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quarta-feira, 26 junho 2019 09:10

Rubis de Namanhumbir: OMR relata 11 anos de “maldição”

A descoberta de pedras preciosas e semi-preciosas, no caso rubis, quartzo e granada, nos povoados de Napaco, no Posto Administrativo de Namanhumbir, no distrito de Montepuez, província de Cabo Delgado, em 2008, mudou a realidade daquele distrito e da província, em geral, tendo emergido a “febre dos rubis” e o cenário “Far West”.

 

A informação consta de um estudo intitulado “A maldição dos recursos naturais: mineração artesanal e conflitualidade em Namanhumbir”, divulgado, este mês, pelo Observatório do Meio Rural (OMR), uma organização da sociedade civil, que se dedica a pesquisas sobre políticas e outras temáticas relativas ao desenvolvimento rural.

 

 

Baseado em relatórios, peças jornalísticas, observação directa dos factos e entrevistas não estruturadas junto dos diversos actores da sociedade, entre os quais representantes do Governo distrital, do Conselho Municipal de Montepuez, do Posto Administrativo de Namanhumbir, assim como agentes da Polícia e funcionários das alfândegas, o estudo, conduzido por Jerry Maquenzi e João Feijó, pesquisadores da organização, refere que a mineração ilegal, corrupção, violação de direitos humanos, entre outras situações, encontram-se estabelecidas nas zonas de exploração mineira.

 

Os pesquisadores contam, por exemplo, que na sequência de um tumulto havido, em 2010, em que um agente da Polícia foi agredido por garimpeiros, o governo provincial destacou, para o local, agentes da Unidade de Intervenção Rápida (UIR), que distribuíram “bastonadas pelas populações ao redor da mina, confiscando elevadas somas em dinheiro a comerciantes e garimpeiros”.

 

De seguida, diz o Relatório, a UIR estabeleceu-se no local, proibindo o acesso à mina e à prática da extracção de pedras preciosas, mas sem sucesso, pois, alguns agentes têm sido corrompidos por diversos garimpeiros com valores monetários, para ter acesso às áreas de exploração. Nesta modalidade, detalha o estudo, a Polícia definia o tempo máximo de permanência nos locais, findo o qual, procedia a disparos para o ar, para que os garimpeiros saíssem dos túneis.

 

De acordo com a pesquisa, os cidadãos estrangeiros mais abastados passaram a subcontratar jovens, nacionais e estrangeiros (principalmente os tanzanianos), para entrar nas minas à busca de pedras preciosas. Sublinha ainda que alguns agentes da Polícia confidenciaram que vários cidadãos estrangeiros, que comercializavam rubis (na maioria de origem asiática), passaram a realizar contribuições monetárias regulares ao Comandante Provincial da PRM, com vista a garantir a respectiva protecção, no desenvolvimento das suas actividades comerciais.

 

Aliás, o Relatório revela ainda que, em 2011, quando a Montepuez Ruby Mining (MRM) começou a instalar equipamentos na área de exploração, proibiu o acesso à área de concessão, porém, através de sistemas de suborno a agentes da PRM, mineradores ilegais nunca deixaram de extrair pedras preciosas.

 

“Semanas mais tarde, a empresa iniciou o processo de cobertura das covas feitas por garimpeiros ilegais. Os técnicos da empresa não conseguiram alertar todos os garimpeiros dispersos pelas várias galerias subterrâneas para as obras de terraplanagem, pelo que as covas foram cobertas com um número indeterminado de indivíduos no subsolo (a maioria tanzanianos), que acabaram por morrer soterrados”, denunciam os pesquisadores.

 

Perante a persistência da mineração ilegal, diz o estudo, a MRM constituiu, ainda em 2011, um corpo de segurança privado, sem arma de fogo, mas equipado com catanas. No entanto, porque a corrupção está enraizada na nossa sociedade, esta força foi substituída por outras equipadas com armas de fogo, alegadamente, porque os “homens-catana” facilitavam o acesso ao local de mineração em troca de valores monetários.

 

De acordo com o estudo, estes deixaram de permanecer estáticos nas instalações da empresa, passando até a confiscar todas as viaturas que circulavam na área concedida e encaminhadas à Direcção Provincial dos Recursos Minerais e Energia. Neste prisma, alguns proprietários de transportes semi-colectivos de passageiros perderam as suas viaturas por terem sido encontradas a circular na estrada que liga a sede do Posto Administrativo de Namanhumbir ao povoado de Nséue.

 

Entretanto, os pesquisadores revelam que as perseguições aos mineradores ilegais levadas a cabo pela MRM contrastam com as actividades da empresa Mustang Resources, que, segundo estes, passou a operar em colaboração com os garimpeiros artesanais, que fazem a extracção e vendem as pedras à empresa. Acrescenta ainda que a empresa australiana adoptou a prática de fornecimento de equipamentos de protecção individual e de aquisição das pedras preciosas aos mineradores.

 

Em Dezembro de 2016, refere o estudo, a MRM reportou prejuízos de 13,8 milhões de USD e, segundo a Administradora de Montepuez, na sequência deste resultado financeiro, a empresa pressionou a PRM a estabelecer um sistema operacional mais eficiente (envolvendo agentes de vários distritos da província), com o objectivo de repatriar todos os cidadãos que estavam na área da mineração, um processo que não distinguiu cidadãos nacionais de estrangeiros.

 

Porém, porque a corrupção é o maior responsável pela corrosão do tecido social moçambicano, alguns agentes da PRM revelaram, aos pesquisadores, que durante o processo de repatriamento receberam quantias que variavam entre 10 mil e 15 mil meticais, provenientes de estrangeiros mais abastados, para deixá-los descer de camião e regressar a Montepuez.

 

Impacto local da MRM

 

O documento, de 23 páginas, faz referência também ao impacto das acções da MRM no local, desde a sua instalação. Segundo a pesquisa, as áreas concedidas à MRM para exploração de rubis incluíam pequenas parcelas agrícolas, cultivadas pelo sector familiar local, particularmente, no povoado de Nséue que, entretanto, foram expropriadas, com compensações a rondarem os 12.000 meticais, que não compensaram as quebras económicas, resultantes da interrupção das actividades agrícolas, de caça e de pesca na barragem daquele ponto do país.

 

Em termos de geração de emprego, os pesquisadores revelam que a empresa detida, maioritariamente pelos britânicos da Gemfields (75 por cento) empregava, em 2018, pouco mais de mil trabalhadores, dos quais 5% eram estrangeiros, de acordo com os dados da própria empresa.

 

“Em resultado dos baixos níveis de qualificação das populações locais, os postos de trabalho mais exigentes em qualificação (e, por isso, melhor remunerados e mais apetecíveis) foram, geralmente, ocupados por indivíduos oriundos de outras zonas do país”, diz o Relatório, acrescentando que a mineradora subcontratou três empresas locais para trabalhar em áreas como limpeza e assistência mecânica.

 

A pesquisa destaca ainda a falta de transparência na gestão do valor referente aos 2,75 por cento provenientes das receitas anuais da MRM. Só de 2012 à 2017, revelam os pesquisadores, a MRM canalizou para os cofres de Estado cerca de 70 milhões de USD em receitas de impostos e royalties, porém, por exemplo, só nos últimos três anos (2016, 2017 e 2018), o governo só transferiu 24.766.720 meticais.

 

Entretanto, tal como acontece em tantos outros projectos de extracção dos recursos minerais, o governo e a empresa tem “disputado” obras. Isto é, a MRM relata ter construído alguns empreendimentos, os mesmos que o governo também diz ter construído na base do valor dos 2,75 por cento.

 

Aliás, o estudo conta um episódio caricato, em que o Chefe do Posto Administrativo de Namanhumbir desconhece a origem dos valores e os montantes envolvidos na construção de uma unidade sanitária. O governo distrital diz ser fruto dos 2,75 por cento e a MRM alega ser seu investimento, no quadro das suas acções de responsabilidade social. (Omardine Omar)

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