Enquanto cidadãos e organizações da sociedade contabilizam o assassinato de pelo menos 50 pessoas pela Polícia da República de Moçambique, no âmbito das manifestações populares convocadas pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane, o Presidente da República e Chefe do Governo anuncia a morte de apenas 19 pessoas, das quais cinco são membros da Polícia.
Os dados foram anunciados ontem por Filipe Jacinto Nyusi, na sua primeira comunicação à nação em torno dos protestos em curso no país, que completam amanhã 30 dias desde o seu início. Recorde-se que os protestos iniciaram no dia 21 de Outubro, dois dias após o bárbaro e covarde assassinato do advogado Elvino Dias (assessor de Venâncio Mondlane) e do mandatário do PODEMOS, Paulo Guambe.
Segundo Filipe Nyusi, as manifestações resultaram no ferimento de 807 pessoas, das quais 66 são membros da Polícia. Não revelou o número de detidos. No total, o Chefe de Estado contabiliza “mais de 200 manifestações violentas” em todo o país desde 21 de Outubro.
No entanto, os números do Presidente da República estão longe da realidade reportada dia-a-dia por diversas organizações da sociedade. Por exemplo, até ao dia 05 de Novembro, o porta-voz da Associação Médica de Moçambique, Napoleão Viola, reportava a morte de 16 pessoas, de um total de 108 vítimas de baleamento policial, no âmbito das manifestações.
Catorze dias depois deste pronunciamento, mais de duas dezenas de assassinatos foram anunciadas, com destaque para o atropelamento de sete jovens na passada sexta-feira, no município da Matola, o assassinato de sete pessoas, em Nampula, e de uma pessoa, em Quelimane, na passada quarta-feira. Aliás, a Plataforma da sociedade civil DECIDE reporta 25 mortes entre os dias 13 e 17 de Novembro.
Numa comunicação de pouco mais de 37 minutos, proferida quatro horas após mais uma transmissão em directo do candidato presidencial Venâncio Mondlane, que anunciou três dias de luto nacional pelas vítimas mortais das manifestações, o Chefe de Estado limitou-se apenas a lamentar pela perda de vidas humanas e apelou à sociedade a preservar o seu maior valor, “que é a vida”.
Segundo o Chefe de Estado, os confrontos entre a Polícia e os manifestantes deveram-se à falta de observância dos pressupostos de uma manifestação, como a definição do percurso a ser levado pelos protestantes. Não explicou, no entanto, se terá sido por essa razão que a Unidade de Intervenção Rápida impediu a marcha pacífica do dia 21 de Outubro, lançando gás lacrimogéneo contra os manifestantes, o candidato Venâncio Mondlane e jornalistas.
Filipe Nyusi afirma ainda que as “manifestações muito violentas” foram caracterizadas pela vandalização de bens públicos e privados; pelo roubo e saque de estabelecimentos comerciais; pela queima de pneus, bloqueio de vias e actos de sabotagem contra antenas de telefonia móvel.
O também Presidente da Frelimo, organização política que governa Moçambique desde a independência nacional, apelou à Polícia a privilegiar a contenção e evitar uma intervenção violenta. Defende que as Forças de Defesa e Segurança devem continuar a servir o povo e que o uso da força deve ser sempre em situações de “extrema necessidade”.
“Ninguém, em nome de qualquer causa, deve impedir outro cidadão de ir trabalhar para garantir o sustento da sua família, (…) ninguém pode violar as leis municipais que protejam o repouso depois de certas horas da noite”, defendeu, em referência ao “panelaço” que vigorou entre passada sexta e segunda-feira, nas cidades de Maputo e Matola, e que deverá regressar hoje às 21h00.
“A nossa democracia é jovem e está a aprender a caminhar porque as velhas democracias, por si só, ainda não se reencontram na totalidade. Não existem, aqui, professores e nem alunos, todos estamos a aprender. A amarga experiência de guerra de desestabilização e todo o processo de reconciliação nacional ensinou-nos algo que não podemos esquecer”, disse, pedindo aos mais velhos para passar a referida experiência aos mais novos.
Sem avançar os pontos de agenda – num momento em que os resultados das eleições de 09 de Outubro ainda estão em análise pelo Conselho Constitucional – o Chefe de Estado disse convidar os quatro candidatos a Presidente da República para um diálogo, de modo a se ultrapassar os nós de estrangulamento.
No entanto, não deu quaisquer garantias de segurança ao candidato Venâncio Mondlane, que se encontra em parte incerta por temer seu assassinato. Aliás, a PGR abriu um processo criminal contra o político e outro civil, no qual exige o pagamento de 32.3 milhões de Meticais pelos danos causados pelas manifestações. (Carta)