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quarta-feira, 12 junho 2019 13:50

“A comunidade internacional pode cansar-se de nós”, diz Lourenço do Rosário

Lourenço do Rosário

Passa uma semana após o Presidente da República, Filipe Nyusi, e o Presidente da Renamo, Ossufo Momade, terem chegado ao entendimento sobre a pacificação do país, que poderá, tal como asseguraram os dois líderes, culminar com a assinatura do acordo de paz definitiva na primeira semana de Agosto próximo.

 

E porque as conversações sobre a paz entre o Governo e a Renamo, o maior partido da oposição no xadrez político nacional, foram ciclicamente marcadas por acordos e fracassos, “Carta” procurou, na ressaca dos novos entendimentos, o Professor Doutor Lourenço do Rosário, uma voz autorizada quando o assunto são as conversações entre as partes, visto que, num passado não muito distante, desempenhou o papel de mediador.

 

À “Carta”, Lourenço do Rosário, que olha para os consensos recentemente alcançados de forma agridoce, diz “temer que a comunidade internacional se canse” de atender às nossas diferenças internas pelo facto de continuarmos, ciclicamente, a arrastar o dossier sobre a paz efectiva.

 

Sobre os prazos estabelecidos pelas duas lideranças, o antigo reitor da Universidade Politécnica considera surreais, tendo em conta os passos que devem ser dados até à assinatura do acordo final, isto no que respeita ao Desarmamento, Desmobilização e Reintegração (DDR) da força residual da Renamo, apesar de, por outro lado, existir a pressão de querer chegar às eleições de 15 de Outubro próximo sem partidos armados.

 

Aliás, lembrou que se até Agosto, altura em que se prevê que se assine do acordo de paz definitiva, o processo de Desarmamento, Desmobilização e Reintegração não tiver iniciado, reeditar-se-á o Acordo de Cessação das Hostilidade Militares, rubricado pelo ex-presidente da República, Armando Guebuza, e pelo então líder da Renamo, Afonso Dhlakama.       

 

Acompanhe, nos próximos parágrafos, os excertos desta conversa.   

 

O Presidente Filipe Nyusi e Ossufo Momade chegaram ao entendimento sobre o DDR que culminará com assinatura, tal como reafirmaram, do acordo definitivo em Agosto. Como avalia os passos e que ilações dele tira?

 

Olhando, primeiro, para os aspectos optimistas, todos nós estamos ansiosos muito por causa da metodologia que o presidente Nyusi escolheu de dialogar directamente ao mais alto nível para lançar as bases de entendimento e depois colocar equipas que vão operacionalizar os seus entendimentos. Portanto, todos nós estamos ansiosos e queremos acreditar que vão conseguir assinar o acordo em Agosto. E optimistamente gostaria que assim acontecesse. Mas, por outro lado, a minha experiência diz-me que há sempre imponderáveis nestas coisas. E os imponderáveis são vários. O primeiro é saber se o vírus da desconfiança está completamente retirado neste espaço de diálogo. Não é a primeira vez que os líderes se abraçam. Ao longo desses vinte e tal anos, os líderes do Governo e da Renamo abraçaram-se várias vezes e ficamos a acreditar que, desta vez, é que vai ser. Nós não podemos assacar responsabilidades apenas a uma única parte. Há sempre qualquer coisa no meio que não é resolvida. É muito difícil gerir unanimidades de um lado e do outro. O que eu quero dizer como isso? A 5 de Setembro de 2014 assinámos o acordo de Cessação das Hostilidades Militares, depois da provação da legislação eleitoral chamou-se a comunidade internacional e, através da EMOCHIM, traçou-se um cronograma para a entrega das armas e todos nós acreditamos que era a paz efectiva. A comunidade internacional foi, inclusivamente, buscá-lo nas matas e disse que as eleições seriam as mais transparentes. Entretanto, Dhlakama veio depois, em 2015, a público dizer que as eleições haviam sido fraudulentas e que iria governar as províncias onde ganhou. Fez aqueles comícios, houve tiroteio e voltamos à estaca zeno. O que está a acontecer, digamos, é uma espécie de repetições de coisas que já aconteceram. Se olharmos para as coisas que aconteceram no passado ficamos com um pé atrás e perguntamos se agora é que vai ser de vez? Será que não voltaremos a ter os mesmos episódios. Olha, faltam quatro meses para as eleições e não sei quantas centenas de pessoas a Renamo tem para reintegrar. A Renamo agora já está a ensaiar um clima de preparação de fraude e isso, naturalmente, cria um clima de desconfiança. O que o Presidente Nyusi pretende é que a Renamo chegue às eleições sem os homens armados. Esse é um desejo de todos os moçambicanos. Que tenhamos conflitos pós-eleitorais, mas por via do debate político. E não que alguém tenha armas para pôr, novamente, o país a ferro-e-fogo. Não há nenhum cidadão moçambicano que quer esta situação por mais Renamista que seja, não pode aplaudir uma situação destas. Portanto, há muitos aspectos optimistas, mas olhando por um ângulo pessimista, acho muito pouco tempo.

 

Então não acredita na materialização do DDR nos prazos estabelecidos pelos dois líderes, no encontro de Chimoio?

 

A primeira premissa é acomodar aqueles que vão às Forças de Defesa e Segurança. Já foram acomodadas as chefias militares. Falta acomodar as chefias policiais. Falta definir a acomodação ou não, porque não está claro se os homens da Renamo vão para a chefia na área de segurança, no SISE. Isto não está claro. Nós não sabemos porque nem estamos na mesa do diálogo. A segunda é preciso fazer o recenseamento de todos os homens capazes de serem integrados nas forças policiais, como praças, etc., e encontrar espaço para acantonar essa gente e desarmá-la. Não basta só integrar como chefias militares e policiais. A terceira é acantonar e desarmar e colocar na vida social os que não estão em condições de serem reintegrados nas forças policiais. Estamos a falar de quantas centenas de pessoas, quantos lugares de acantonamento, não é um processo fácil e nós vimos quando foi da ONUMOZ. Vimos quando foi da EMOCHIM. Portanto, não é um exercício novo. Acho que dois meses são poucos. Pessoalmente, acho que é pouco. Agora, há pressão no sentido de que temos de chegar em Outubro sem os homens armados da Renamo. Então, vamos lá ver o que vai acontecer.

 

Que fórmulas poderiam ser usadas para cumprir os prazos estabelecidos, tendo em conta as experiências da ONUMOZ e da EMOCHIM?

 

O Presidente falou no engajamento dos parceiros internacionais e não conhecemos os mecanismos porque essa ronda do diálogo está ser feita de uma forma mais sigilosa, portanto, não sabemos como as equipas estão a trabalhar. Eu penso que o apoio internacional é extremamente importante e há muita experiência de acantonamento por parte da comunidade internacional, que já esteve em outros conflitos quer em África bem como na América Latina. Há exemplos e modelos da comunidade internacional e, acima de tudo, o financiamento. Se, de facto, o presidente tocou nesse ponto é porque conta com este apoio internacional e isso é que me dá um certo optimismo. Agora, se for só entre nós, acho que não.

 

A entrega das listas foi um dos pontos que colocou as partes quase sempre em rota de colisão. Será que, desta vez, a Renamo vai entregar a lista?

 

No exército as coisas foram mais pacíficas porque a lista já era conhecida mesmo na altura da Joaquim Chissano. A Renamo reclamava o reenquadramento dos homens que foram afastados a partir do acordo de Roma e eles já estavam no exército e foram reenquadrados. Agora, nunca houve enquadramento na polícia. A lista que foi entregue é de homens que vinham das Forças Armadas e o Governo rejeitou. Acredito que a Renamo tenha outros nomes e, provavelmente, eles queriam acomodar esses, uma vez que os seus colegas foram reenquadrados e esses sobravam. Por isso queriam enquadrá-los na polícia, mas a polícia é uma coisa diferente. E o presidente disse, assertivamente, que não iria colocar pessoas que não têm força para marchar. É preciso que a Renamo prove que tem pessoas porque a polícia agora em Moçambique é formada em academia. Não é pegar em guardas e colocá-los. Uma coisa é estar no exército e outra coisa é estar na polícia. E eu acho que isso é um dossier um bocado difícil de desembrulhar. A Renamo não pode esperar que, ao entregar a lista, os seus homens serão enquadrados automaticamente, penso que é importante perceber isso e ter o sentido de Estado. É preciso ter o sentido de Estado porque mesmo com a nossa polícia formada em academias temos sérios problemas de ética, de deontologia, problemas de corrupção e outros. Portanto, é preciso que comecemos a pensar no sentido de Estado e a polícia é um sector das Forças de Defesa e Segurança extremamente importante para a tranquilidade dos cidadãos.

 

O Dr. disse que a Renamo vai ter de saber esperar e ter sentido de Estado. E se a Renamo não compreender a necessidade de ter de esperar pelos processos?

 

É uma hipótese que está a colocar. Considerando que a Renamo não tenha pessoas com perfil adequado para serem, automaticamente, integrados na polícia, que o Governo exija que esses passem por um processo de formação etc., porque aqueles velhotes já foram recusados pelo Governo e penso que a Renamo deve ter aceite esta posição, então, vai trazer outros que seja, hipoteticamente, passíveis de serem aceites, considerando que a Renamo apresente esses fulanos e o Governo diz que esses não podem ser equiparados a superintendentes, comandante ou outra coisa, sem passar por um crivo de formação. A Renamo tem duas hipóteses. Ou aceita e é tudo pacífico, ou não aceita e encalhamos. Encalhamos logo aí. É preciso que, de facto, não se olhe como um processo linear. É um processo extremamente complexo.

 

Vai exigir cedências das partes?

 

As premissas estão lançadas. O Governo e a Renamo acordaram que até Agosto vão assinar o acordo para a Paz efectiva. De Agosto a Outubro são dois meses e é suposto que até à campanha eleitoral todos os homens da Renamo estejam desarmados. Agora, em primeiro lugar, é preciso saber se o assunto da chefia estará resolvido. Se a questão das chefias for resolvida então o resto é tudo mais fácil, isso se houver dinheiro e experiência dos parceiros internacionais. Agora se isso não encaixar e se o problema do SISE não se resolver, porque não se falou ainda do SISE, porque a Renamo continua a exigir que quer participar da segurança do Estado, mas nós sabemos que para fazer parte deste sector passa por outras regras. Não é simples. E não é só dizer que este vai para o SISE. Esteve nas matas e agora vai para o SISE. Não é assim. É preciso, realmente, ter em conta que, se nós queremos construir Forças de Defesa e Segurança Republicanas, temos de começar do princípio. E não começar a facilitar.

 

Lourenço do Rosário

 

Que garantias há de que não teremos a reedição do acordo de 2014?       

 

Há semelhanças em algumas coisas. Como disse atrás, há coisas já vistas. O problema das listas, do envolvimento da comunidade internacional através da EMOCHIM e agora não sei como se vai chamar, o problema da lei eleitoral, assinatura do acordo e que depois não se pôs em prática. Agora temos alguns meses. A diferença está aí. Não se esqueça que, em 2014, o acordo de paz foi assinado em 5 de Setembro, entretanto, a EMOCHIM tinha começado a trabalhar desde Agosto e até 5 de Setembro não tinha conseguido fazer absolutamente nada, senão visitas e queixas. Agora houve a descentralização aprovada na AR e, doutra vez, houve o pacote eleitoral aprovado na AR. As coisas políticas funcionaram na AR, mas o resto não. Se até Agosto, altura da assinatura do acordo, este processo do DDR não começar, então vai haver uma semelhança com o acordo de 2014.     

 

Numa perspectiva futurológica não se pode assumir certezas?

 

Em política não há certezas, sobretudo quando o vírus da desconfiança não está completamente extirpado e aqui não me parece que esteja completamente extirpado. Se me vai perguntar porquê o líder da Renamo está nas matas e não está a fazer pré-campanha eu não saberia responder, porque a Frelimo está a fazer pré-campanha. As brigadas estão a andar pelo país. A Renamo não. Limita-se em dizer que estão a preparar a fraude e é um ambiente realmente que não percebo. Para um dialogante que pretende criar um ambiente de paz, em vez de fazer pré-campanha, está a atacar o adversário político. Não entendo este tipo de linguagem. Por isso eu digo, em política é muito difícil saber que certezas a gente pode ter porque eu não sei qual é, de facto, a estratégia da Renamo.

 

Dias após o anúncio dos consensos, o porta-voz do partido no poder, Caifadine Manasse, veio a público apontar o dedo acusador à Renamo pelos avanços e recuos no processo. O discurso não mina os consensos?

 

Quando o porta-voz do partido vem atacar o outro, é o porta-voz do partido. Eu não posso esperar do adversário político, em ano eleitoral, discursos abonatórios. Não faz sentido porque, neste momento, é preciso erodir a imagem do adversário. Portanto, isso não é importante do ponto de vista de processos. Uma coisa foi o chefe de Estado reunir com o líder da Renamo para tratar de um processo e outra coisa é aquilo que o porta-voz do partido Frelimo fala para os meios de comunicação social.

 

A opinião não liga ao presidente?

 

Não vincula de maneira nenhuma. Está a fazer o seu papel que é de atacar o seu adversário político. Nós já estamos num ambiente eleitoral. O porta-voz da Frelimo não pode falar bem da Renamo. Não pode. Vai buscar aquelas coisas que ele acha que são más.

 

Não coloca em causa a ideia de aproximar de posições?

 

De forma nenhuma. Eu acho que não. Eu acho que os dois líderes estão com boas intenções. O meu problema não são as intenções. O meu problema é processual.

 

O Presidente Nyusi falou da necessidade de os dois líderes trabalharem para a busca de fundos para materializar o DDR. Donde virão os fundos para materializar o processo?    

 

Sabe, o meu receio é que a comunidade internacional se canse de nós. Nós já temos muitos contenciosos com a comunidade internacional. Pode chegar um determinado momento em que vai se cansar. Então, o PR está a dizer que não basta ter intenções para resolver o problema é preciso ter meios. Eu sei que há alguns parceiros e estão dispostos e disponíveis a financiar, mais uma vez, este processo porque Moçambique não é um país qualquer. Moçambique é um país que tem recursos naturais que interessam sob ponto vista de geoestratégia global. Interessa as potências mundiais e é, por isso, que estão interessados. Se nós fôssemos como a Guiné-Bissau ninguém se interessava por nós. O grande problema é que nós não devemos continuar a arrastar as coisas e criar sempre contenciosos com os parceiros internacionais de modo que eles se cansem de nós.

 

“Prenderam Chang, Zucula, Gregório Leão e outros, mas não resolvemos. Nós estamos a abordar a questão da corrupção de ânimo leve ”

 

Manuel Chang, Paulo Zucula e Gregório Leão

 

No rol dos contenciosos com a comunidade e internacional pontifica o caso das “dívidas ocultas” e, recentemente, disse que não é prendendo todo um Governo que se resolve o problema da corrupção. O que queria dizer exactamente?

 

No relatório do MARP nós não fazemos menção ao problema das “dívidas ocultas”” porque consideramos um micro problema dentro do grande problema que é a questão da corrupção. Nós consideramos a corrupção um problema transversal, não é específico de Moçambique. Sendo um problema transversal, vamos pensar que o que aconteceu com as “dívidas ocultas” não foi um caso único em Moçambique. Eu não estou a dizer que as pessoas não devem ser punidas administrativamente. O que digo é que não resolve o problema. Porque esta questão das “dívidas ocultas” que nos pôs num grande contencioso com a comunidade internacional é um problema provocado do exterior. Houve um comando que tentou em vários países em África, cito a Nigéria, e conseguiu em Moçambique porque encontrou esses tais que o abrissem a porta. Estamos a falar de uma operação de 2 biliões de dólares. Quais foram os activos concretos que vieram para o país? O que valem esses dois biliões? E quanto é que esses que abriram a porta a esse comando em Moçambique receberam? Se nós dividirmos em três partes esse valor, os produtos que foram comprados para defesa custaram X, os que abriram a porta e receberam o suborno Y e o resto do dinheiro onde está? O resto do dinheiro onde está? Nunca ninguém se preocupou em fazer as contas. Onde é que está o resto do dinheiro? Isso significa que faz parte de uma transversalidade de operações financeiras em que países fracos como o nosso acabam ficando satisfeitos por prender Manuel Chang e outros. Ficamos satisfeitos. Vamos recuperar os activos, que activos? Os 30 milhões de Chang, tudo bem que devolva o dinheiro, e mais 40 milhões incluindo os barcos, isso vai fechar 100 milhões e o resto do dinheiro. Entretanto, o país está a negociar com os credores e vai ter de pagar muito mais do que os activos que vai conseguir recuperar, isso se tiver de pagar. A questão da corrupção é muito complexa. Estes nossos compatriotas que estão a ser presos agora criam uma certa satisfação à nossa curiosidade mórbida, pois, ficamos expectantes em saber quem vai ser preso hoje e vocês publicam isso. E nós, depois de lermos, colocamos nas redes sociais e não passa de um fait divers. Veja o caso da Odebrecht. Prenderam o ministro Zucula, mas a Odebrecht que pagou é parte da corrupção activa, uma multa nos EUA e ficou limpa. Como é que ficamos! Zucula coitado foi para a prisão. Então, eu acho que há mais interrogações sobre este fenómeno do que certezas, porque enquanto tivermos a certeza de que punindo é que resolvemos o problema da corrupção estamos enganados. Por isso fico céptico. Puseram o Zucula, o Chang, o Gregório Leão na cadeia, mas não resolvemos. Nós estamos a abordar a questão da corrupção de ânimo leve.

 

Se não é punindo que resolvemos, então como é que resolvemos?

 

É um programa que deve começar da creche. Mas primeiro temos de nos conhecer. Temos de tipificar. Eu acho que temos de nos conhecer nos vários ângulos da sociedade. Nós temos de tipificar e sabermos o que devemos fazer. Desde os estudos cívicos, morais, antropológicos e relações inter-humanas.

 

Há quem defenda que o combate à corrupção passa pelo assumir do compromisso de quem está no Poder. E está cristalizada a ideia de que a Frelimo ainda não assumiu o compromisso?

 

Conhece a frase de Samora Machel que dizia que o poder é uma bala de açúcar que vai caindo na nossa língua devagar e a gente vai gostando e, de repente, já não nos apercebemos. Alguns destes camaradas, no início, foram antigos combatentes, nós conhecemos, combateram e traziam um discurso de ética, mas muito poucos mantiveram como Marcelino dos Santos, até aos 90 anos, o mesmo compromisso com essa mesma ética. Alguns destes camaradas que estão a ser presos, no princípio, também eram pessoas do bem. Não é um compromisso do Governo enquanto Governo é do indivíduo que encontra um buraco. Então, o problema do Governo é de deixar buracos. Quando o regime muda do socialismo para o capitalismo cria aquilo que se chama de individualismo, que não existia, porque anteriormente o princípio era colectivista. O indivíduo procura sempre ganhar vantagem porque estamos sempre em disputa. Ou ganhas em disputa por meios lícitos porque há regras ou por meios ilícitos que não há regras.

 

E a actuação dos órgãos de justiça?

 

É uma componente. Se você que é da comunicação social assume que dentro dos órgãos de comunicação social há corruptos, que credibilidade você dá a esses órgãos para exigir deles aquilo que não acreditas. O problema é este. Vocês da comunicação social não acreditam nos órgãos de justiça. Põem em causa as decisões dos órgãos de justiça, então, significa que não tem credibilidade e Senghor dizia que ao tigre não bastava dizer que é tigre, tinha de saltar e comer o animal senão não seria um tigre. Então, aos órgãos de justiça não basta dizer que são órgãos de justiça, têm de fazer justiça, mas também têm de ter eco para que tenham credibilidade para os órgãos de comunicação social, da opinião pública e da sociedade civil.

 

Falou que alguns camaradas ao longo desse tempo foram perdendo os ideais, a moral e ética e acabaram enveredando pelo caminho da corrupção. Quem são esses camaradas?

 

Não falo de nomes. Só falo daqueles que vocês já conhecem e já estão presos. Não falo de nomes porque acho que não é ético da minha parte.

 

“Presidente Guebuza era o comandante do barco. Então, nessa qualidade ele tem de afundar com o barco”  

 

Armando Guebuza e Óscar Monteiro

 

Na última sessão do Comité Central do partido Frelimo Óscar Monteiro visou, directamente, o antigo ex-presidente da República, Armando Guebuza, dizendo, por exemplo, que ele se deixou enganar por Teófilo Nhangumele e outros tantos.

 

Eu li as duas intervenções e tenho, naturalmente, uma ideia muito própria sobre uma e outra intervenção. Há excessos por parte de Óscar Monteiro na sua intervenção e penso que foi levado pelo clima que havia tomado conta da sala e é normal. Por outro lado, a resposta do Presidente Guebuza mostra que não se deve individualizar determinados fenómenos históricos. E depois não esperava da parte de Óscar Monteiro aquela solução para recuperação de activos. Não esperava de Óscar Monteiro que é uma figura brilhante. Ter acabado com aquelas propostas da distribuição de dinheiro como forma de combater a pobreza. Achei demasiado básico nesse aspecto porque Óscar Monteiro é uma cabeça brilhante. Se quis atingir directamente o presidente Guebuza? O presidente Guebuza acabou por encontrar uma forma de auto defesa sendo a peça de um xadrez e única responsabilidade que tinha era de ser chefe de Estado. Quando é assim, é como num barco, quando está a afundar a responsabilidade é do comandante e é nesse aspecto. Eu respeito muito o Presidente Guebuza e não sei se o que se diz é real ou não. Mas é uma pessoa que passou por muitas provações desde que deixou de ser Presidente da República. A morte da filha, a prisão do filho e o envolvimento de todo o seu Staff neste escândalo, ele era comandante. Portanto, ele tem de afundar com o barco, mas isso não significa que o facto de ele ter de afundar com o barco é porque provocou o afundamento do barco. Então, eu não sei a quem aplaudir. Agora, embora eu pense que Óscar Monteiro podia ter feito uma abordagem diferente naquele discurso, eu acho que o Presidente Guebuza procurou defender-se, assumindo que ele era o comandante do barco. Então, tem de afundar com o barco. Se o barco vai ao fundo, ele tem de afundar com ele.

 

O presidente disse que se estava a promover uma verdadeira “caça às bruxas”?  

 

É mesma coisa porque se ele sair do barco vai ser caçado. Não pode sair do barco.

 

E que alguns ideais da Frelimo estão a perder-se?

 

Isso já é outro problema. Não sei se alguns ideais da Frelimo estão perder-se ou não. O que é verdade é que a Frente de Libertação de Moçambique trouxe uma determinada ideologia e a conjuntura internacional obrigou-nos a mudar o regime. Ou estas pessoas que trouxeram a Frente de Libertação tinham de sair para trazer outras para prosseguir ou estas pessoas tinham de mudar. Entre elas, o Presidente Guebuza também mudou. Não é a Frelimo que mudou. São as pessoas que estão dentro da Frelimo que mudaram por causa da conjuntura internacional. Quando a Frelimo adoptou o neoliberalismo como sistema político em Moçambique e está no poder, naturalmente, que as pessoas que estão a frente do partido mudaram e não vejo qualquer problema.

 

Não poderá a Frelimo ser penalizada nas eleições que se avizinham tendo em conta o escândalo das “dívidas ocultas” e o facto de que a qualidade de vida da população deteriorou?

 

Não sei. Nós não podemos fazer futurologia política pelas nossas vontades próprias. Aquilo que nós queremos que aconteça. O xadrez político em Moçambique é muito difuso. A única força que, de facto, mostra alguma organização é a Frelimo. E as pessoas quando vão votar não dão o cheque em branco. Quando a pessoa vota na Renamo é porque acha que esse partido pode resolver as suas preocupações. E se vai votar na Frelimo é porque acha que pode ser a solução. Nesse aspecto não sei. Se estivéssemos numa outra realidade, onde a comunicação social é forte e os escândalos dissessem alguma coisa, aí sim. Porque um escândalo de 2 biliões, para um país como nosso, é mínimo. Quem deu dimensão a isso foi a punição que a comunidade internacional nos aplicou. A dívida de Moçambique é maior. Mas sei que há pessoas que têm vontade que isso aconteça. Pode ser que a abstenção aumente. Pode ser. Agora, penalização directa por causa disso, acho eu que não. (Ilódio Bata)

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