O Tribunal Supremo disse ontem que o “elevado número” de recursos de contencioso eleitoral sem a devida impugnação prévia e de forma intempestiva revela “ignorância” da legislação pelas formações políticas.
“Pelo elevado número de recursos de contenciosos interpostos sem impugnação prévia, de forma intempestiva e sem a junção de elementos de prova, constata-se que prevalece, no seio de atores políticos, alguma ignorância, desconhecimento jurídico com relação aos procedimentos a tomar”, declarou o porta-voz do Supremo, Pedro Nhatitima.
Em conferência de imprensa para apresentar dados referentes aos recursos dos partidos políticos e dados sobre ilícitos eleitorais, o porta-voz do Tribunal Supremo defendeu que “já não era suposto” registarem-se estatísticas elevadas de contencioso eleitoral sem a apresentação dos elementos previamente exigidos pela legislação.
“Era suposto que esses procedimentos fossem do domínio dos atores políticos (...). Para futuros pleitos, entendemos que os atores políticos se apropriem do quadro legal regulador do processo eleitoral, evitando insucesso dos recursos de contencioso eleitoral logo à partida”, apelou Nhatitima.
Mais de 300 processos de irregularidades e ilícitos e 265 detidos
O Tribunal Supremo afirma que houve registo de 305 processos relacionados com irregularidades e ilícitos eleitorais durante as eleições gerais de 09 de outubro, menos 217 em relação ao escrutínio de 2019, e 265 pessoas foram detidas. Os dados apresentados pelo porta-voz do Supremo indicam que, dos 305 processos, 142 correspondem a contencioso eleitoral e os outros 163 a ilícitos eleitorais, tendo os primeiros sido todos indeferidos.
Os números do Tribunal Supremo indicam que a província da Zambézia, no centro do país, registou maior número de processos (45), sendo que 26 são de contenciosos e 19 de ilícitos eleitorais. Cabo Delgado, no norte de Moçambique, registou menor número, com três casos de recursos de contecioso eleitoral e seis de ilícitos.
“Comparando com as últimas eleições gerais de 2019, podemos dizer que houve um decréscimo na ordem de 217 processos, atendendo que, em 2019, os Tribunais tramitaram cerca de 522 processos ”, avançou.
Dos 142 recursos interpostos, 70 foram do Partido Optimista para o Desenvolvimento de Moçambique (Podemos), 51 da Resistência Nacional de Moçambique (Renamo) e 15 do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), referiu o porta-voz do TS.
O Tribunal Supremo indicou ainda que dos 142 recursos de contencioso eleitoral, 53 foram indeferidos por falta de impugnação prévia, 35 por “falta de elementos de prova”, 36 por “incompetência material” e 18 por “intempestividade".
“Os recorrentes limitam-se a fazer alegações genéricas sem juntar os devidos elementos de prova (...). A lei estabelece que os recursos devem ser interposto em 48 horas após a publicação de editais e esses recursos foram interpostos fora do prazo”, declarou o porta-voz do TS.
O responsável indicou que todos os 142 processos de contencioso eleitoral foram findos pelos tribunais distritais. Já dos 163 relativos a ilícitos, 95 foram concluídos e 68 permanecem pendentes, decorrendo ainda o seu processo de análise pela justiça. “Dos 95, 40 foram remetidos ao Ministério Público para efeitos de apuramento de responsabilidade criminal”, destacou Nhatitima.
O Tribunal Supremo anunciou ainda que, em todo o processo eleitoral, 265 pessoas foram detidas e submetidas a julgamento em conexão com contencioso e ilícitos eleitorais, das quais 78 foram condenadas, 83 absolvidas e 86 aguardam pelas decisões dos tribunais. Os dados divulgados apontam a província de Nampula com maior número de condenados (24) e Inhambane com menor número (3).
Na mesma conferência de imprensa, o Tribunal Supremo pediu às formações políticas “respeito às regras do jogo democrático”, referindo que “diferendos eleitorais” são resolvidos por instituições legais. “Vamos dar fé, acreditar no processo, ele ainda não chegou ao fim. Todas as irregularidades que são mencionadas por vário atores políticos conhecerão as respetivas decisões no âmbito do processo de validação pelo Conselho Constitucional”, concluiu Pedro Nhatitima.
O candidato presidencial Venâncio Mondlane apelou a uma greve geral de uma semana em Moçambique a partir de hoje, manifestações nas sedes distritais da Comissão Nacional de Eleições (CNE) e marchas para Maputo em 07 de novembro.
A CNE de Moçambique anunciou a 24 de outubro a vitória de Daniel Chapo, apoiado pela Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo, partido no poder desde 1975) na eleição a Presidente da República de 09 de outubro, com 70,67% dos votos.A Frelimo reforçou ainda a maioria parlamentar, passando de 184 para 195 deputados (em 250), e elegeu todos os dez governadores provinciais do país.
Venâncio Mondlane, apoiado pelo Podemos (extraparlamentar), ficou em segundo lugar, com 20,32%, mas afirmou não reconhecer estes resultados, que ainda têm de ser validados e proclamados pelo Conselho Constitucional.
Além de Mondlane, o presidente da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo, atual maior partido da oposição), Ossufo Momade, um dos quatro candidatos presidenciais, disse não reconhecer os resultados e pediu a anulação da votação, e o candidato presidencial Lutero Simango, apoiado pelo Movimento Democrático de Moçambique (MDM), recusou igualmente os resultados, considerando que foram “forjados na secretaria”, e prometeu uma “ação política e jurídica” para repor a “vontade popular”.
As manifestações convocadas por Mondlane para 21, 24 e 25 de outubro degeneraram em confrontos com a polícia, de que resultaram pelo menos dez mortos, dezenas de feridos e 500 detidos, segundo o Centro de Integridade Pública, uma organização não-governamental moçambicana que monitoriza os processos eleitorais. (Lusa)