar suas valências.

 

E uma juventude com pontos de interrogação

 

No seu discurso no banquete na Ponta Vermelha, Nyusi fez questão de frisar que seu Governo iria ser composto de 60% de caras novas, mais juventude em média de idade e mais mulheres. Com o Governo ainda incompleto, estes indicadores ainda não estão provados. O Presidente viajou para Londres, deixando vacaturas na Administração Estatal (MAE), Juventude e Desportos, Género, Criança e Acção Social e Combatentes. O vazio no MAE causou espanto.

 

Um dos grandes desafios da actual legislatura é justamente a descentralização (da alçada do MAE), com os novos arranjos institucionais na relação entre novos órgãos descentralizados. Eventualmente, um titular para essa área deveria ser a primeira escolha, justamente para orientar a postura dos órgãos de poder local. Não se sabe se o nome proposto por Nyusi foi simplesmente chumbado ou ele apenas deixou o governo incompleto para partilhar essa responsabilidade com a Comissão Política da Frelimo, por sua interferência.

 

A escolha de algumas caras novas, mormente a tal juventude, tem sido criticada. A ideia é que há jovens competentes e com experiência de trabalho em determinados sectores, mas Nyusi foi buscar “outsiders” sem bagagem.

 

Entre os novos ministros perfilam-se dois jovens: Edelvina (Kika) Materula (Cultura e Turismo) e Janfar Abdula (Transportes e Comunicações). Kika Materula tem um vasto currículo como instrumentista de música clássica e é Directora Artística do Projecto Xiquitsi/Temporada de Música Clássica. Também é organizadora de eventos.

 

Observadores apontam que estas qualidades não lhe conferem competências para dirigir o pelouro, tanto mais que não tem qualquer conhecimento sobre turismo, o que levanta questões sobre sua capacidade de resolver os problemas do sector.

 

Também tem sido criticada a escolha de Janfar Abdula, que parece decorrer de sua origem (ele é de Cabo Delgado, como Nyusi, e encontrava-se a trabalhar na delegação do Banco de Moçambique, em Pemba, onde era economista). Formou-se recentemente na UEM nessa área. E não tem qualquer experiência num sector com enormes desafios para o país.

 

Para o leitor ter uma noção, eis apenas alguns desses, de acordo com especialistas: regulação e normalização do transporte rodoviário (em coordenação com os municípios); solução do problema financeiro/comercial da LAM, ADM, TMCEL, Transmarítima (em coordenação com o IGEPE); migração da carga em granel da rodovia para a ferrovia (linha de Ressano Garcia); criação de um quadro de regulação no sector portuário; reformulação do papel do INATTER (e solução dos problemas crónicos de corrupção nas escolas de condução e na emissão de cartas); estímulo da actividade de cabotagem marítima e clarificação do papel dos CFM no âmbito do sistema ferro-portuário (accionista/concessionário ou operador).

 

Terá Janfar capacidade para liderar ou coordenar estas reformas? A ver vamos. (Marcelo Mosse)

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