Samora Machel foi uma figura incontornável, como já referiu, das lutas de libertação. Ao longo dos anos foram criadas as Fundações Amílcar Cabral, Agostinho Neto, Joaquim Chissano... Por que é que não existe uma Fundação Samora Machel?
SMJ – (Risos)…Nós como família já quisemos criar a Fundação Samora Machel mas a nossa disciplina partidária levou-nos a ponderar e a dar também opção ao partido. Porque Samora Machel não pertence só a família Machel. Samora Machel pertence ao povo moçambicano e o partido dele é a Frelimo. Nalgum momento, o partido também tinha manifestado interesse em criar uma fundação Samora Machel.
E porquê ainda não o fez?
SMJ – Isso só o partido pode dizer. Eu não sei. Então, nós como família criamos o Centro de Documentação Samora Machel e depois, em conjunto com o governo, criou-se o Centro de Desenvolvimento Samora Machel, que está sediado em Chilembene, sua terra natal. O processo para a criação de uma Fundação está, não diria em discussão, em movimento lento. Quando esta Fundação for criada, queremos que seja com alicerces próprios, mas é um processo que vai acontecer.
Mas o facto de ainda não existir esta Fundação não pode colocar em risco todo o legado que Samora Machel deixou, em Moçambique e toda região austral de África?
SMJ – Não, não de todo, porque o Centro de Documentação Samora Machel responde, ainda que não tenha as mesmas funções que uma Fundação, responde de certa maneira a essa preocupação.
Falou há pouco da morte do seu pai. Passaram já 32 anos.
Como é que explica o facto de, após mais de três décadas e vários inquéritos, a causa do acidente continue a ser uma questão fraturante?
SMJ - Este é um processo que está nas mão do governo. Nós como família…
Refere-se a que governo, moçambicano ou sul-africano?
SMJ – Governo moçambicano. Samora Machel era Chefe do Estado e este é o Estado moçambicano, portanto o governo moçambicano é que tem que responder por isso. É responsabilidade do governo moçambicano trazer-nos a resposta. Nós como família sempre afirmamos que continuamos a espera e nós queremos saber.
Nunca foram oficialmente contactados, tanto pela África do Sul como por Moçambique?
SMJ – Bem há duas coisas, o governo sul-africano não pode contactar a família Machel.
Ao longo destas três décadas nunca foram notificados?
SMJ – Já fomos notificados no princípio, nos primeiros anos. E depois é como se fosse um avião... o avião quando levanta voo ouve-se muito os motores, mas quando já está em voo cruzeiro não se ouve quase nada nada. É o que esta acontecer hoje, nos últimos, talvez 10, 15 anos ou um pouco mais. Em nenhum momento, o governo moçambicano nos notificou, em nenhum momento nós ouvimos algum desenvolvimento sobre este inquérito.
A família considera ser da responsabilidade do governo moçambicano esclarecer o que aconteceu a 19 de Outubro de 1986?
SMJ – É sim. É de um Chefe do Estado que estamos a falar.
Moçambique deveria também ao longo destes anos ter avançado com um inquérito a este acidente e não só a África do Sul?
SMJ – Sim.
E porquê Moçambique não fez? Não há vontade por parte do Estado moçambicano em mexer nesta ferida?
SMJ – O Estado moçambicano é que tem que responder. Não só à família Machel, mas ao povo. Com Samora Machel pereceram mais outros 35 colaboradores e essas famílias também precisam de uma resposta.
E vocês querem essa resposta por parte de Moçambique?
SMJ – Sim.
Porquê a família insiste que foi um atentado? Com que evidências?
SMJ – Há muitos factos que levam a chegarmos a esta conclusão. Antecedente, antes do acidente e acontecimentos pós acidente.
Quer adiantar alguns destes factos que conhece e que provavelmente nós não conhecemos?
SMJ – Não. Não vou adiantar
Mas não vai adiantar porquê, não pode?
SMJ – Não quero.
A família fala em atentado...deu conta de haver facto que não vai aqui revelar...a morte de Samora parte donde, de quem?
SMJ – Pode partir de todo sítio, do governo sul-africano, envolvimento de elementos do lado de Moçambique, e porque não dos outros países. Samora Machel lutava, lutou, morreu lutando pela libertação dos povos. Samora Machel lutou pela pacificação da região. Não nos podemos esquecer que estávamos no meio da guerra fria. Havia interesses de ambos os lados. África Austral era uma região de muito contencioso, então pode imaginar as forças que estariam envolvidas neste confronto naquela região.
Portanto, é um atentado que a família não atribui exclusivamente ao regime do Apartheid?
SMJ – Não.
Em que há um envolvimento também por parte de Moçambique?
SMJ – Tem que haver.
De figuras próximas de Samora Machel?
SMJ – Há um ditado que diz: “para o feiticeiro entrar na tua casa, é preciso que alguém abra a porta. Ele não pode só entrar assim”.
Acreditam que podem estar envolvidas figuras de alguma forma próximas de Samora Machel?
SMJ – Se houver... se houver. Nós saberemos...
E a verdade algum dia será esclarecida?
SMJ – (Risos)…Esta verdade tem que ser esclarecida, não podemos deixar assim ao de leve. Tem que ser esclarecida e há-de ser esclarecida.
Mas passaram já mais de três décadas...
SMJ – É verdade, passaram mais de três décadas, mas é um processo que nalgum momento tem que ser resolvido.
Mas dava conta, precisamente a pouco, do facto de não sentir essa vontade por parte do Estado moçambicano em esclarecer este caso?
SMJ – Como disse, até hoje, ou melhor, nos últimos 10 ou 15 anos não tivemos nenhuma informação por parte do nosso governo em relação ao processo. Em momentos de celebração da vida Samora Machel, nós como família já fizemos “barulho”, em torno deste assunto e continuamos sem resposta.
É um momento para ser reaberto um novo inquérito ao acidente?
SMJ – Já devia ter sido reaberto, há muito tempo.
O que é que a família pode fazer tendo conhecimento de factos sobre o que ocorreu em Mbuzine?
SMJ – Nós é que temos continuar a procurar mais informação. Porque até hoje não estamos confortados. Num processo em que tu perdes um ente querido, há um início e há um desfecho. Nós ainda não tivemos desfecho.
Esta é uma ferida por cicatrizar?
SMJ – Muito profunda.
E que não cicatriza?
SMJ – Vai crescendo a cada ano que passa.
(...)
Ao avançar como independente nas recentes autárquicas, tornou-se numa ameaça à coesão da Frelimo?
SMJ – Em nenhum momento eu quis ameaçar a coesão da Frelimo.
A Frelimo é nesta altura um partido fragmentado?
SMJ - Eu acho que o partido tem os seus problemas, e são problemas que tem que ser resolvidos internamente. Esses problemas não é Samora Machel Jr sozinho que vai resolver. Têm de ser todos os militantes, temos que encará-los e resolvê-los.
Mas sente que há uma necessidade de renovação da Frelimo?
SMJ – O país tem como idade média 18 anos, ou um pouco menos, consequentemente os jovens tem que ter maior participação. Eu representava de certa forma os jovens.
Embora já não seja assim tão jovem!
SMJ- A idade jovem parece que já foi alterada, agora está um pouco mais acima da minha idade. Então ainda continuo jovem…risos.
Aos 48 anos de idade?
SMJ – Risos…Mas as pessoas que votam no país, 60% a 65% são jovens.
E ainda elevadas percentagens de abstenção também?
SMJ – Que já reduziram. Nestas últimas eleições, a percentagem de abstenção reduziu consideravelmente. Eu acredito que isto demonstra um crescimento do interesse da sociedade pelo político, pela manutenção da democracia, da transparência.
Se bem, estas também foram umas eleições peculiares, com o regresso da oposição, neste caso, a Renamo, as autárquicas.
SMJ - Sim, eu acho que a Renamo percebeu como força política que não podia continuar a caminhar ao lado deste processo. Se ela quer fazer parte da história do país, tem que participar em processos autárquicos. Era lógico que eles tinham entrar para concorrer.
Mas voltando a questão interna da Frelimo e da necessidade renovação, de alguma forma Samora Machel Jr poderá liderar esta ala dentro do partido?
SMJ – Não tenho que liderar. Tenho que fazer parte de um processo de renovação. Tenho que fazer parte de um processo, de o partido se reencontrar com as suas bases. O partido se reencontrar com o seu eleitorado. Neste momento, o partido está muito afastado das suas bases e do seu eleitorado. É preciso haver este reencontro, é preciso haver reaproximação, haver humildade. Quando se trata na resolução de problemas, é preciso que mostremos que temos ainda vontade de resolver os problemas do povo. Após a independência, foi por este objetivo que lutamos. O partido Frelimo é um partido de operário e camponeses e hoje não estamos a mostrar ser isso.
Esta renovação pode acontecer?
SMJ – Ninguém disse que era impossível, é preciso que nos entranhemos, indo buscar os valores. Precisamos de entrar numa nova forma, indo buscar os valores que a Frelimo trouxe.
Deu em conta dos apoios de base e da cúpula do partido na sua candidatura interna mas quando tomou a decisão de avançar como independente teve estes apoios, contou com estes apoios?
Contei sim. Tive estes apoios, se eu tivesse concorrido tinha ganho.
Porque a CNE e também o CC travaram esta candidatura?
SMJ – Esta cheio de artimanhas. Quem travou ou quem mandou travar, sabe porque travaram.
Há uma ligação direta com a Frelimo?
SMJ – Talvez haja.
(...)
Acha que é olhado pela Frelimo como um dissidente?
SMJ – Gostaria de saber se olham assim para me, porque isto eu não sei.
Dentro do Comité Central é considerado como um igual, depois dessa decisão que tomou para as autárquicas de Outubro?
SMJ – Como disse não sei. Vários membros do Comité Central são meus colegas, são meus amigos. Essa relação não mudou, talvez haja um e outro camarada que já não olhe para me da mesma maneira. Seria natural. Eu não havia de ficar admirado. Mas acho que tudo ficará calmo quando o Comité Central se reunir.
Na única conferência de imprensa que deu após ter sido afastado, declarou que nesse momento havia uma porta que se fechava e outra que se abria. Pode explica-se?
SMJ – Eu tencionei concorrer, impediram-me de concorrer. O processo eleitoral autárquico já acabou, portanto que era o propósito da minha candidatura, este processo já acabou, esta fechado. É a porta que se fechou, a minha vida agora tem que tocar para frente, eu tenho que olhar para as várias vertentes. Eu faço a minha vida na área empresarial, tenho que continuar a aplicar-me nesta área e pensar em outros projetos. Portanto é uma porta que se abre lá para frente.
Vai permanecer na política?
SMJ – Continuo na política.
A sua intenção é de fazer uma carreira política?
SMJ – Mas já estou a fazer carreira política, a carreira política não começou ontem, não começou quando eu tencionei candidatar-me à cabeça-de-lista para autarquia de Maputo. Já antes estava na carreira política. Como eu disse, estou no partido já há bastante tempo. Sou membro do partido desde 1987.
Mas sempre esteve na Frelimo de uma forma muito reservada e discreta.
SMJ – Eu acho que nem todos os membros do partido tem que estar a fazer barulho. Nem todos os membros do partido têm que ser membros da Comissão Política, têm que ser primeiros secretários, distritais. Não é por aí. Tanto mais que um exército não pode ter só generais. Tem que ter oficiais subalternos. Se o exército não tem sargento e não tem soldados rasos, não funciona.
Mas este ano, pela primeira vez, surgiu como candidato a um processo eleitoral.
SMJ – Surgi, mas dentro da minha vida política. Sempre dentro dos princípios que eu pratiquei e venho praticando estes anos todos.
E, portanto, não nos quer explicar, nós, aos ouvintes, aos moçambicanos, o que é que quis dizer com “havia outra porta que se abria”?
SMJ – Eu expliquei que a porta que se abre tem várias avenidas pela frente. Não tem só um corredor. São várias avenidas. Eu tenho o direito e a opção de escolher as avenidas. Mas como disse, a minha vida no partido vai continuar. A minha vida como ator na área empresarial vai continuar, e hão de haver outros projetos que eu irei abraçar. (Carta)