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segunda-feira, 04 novembro 2019 05:54

A Rússia “interferiu” nas recentes eleições em Moçambique? (I)

Na recente cimeira Rússia-África, na cidade balnear de Sochi, Vladimir Putin virou-se para o Presidente Nyusi, na sua ronda de saudações aos chefes de Estado presentes e, em breves palavras, disse: Gostaria de felicitá-lo pela vitória eleitoral e pelo sucesso no combate ao terrorismo (numa referência aos “sucessos” das primeiras incursões de mercenários russos, do grupo Wagner, nas matas de Cabo Delgado, onde terão já morto dezenas de insurgentes). Sentado do lado oposto, Nyusi exibiu feições de satisfação, um breve sorriso de anuência.

 

A felicitação de Putin era um balão de oxigénio para Nyusi no meio de um ambiente de suspeição relativamente à integridade das eleições de 15 de Outubro. Mas Putin estava apenas a dar eco ao diagnóstico que o seu Ministério dos Negócios Estrangeiros fizera dias antes do fim do processo: o gabinete de Lavrov foi dos primeiros a considerar que as eleições de 15 de Outubro tinham sido justas e livres.

 

 

Mas há quem suspeita que a Russia tenha também participado da “fraude” que empolou demasiado a vitoria da Frelimo e de Nyusi. “Carta” está a tentar estabelecer se essa participação russa ocorreu e em que extensão? Uma fonte da denúncia esteve ligada à Afric, uma associação financiada por Moscovo e que recebeu credenciais de observação eleitoral junto da Comissão Nacional de Eleições (CNE).

 

A posição de Moscovo sobre o processo eleitoral em Moçambique foi inusitada. Nunca no passado, a Rússia tinha feito declarações imediatas de legitimação de eleições neste país. Aliás, sua participação em missões de observação foi sempre limitada. Observadores tradicionais têm sido a União Europeia, os Estados Unidos da América, a União Africana e a SADC para além de organizações não-governamentais de várias matizes, incluindo nacionais.

 

Mas este ano, a Rússia decidiu entrar em peso. Em peso, que tal presença, ironicamente, passou despercebida junto dos observadores internacionais e da generalidade da opinião pública nacional e estrangeira. Associação para Pesquisa Livre e Cooperação Internacional (AFRIC, na sigla em Inglês). Fixem este nome. A Afric teve 60 “observadores” espalhados por todo Moçambique aquando da campanha eleitoral e no dia da votação. Não é certo o que eles faziam no terreno, mas estranha-se como terão passados despercebidos.

 

A Afric é uma organização associada a  Yevgeny Prigozhin, um oligarca russo acusado pelo Governo americano de ter interferido nas eleições presidenciais americanas de 2016. Prigozhin, de acordo com a grande imprensa internacional, está ligado ao grupo Wagner, que recentemente enviou para Cabo Delgado mercenários que combatem a insurgência lado a lado com as forças de defesa e segurança de Moçambique.

 

Na semana passada, contas de Facebook ligadas a um alegado império de desinformação russa em 8 países africanos, incluindo Moçambique, foram desmanteladas. De acordo com o “Guardian” londrino, Prigozhim estava ligado a essas contas, cujo objectivo era alegadamente fazer propaganda pró-russa em África.

 

Uma breve pesquisa online sobre a Afric mostra que em países como a África do Sul e o Zimbábwe, ela foi suspeita de interferir nas recentes eleições locais, sempre a favor dos regimes no poder, o ANC na RAS e a Zanu-PF no Zimbabwe. Em Maio deste ano, o jornal digital de Cape Town, o Daily Maverick, revelou documentos mostrando que a Afric estava preparando uma “manipulação” das eleições locais, a favor do ANC e desacreditando a Aliança Democrática, considerada pró-ocidental. Não está claro se o plano foi executado e como foi executado.

 

O plano de interferir na eleição da África do Sul foi alegadamente coordenado por um  “político tecnológico” russo, Peter Bychkov, que trabalha para Prigozhin, segundo os documentos. A campanha de desinformação foi planeada pela Afric, sob o pretexto de pesquisa. Daily Maverick escreveu que, em fevereiro, segundo os documentos, Bychkov enviou uma pequena equipe de analistas políticos de São Petersburgo para a África do Sul, que estiveram baseados na Afric e noutro grupo de pesquisa, o International Anticrisis Center (IAC). 

 

Uma semana antes da votação de 15 de Outubro em Moçambique, uma fonte que não quis ser identificada, que trabalhou na Afric, contactou “Carta” para fazer uma denúncia: A Afric estava interferindo processo eleitoral em curso.

 

(Evaristo Chilingue e Marcelo Mosse)

 

Leia Amanhã: A AFRIC nas eleições de 15 de Outubro em Moçambique.

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