Está aberto um novo debate jurídico acerca do princípio de aquisição progressiva dos actos, em vigor no sistema eleitoral moçambicano, que estabelece a consumação dos actos eleitorais em cada fase do processo. Isto é, um acto praticado, por exemplo, na fase de inscrição, não pode ser contestado na fase da entrega das candidaturas.
Na última quinta-feira, o porta-voz da Comissão Nacional de Eleições (CNE), Paulo Cuinica, defendeu que o princípio de aquisição progressiva dos actos eleitorais não é absoluto. Na sua concepção, as irregularidades cometidas numa determinada fase do processo podem ser suscitadas em fases subsequentes, caso os concorrentes se sintam injustiçados.
Em causa está o facto de a CAD denunciar que a CNE terá solicitado documentos referentes ao período de inscrição, depois de esta ter sido oficialmente encerrada. No entendimento da CAD e de uma franja de juristas, este facto não pode ser invocado durante o período das candidaturas por já não ser passível de impugnação e muito menos de recurso, tal como determina o princípio de aquisição progressiva dos actos no sistema eleitoral moçambicano.
“O princípio da aquisição progressiva dos actos eleitorais não é absoluto, não se pode sobrepor a uma nulidade. Onde há nulidade, esta pode ser invocada a qualquer momento e por qualquer um dos concorrentes”, defendeu Cuinica, durante a conferência de imprensa em que anunciou a rejeição da candidatura da Coligação Aliança Democrática.
Segundo Cuinica, as irregularidades da CAD foram detectadas durante o processo de candidatura, mas entende que, “mesmo se se tratasse da inscrição, quando se trata da nulidade, esta pode ser invocada a qualquer momento”. O argumento de Paulo Cuinica baseia-se no facto de, “entre a inscrição e a apresentação de candidaturas, entendeu o legislador que factos supervenientes poderiam ocorrer e estes, de facto, ocorreram no seio da CAD”.
A aquisição progressiva dos actos eleitorais é um dos princípios fundamentais do direito político moçambicano, à semelhança da soberania popular, impugnação prévia, celeridade processual e dos princípios de universalidade e igualdade e de anterioridade eleitoral.
“A CAD não precisava fazer mais nada, para além de comunicar ao Ministério da Justiça [Assuntos Constitucionais e Religiosos] e publicar em Boletim da República, depois de apresentar um novo convénio, facto que não ocorreu, nem depois dos 15 dias exigidos por lei, nem antes do início efectivo da apresentação das candidaturas. Portanto, não tem a ver com a inscrição, mas com actos que deviam ter sido praticados dentro de um certo período e que não foram praticados. Falamos de actos essenciais e indispensáveis porque traduzem a forma como uma coligação é criada e como ela vive”, defendeu Cuinica.
Questionado sobre as razões que levaram a CNE a concentrar a sua deliberação na CAD e não em todos os concorrentes, Cuinica respondeu nos seguintes termos: “o processo da CAD é complexo. Primeiro, porque não se trata de um partido político, mas de uma organização composta por vários partidos políticos. Depois, há uma mutação, que esta mesma organização sofre ao longo do tempo [a coligação existe desde 2018]. Existem factos importantíssimos que deviam ter sido acautelados e que não foram acautelados. A CAD apresentou-se como um partido político. Isto é, as suas listas foram apresentadas como um partido político e pedimos que eles fossem corrigir isso”.
Refira-se que são pecados cometidos pela CAD, segundo a CNE, os seguintes: a não apresentação do âmbito e fins da coligação; a indicação da denominação, sigla e símbolos da coligação; a designação dos titulares dos órgãos de direcção ou de coordenação da coligação; e a falta de uma comunicação do convénio ao Ministério da Justiça para efeitos de averbamento. (A. Maolela)