Duas refinarias de ouro fantasmas sediadas no E-swatini, antiga Suazilândia, terão "lavado" milhões de dólares através do Dubai, segundo uma fuga de 890 mil documentos analisados pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de investigação (ICIJ, na sigla em inglês).
De acordo com 890.000 registos internos da Unidade de Informação Financeira do E-swatini (EFIU, na sigla em inglês), país que faz fronteira com Moçambique, duas refinarias fantasmas ou inexistentes, a Mint of E-swatini Pty. Ltd. e a RME Bullion Pty. Ltd, sediadas numa zona económica especial (ZEE) criada em 2018, funcionaram como "fachada através da qual fluíram milhões de dólares em transacções suspeitas".
Os documentos, analisados por 38 jornalistas de 11 países, "expõem a vulnerabilidade das instituições financeiras" do E-swatini, e estão na origem da investigação "Swazi Secrets", cujo primeiro trabalho foi divulgado há dias pelo ICIJ, uma organização de jornalismo de investigação com sede em Washington.
"As [duas] empresas fizeram soar o alarme no Banco Central do E-swatni e na Unidade de Informação Financeira do E-swatini, uma entidade estatutária independente do reino, que tem por objectivo 'fornecer informações financeiras que protejam o sistema financeiro local e internacional' contra o branqueamento de capitais, o financiamento do terrorismo e outras actividades ilícitas", segundo o ICIJ.
As autoridades financeiras, de acordo com os documentos revelados, investigaram a "exploração de lacunas da ZEE" por parte das empresas fantasmas, para fugirem a impostos, movimentarem ilegalmente dinheiro para o estrangeiro ou através do reino africano, ainda de acordo com o consórcio de jornalistas.
A investigação jornalística dá conta que as actividades de duas figuras próximas do rei Mswati III do E-swatini preocuparam a EFIU, designadamente um joalheiro, Keenin Schofield, genro do monarca africano, com cadastro judicial por ter sido culpado e multado num processo por contrabando de diamantes e Alistair Mathias, um discreto empresário canadiano, ligado ao comércio de ouro e ao sector da construção.
De acordo com o ICIJ, os documentos mostram que, em menos de um mês, de finais de Novembro de 2018 a meados de Dezembro de 2018, foram feitas 10 transacções "suspeitas" no valor de cerca de 4,7 milhões de dólares na altura de uma obscura empresa sul-africana de transacções financeiras para Schofield, que depois enviou aproximadamente a mesma quantia para a Mint of Eswatini na ZEE, de onde o dinheiro seguiu para o Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.
A EFIU suspeitou da "operação ilícita" continuada de "branqueamento de capitais e de contrabando de ouro", envolvendo o E-swatini numa operação "muito mais vasta de contrabando de ouro e de branqueamento de capitais em toda a África Austral", que se "estendia até aos mercados de ouro do Dubai", segundo o ICIJ.
Em Maio de 2019, de acordo com os documentos analisados, uma das empresas investigadas, a RME, recebeu a aprovação oficial para operar na ZEE e uma "cobertura geral" por parte do Banco Central do E-swatini, que a isentou de controlos cambiais até 40 milhões dólares (37,6 milhões de euros) por mês, permitindo-lhe movimentar até esse montante todos os meses, com pouca ou nenhuma supervisão.
A EFIU, encarregue de combater o branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, muita das vezes esbarra em obstáculos políticos que limitam a sua eficácia. Pressões externas influenciam a necessidade de estabelecer instituições financeiras independentes.
O E-swatini, anteriormente conhecido como Suazilândia, passou por mudanças significativas desde 2018, incluindo a luta contra a epidemia de HIV, que já teve uma das taxas de prevalência mais altas do mundo. Embora progressos tenham sido feitos no controlo da doença, o seu impacto continua a ser profundo, deixando muitos órfãos e causando perdas significativas.
Mswati III, também conhecido como Ngweyama, é reconhecido pelas suas vestimentas tradicionais e por ter múltiplas esposas. O seu governo, caracterizado pelo controlo autoritário e críticas por supostas procuras excessivas de fundos públicos, enfrenta crescente descontentamento económico e político.
A investigação destaca o estilo de vida luxuoso da família real, em contraste com a pobreza generalizada entre aqueles que consideram os seus súbditos, evidenciando a alegada insensibilidade do monarca para com o seu povo. Enquanto a maior parte da população de 1,2 milhão enfrenta uma pobreza extrema, o Rei Mswati III e os membros da sua extensa família ostentam a sua riqueza, desde vistosos relógios personalizados até frotas de carros de luxo.
O controlo estatal da midia, incluindo o único canal de televisão privado, que pertence à família real, é uma característica marcante do regime de Mswati III, monarca que, alegadamente, tem 11 mulheres e mais de 30 filhos. Os jornalistas correm o risco de serem processados se criticarem o governo, contribuindo para um ambiente de repressão e falta de liberdade de expressão. Os protestos contra o declínio económico têm vindo a intensificar-se, reflectindo o desejo popular por reformas políticas e maior participação.
O E-swatini é um pequeno reino da África Austral com 1,2 milhão de habitantes, que faz fronteira com a África do Sul e com Moçambique. Conhecido como Suazilândia até o seu rei, Mswati III, mudar o nome do país em 2018, o reino é governado pela última monarquia absoluta em África. (Carta)