Na sequência, os dois juristas foram elogiados na opinião pública ao se posicionarem a favor de mais democracia eleitoral. Mas também foram atacados. Violentamente. Julião Cumbane, um professor universitário de Física Nuclear na UEM, que de vez em quando comenta sobre política, escreveu uma prosa ameaçadora, apontando Hunguana e Waty como fazendo parte de uma conspiração para remover o Presidente Filipe Nyusi do poder em 2019...um projeto onde se enquadrava a figura de Samora Júnior. Cumbane foi ao ponto de sugerir que Samora Júnior era um alvo a abater e que podiam surgir, da parte da Frelimo, “consequências traumáticas para algumas famílias”. As violentas declarações do professor, que perdera seu pai na ante-véspera, causaram desdém na opinião pública. Mas das hostes profundas do Partido Frelimo – Cumbane se assumia como um porta-voz sem procuração da corrente dominante no partido – veio um silêncio de ensurdecer.
Na opinião pública, muitos se recordaram do mesmo registo persecutório por que passou o assassinado Professor Giles Cistac em 2015. Antes de premirem contra ele o gatilho fatal, Cistac foi vítima da prosa fascizante agora recuperada por Cumbane. Agora, houve quem esperasse uma ação imediata da Procuradora Geral da República, Beatriz Buchile. Mas ela ainda não tomou posição. Na pele, Hunguana e Waty sentiram-se atingidos tanto pelos ataques de Cumbane com anuência tácita do regime do dia assim como pelo silêncio de uma entidade, a PGR, que zela pela legalidade.
Os dois resolveram escrever à Beatriz Buchile. O primeiro foi Waty. No seu texto, datado de 30 de Agosto, Waty denuncia o texto de Cumbane e pede a Buchile que “mande garantir que sejam abortados os actos preparatórios contra a vida das famílias devidamente apontadas”. Por sua vez, Teodado Hunguana, no seu requerimento de 4 de Setembro, escreve, a dado passo, o seguinte: “Porque, tanto a alegada conspiração bem como a suposta participação na mesma pelos dois autores das opiniões jurídicas em causa, constituem tentativas de assassinato de carácter, que no nosso País, e em outras circunstâncias idênticas, constituíram autênticos atos preparatórios da perpetração de hediondos homicídios (Mbuzine e Prof. Jules Cistac), tenho a honra de requerer a Vexa que, no âmbito do seu múnus constitucional e legal, na prevenção e repressão da criminalidade, tome as diligências que julgar mais convenientes ao caso”.
Esta manhã (9 de Setembro de 2018) perguntei aos dois juristas o que lhes motivou a interpelarem a PGR, exigindo uma proteção contra as ameaças inscritas no texto de Cumbane. Teodoro Waty foi comedido: “Busca de justiça? Não! Que justiça? Ato de cidadania? Talvez, sei que falei pelos que optaram, compreensivelmente, pelo silencio. O silencio é um veneno para a alma da sociedade. Sempre falo, mesmo contra a corrente. A palavra, mesmo que incómoda, é geriátrica”. Hunguana foi mais incisivo. Para ele, o texto de Cumbane não pode ser visto como um evento aleatório, isolado, mas como o produto acabado de uma tendência crescente para a instalação de um clima de medo na sociedade. “Há uma crescente fascização silenciosa de sociedade”, disse ele. Nesse contexto, ele solicitou a intervenção de quem tem competências e deveres legais para agir. Então, rematou Hunguana, ou a PGR respeita esses deveres e age ou se afirma cúmplice pela inação.
Qualquer que seja a reação de Beatriz Buchile, ao escreverem à PGR Hunguana e Waty deixam claro que não estão contra o exercício da liberdade de expressão, mas tentam chamar a atenção para os seus limites. Se a PGR não agir perante dois requerimentos de duas figuras de proa que já tiveram papéis de relevo no Estado, ela estará a dar a azo à interpretação segundo a qual ela não está defendendo a legalidade em prol da sociedade, mas sim os interesses particulares de uma franja bem identificada da classe política.