O país comemora amanhã (sexta-feira) mais um aniversário da assinatura do Acordo de Geral de Paz (AGP). Foi a 04 de Outubro de 1992, na cidade de Roma, Itália, que Joaquim Chissano, então Presidente da República, e Afonso Dhlakama, Presidente da Renamo, já falecido, rubricaram o Acordo Geral de Paz com vista a pôr fim à confrontação armada entre o exército governamental e aquele movimento rebelde, que durou dezasseis anos.
Amanhã, o AGP, rubricado depois de dois anos de conversações, completa os precisos 27 anos. De 1992 a 2019, o país viveu momentos de instabilidade, com os actores da fratricida guerra civil a serem, novamente, os protagonistas. Primeiro, no final do segundo e último mandato de Armando Guebuza e, de seguida, no início do mandato de Filipe Nyusi, ora na sua recta final.
O clima de confrontação armada durante o consulado de Armando Guebuza cessou com a assinatura do Acordo de Cessação das Hostilidades Militares a 05 de Setembro de 2014, tendo o país realizado, seguidamente, as V Eleições Gerais, ganhas por Filipe Nyusi. Nos primeiros anos da administração de Filipe Nyusi, a instabilidade política e militar, como consequência da não-aceitação dos resultados eleitorais, voltou a ser a tónica dominante e só veio a cessar, sob ponto de vista formal, com a assinatura do Acordo de Paz e Reconciliação de Maputo a 06 de Agosto do ano prestes a findar.
O Acordo de Paz e Reconciliação de Maputo foi rubricado por Filipe Nyusi e Ossufo Momade, Presidente da Renamo, no seguimento de um processo negocial iniciado pelo falecido líder da Renamo, Afonso Dhlakama.
Salientar que depois da assinatura do Acordo de Paz e Reconciliação de Maputo tem-se assistido a ataques com recurso a armas de fogo a alvos civis na província de Manica, concretamente na região de Zimpinga, protagonizados por indivíduos, até ao momento, não identificados pelas autoridades policiais.
Os ataques têm tido lugar depois de a auto-proclamada junta Militar da Renano, grupo que contesta a liderança de Ossufo Momade e que se diz a verdadeira e genuína Renamo, liderado por Mariano Nyongo, ter prometido inviabilizar as Eleições deste ano caso não sejam consideradas as suas reivindicações.
Nas vésperas da celebração da efeméride, “Carta” colheu, na tarde desta quarta-feira, a sensibilidade de dois cientistas sociais, nomeadamente, os Professores Doutores Lourenço do Rosário e José Jaime Macuane. Ambos foram unânimes em afirmar que pelo “simbolismo”, mas sem ignorar o contexto actual, deve-se “sim” continuar a celebrar o 4 de Outubro de 1992.
Entretanto, foram, igualmente, unânimes em afirmar que os moçambicanos ainda estão longe de usufruir da tão almejada paz efectiva.
“O acordo de 6 de Agosto está pendurado”, Lourenço do Rosário
Lourenço do Rosário atirou que o país comemora mais um aniversário da assinatura do AGP, uma vez mais, distante do alcance da paz e reconciliação nacional. As reivindicações da auto-proclamada Junta Militar da Renamo (recusa na entrega das armas) e o facto de o partido (Renamo) tomá-los como sendo “filhos da casa” constituem, na óptica Do Rosário, os principais factores que minam o acordo rubricado em Agosto último e, consequentemente, a tão almejada paz efectiva.
“Essa era a nossa expectativa. Mas, os dados no terreno mostram que pairam muitas dúvidas, sobretudo, porque a Renamo quer se manter no jogo político e ao mesmo tempo mantém os homens armados. Esta questão não está resolvida porque ao mesmo tempo que está o general Ossufo Momade a fazer campanha está o Mariano Nyongo que não entrega as armas e a Renamo a considerar que eles são da Renamo. Reconhecendo que eles são seus irmãos, então mantemos o acordo de 06 de Agosto pendurado”, disse Do Rosário.
Outro elemento, não menos importante, vincado por Do Rosário, tem que ver com os resultados que sairão das Eleições de 15 de Outubro corrente. Neste caso, anotou que se a Renamo não ficar satisfeita com os resultados eleitorais e, uma vez mais, evocar a fraude, estarão criadas todas as condições para o país voltar a assistir a um conflito pós-eleitoral.
“Se a Renamo não ficar satisfeita com os resultados eleitorais e evocar, mais uma vez, a fraude temos as condições para o conflito eleitoral”, atirou.
“Estamos longe de ter a paz que nós almejamos”, Jaime Macuane
Tal como Do Rosário, José Macuane anotou que o país ainda está longe de usufruir a tão almejada paz perene. Para os moçambicanos, anotou o académico, o presente 04 de Outubro sabe a agridoce, por ter por mais de vinte anos vivido num clima de paz e, posteriormente, experimentado momentos de instabilidade política e militar.
Sobre as razões que têm sucessivamente minado a paz no país, isto tendo em conta os sucessivos acordos, José Macuane pronunciou-se nos seguintes termos: “Eu penso que é a má governação e, no seu interior, podemos encontrar a existência de lideranças políticas medíocres. Medíocres no sentido de que o interesse nacional deixou de ser as suas prioridades e os interesses do grupo se impuseram sobre o interesse nacional. A título de exemplo, a falta de compromisso com as instituições do Estado, a falta de compromisso de construção de uma Nação onde são respeitados os direitos fundamentais e democracia. É exemplo de que temos liderança sem qualidade e que não está à altura dos desafios que o país enfrenta”. (Carta)