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BCI
sexta-feira, 28 junho 2019 06:54

Morte dos agentes da guarda-fronteira: Frangoulis diz que autoridades de Maputo querem sacrificar a verdade

Passaram, nesta quinta-feira, 11 dias, após o assassinato dos dois agentes da Polícia da República de Moçambique (PRM), pertencentes à especialidade de Guarda Fronteira. E por o caso apresentar feições “atípicas”, tendo em conta o seu desenvolvimento, “Carta” procurou, na tarde ontem, o criminalista e antigo director da extinta Polícia de Investigação Criminal, a nível da cidade de Maputo, António Frangoulis.

 

Benício Guirruta e Faustino Monteiro foram, recorde-se, baleados no passado dia 16 Junho por militares sul-africanos na região da Ponta D’Ouro, distrito da Matutuíne, província de Maputo, alegadamente, durante uma confrontação armada com estes últimos.

 

 

À “Carta”, Frangoulis foi categórico. “Há uma tentativa clara de sacrificar a verdade”. Esta tese está assente no facto de, tal como disse o antigo director da PIC, hoje Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC), as autoridades moçambicanas estarem a envidar esforços, tendo em vista “suavizar as coisas” e levar o caso para o “campo diplomático”.

 

E pelos moldes que estão a ser adoptados, disse Frangoulis, não se está a assumir uma outra postura, senão de um Estado que, na verdade, não é Estado, isto por se estar a furtar das responsabilidades, enquanto detentor dessa mesma qualidade.

 

“Estamos a olhar para as relações. Desculpe lá! Desculpe lá. Não estamos a ser Estado. O Estado é aquele que protege os seus cidadãos e isso faz parte das três funções do Estado. Proteger os cidadãos. Dar-lhes um bem-estar social e promover o seu desenvolvimento. Quando não cumpre isso, preliminarmente, chama-se Estado, mas não é Estado. Só se chama Estado”, atirou.

 

Adiante, o antigo director da PIC disse não ter dúvidas de que se está em presença de um acto criminoso comum perpetrado por agentes do Estado, pelo que os mesmos devem, sim, ser criminalmente responsabilizados.

 

No que respeita à responsabilização, Frangoulis disse que os indivíduos que assassinaram Benício Guirruta e Faustino Monteiro devem, igualmente, ser julgados pela jurisdição moçambicana e, se condenados, cumprir as respectivas penas nos serviços prisionais do país, onde o crime foi perpetrado, no caso o território nacional.

 

"Há crime e não é crime de Estado. É um crime comum cometido por agentes do Estado. Eles cometeram crime dentro do território moçambicano. A jurisdição criminal é moçambicana. O crime e seu criminoso deve ser julgado pela jurisdição moçambicana e pela lei criminal moçambicana. E eles devem ser condenados e cumprir nos serviços prisionais moçambicanos e mais tarde pode se ver a questão da extradição ”, atirou.
 
 
Na última quarta-feira, o Comandante Geral da PRM, Bernardino Rafael, recebeu em audiência o Comandante das Operações das Forças Armadas de Defesa da África do Sul, Berney Muntu, que, na ocasião, prestou condolências pelas mortes, reconheceu o erro e atirou que vão trabalhar, em conjunto, para que situações similares não voltem a acontecer.

 

Na ocasião, o Comandante sul-africano disse que o incidente aconteceu numa zona, denominada “terra de ninguém”. Frangoulis mostra-se bastante surpreendido com esta versão, lembrando, por exemplo, como forma de dissipar quaisquer equívocos, o local em que os agentes foram encontrados, o depoimento do Régulo da Ponta D´Ouro e ainda que as imagens televisivas apresentam uma ideia completamente oposta.

 

Após a ocorrência do crime, a PRM veio a público afirmar que os polícias de fronteira foram assassinados a 50 metros da fronteira da Ponta D´Ouro. Entretanto, esta quarta-feira, as Forças Armadas Defesa da África do Sul, contrariando a versão das autoridades de Maputo, avançaram que os agentes foram assassinados na “terra de ninguém” e a 20 metros de distância da linha de fronteira.

 

“Não cabe à polícia sul-africana dar o relatório das causas do crime porque não tem fiabilidade”

 

No encontro desta quarta-feira, o Comandante Geral da PRM exigiu que as autoridades sul-africanas apresentem, até à próxima segunda-feira, 1 de Julho, informação preliminar sobre o que terá, efectivamente, acontecido na tarde e início de noite de 16 de Junho, naquele posto transfronteiriço.

 

Sobre tal exigência, o antigo director da PIC “arrasou” com Bernardino Rafael, afirmando que devia, sim, aparecer publicamente para informar que já tem o “relatório do primeiro ataque”. Ou seja, devia, sim, dizer que já possui o relatório do local dos factos, onde, precisamente, vêm vertidos os elementos recolhidos no local da ocorrência.

 

De seguida, Frangoulis atirou que, à polícia sul-africana, não cabe dar o relatório das reiais causas do crime, isto porque o mesmo estaria inquinado de vícios.

 

Às autoridades policiais do país vizinho cabe, anotou o criminalista, fornecer subsídios, mas que também não seriam de se dar muito crédito por virem de uma fonte que se encontra numa clara situação de conflito de interesses. Nisto, sentenciou Frangoulis, quem deve investigar e trazer a lume o que, de facto, aconteceu são as autoridades moçambicanas.

 

“O primeiro relatório que o comandante devia dizer que já tem é o relatório do local dos factos. Que se trata do local do crime que foi onde se recolheu todos os elementos. O relatório do primeiro ataque. Não cabe à polícia sul-africana dar o relatório das causas do crime porque não tem fiabilidade. Neste caso, em concreto, que te dê o relatório sobre a infracção que ele cometeu. Não faz sentido. O que pode acontecer é a polícia sul-africana dar-nos subsídios apenas. Mas, são subsídios que não têm muita fiabilidade. Quem deve investigar é a polícia e isto não é um crime político”, disse.

 

No que respeita ao facto de, até aqui, a identidade dos agentes “assassinos” não ser conhecida, Frangoulis pronunciou-se nos seguintes termos: “Isto é um crime comum e o que a polícia sul-africana deve fazer é entregar aqueles indivíduos para serem investigados, julgados e condenados. É tão estranho quanto outro caso que metem o político no meio. Está a demorar porque meteu-se o político no meio. Temos de começar a chamar os bois pelos nomes. Tudo, em Moçambique, se estraga quando se mete o político no meio”. (Ilódio Bata)

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