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sexta-feira, 19 julho 2019 05:58

Bispo de Pemba escreve sobre a insurgência em Cabo Delgado

“Enquanto o povo estiver instrumentalizado por poderes ocultos, não haverá paz, reconciliação, muito menos esperança”. Quando faltam 47 dias para a visita do Sumo Pontífice à Moçambique, a Igreja Católica, a partir da sua Diocese de Pemba, na província de Cabo Delgado, abre as portas do seu templo para proferir uma homilia acerca do terror que se vive nos distritos da zona norte daquela província, desde Outubro de 2017.

 

 

Numa “Carta Aberta ao Povo de Cabo Delgado”, datada de 18 de Julho (ontem) e escrita no quadro da visita do Papa Francisco ao país, entre os dias 4 e 6 de Setembro, o Bispo da Diocese de Pemba, Dom Luiz Fernando Lisboa questiona a eficácia das políticas adoptadas pelo Governo para combater o grupo que aterroriza aquela província, assim como as razões do tamanho secretismo em relação ao assunto.

 

Apelidando a situação que se vive naquela província de “Ciclone Ataques”, em comparação com o Ciclone Tropical Kenneth, que fustigou a zona em Abril último, Lisboa defende que, depois de muito silêncio, as pessoas, as comunidades, os jornalistas sentem-se ameaçados e coagidos a silenciar o que veem e escutam.

 

“A imprensa fala do encontro de autoridades com jornalistas, como um encontro de intimidação e ameaça. Fala-se de agentes que estão infiltrados entre a população para não deixar passar nenhuma informação”, revela o Sacerdote, questionando de seguida: “o que pretendem as autoridades civis e militares, criando este clima de secretismo e silêncio? Qual é o segredo que não querem revelar nem que seja revelado? Porque não se deixam ajudar nas investigações por jornalistas corajosos, sérios e responsáveis?”

 

Aliás, recorrendo ao exemplo de solidariedade verificado, após a passagem do Ciclone Kenneth, o Sacerdote brasileiro de 64 anos de idade, nascido no Rio de Janeiro, afirma que aquele gesto deixou ainda mais visível o silêncio e abandono no qual se encontram as vítimas do outro ciclone, naquela província.

 

Na sua missiva de três páginas, a que “Carta” teve acesso, o Bispo da Diocese de Pemba justifica que, com ela, pretende voltar os olhos para as vítimas desta situação e, em nome delas, falar a todos responsáveis (Governo, instituições civis, humanitárias, religiosas, policiais e económicas), de modo a enfrentar o “Ciclone Ataques” e ajudar a pôr um ponto final nele, “como os outros ciclones originados por causas naturais têm o seu ponto final”.

 

“Quero lançar um apelo a todas pessoas de boa vontade de Cabo Delgado para não se resignarem à violência e não nos cansarmos de procurar a justiça e paz, pois, isso seria como entregar os nossos irmãos do norte nas mãos dos malfeitores”, escreve o Bispo.

 

Comparando a insurgência com um fantasma, que diz ser um pedaço de lençol que esconde algo, Dom Luiz Fernando Lisboa afirma ser necessário tirar “do fio esse lençol para desmascarar quem se esconde atrás e saber contra quem lutamos, ou melhor, quem nos está a aniquilar para saber como nos defender e acabar com o mal que nos oprime” e levanta algumas questões que diz estarem a correr na comunicação social, mas que parece que ninguém dá a devida importância.

 

“Há alguma ligação com o tráfico de órgãos? Faz parte do branqueamento de capitais? Os ataques estão ligados com o comércio de pedras preciosas? A nossa província está sendo um corredor de traficantes de bens diversos? Não será que a questão das dívidas ocultas está também por cá? Os ataques estão ligados à pobreza extrema da região norte da província? Não será que há um problema de concessão exacerbada de terras para prospecção mineira?”, pergunta o Sacerdote, que dirige aquela Diocese, desde 2013.

 

No documento, o Bispo sublinha o facto de a província de Cabo Delgado estar militarizada, porém, destaca que poucas vezes as brigadas das Forças Armadas puderam evitar ataques, pois, quando eles acontecem, elas não estão e, várias vezes, chegam tarde ao local. Assinala ainda o facto de os atacantes levarem fardamento militar, para além de alguns detidos ou assassinados serem identificados como ex-militares ou ex-polícias, o que lhe leva, mais uma vez, a perguntar: “estão realmente preparados? Conhecem as matas de Cabo Delgado? São em número suficiente?”.

 

Na “Carta Aberta ao Povo de Cabo Delgado”, a fonte faz uma retrospectiva do fenómeno, com maior enfoque para algumas detenções que, na altura, as autoridades diziam tratar-se de “cabecilhas” ou “financiadores” dos ataques, mas que, apesar desse facto, nunca pararam. Dá o exemplo, do sul-africano Andrew Hannekon que era tido como financiador dos ataques, mas que, mesmo após a sua morte, estes nunca cessaram. Cita também os recentes discursos do Comandante Geral da Polícia, Bernardino Rafael, que apontou os garimpeiros de Montepuez como financiadores da insurgência.

 

“Mas, isto não é um jogo de adivinhações! É a vida das pessoas que está em risco e é necessário mais do que ‘revelações oficiais’ para dar espaço ao povo”, observa, revelando ter ficado entristecido com o que viu e ouviu no distrito de Palma, durante a visita pastoral que efectuou àquele distrito, nos últimos dias.

 

“Pessoas deslocadas de suas aldeias e vivendo de favor nas casas de familiares e amigos, pessoas que choram a morte de seus familiares e amigos, pessoas que não tem perspectiva futura porque não fizeram machambas e o monstro de fome começa a aproximar-se, crianças, adolescentes e jovens sem estudar”, cita alguns casos.

 

Por essa razão, Dom Luiz Fernando Lisboa defende que “enquanto o povo estiver instrumentalizado por poderes ocultos que pretendem impor os próprios interesses, não haverá paz, nem reconciliação, muito menos esperança”. Acrescenta ainda que “seja o que for, levamos mais de um ano e meio num ambiente no qual é difícil pensar e falar para o povo de ‘esperança, paz e reconciliação’, quando vamos receber o Santo Padre”.

 

“Estamo-nos a preparar para a Visita Apostólica do Papa Francisco à Moçambique, em Setembro. Esperamos poder oferecer-lhe os frutos duma política ao serviço da paz”, encerra o Bispo. (Abílio Maolela)

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