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quinta-feira, 28 março 2019 10:20

Acusação mostra como Nhangumele e Bruno Tandane “lavaram” o dinheiro do “calote”, mas não apresenta evidências contra Ndambi Guebuza

Se era quase unânime na opinião pública que o agente “A” do Sumário Executivo do Relatório da Kroll, António Carlos do Rosário, e seus companheiros do Serviço de Informação e Segurança de Estado (SISE), foram os “cabecilhas” e maiores beneficiários do dinheiro das “dívidas ocultas”, a acusação do Ministério Público remetida na última sexta-feira ao Tribunal Judicial da Cidade de Maputo mostra outra realidade.

 

Dos milhões de dólares que circularam intramuros, provenientes deste escândalo, boa parte deles pararam nas mãos de um “trio” sem ligações oficiais com o SISE. Trata-se de um “trio” que à luz da acusação trabalhou arduamente no sentido de convencer o então Presidente da República, Armando Guebuza, a dar aval à proposta trazida pela representante da empresa Abu Dhabi Mar LC, do grupo Privinvest, na África do Sul, Batsetsane Thlokoane.

Fazem parte do referido “trio” Teófilo Nhangumele, Ndambi Guebuza e Bruno Tandane Langa. Com excepção de Bruno Tandane Langa, que também é acusado do crime de posse de armas proibidas (é proprietário de uma pistola e uma arma de caça), pesam sobre os três as acusações de chantagem, 4 crimes de falsificação de outros documentos, uso de documento falso, abuso de confiança, corrupção passiva para acto ilícito, associação para delinquir e branqueamento de capitais.

 

Diz o Ministério Público que com a demora do antigo  Presidente da República Armando Guebuza em responder à proposta apresentada pela sul-africana Batsetsane Thlokoane, Teófilo Nhangumele, que esteve presente no encontro de apresentação da proposta, na qualidade de amigo de Cipriano Mutota, abordou Bruno Tandane sobre o assunto para que este conversasse com o amigo Ndambi Guebuza, a fim de este último convencer o pai (Armando Guebuza) a aceitá-la.

 

No princípio, diz a acusação, o primogénito de Armando Guebuza manifestou algum receio de falar com o pai porque havia muitos empresários que procediam da mesma forma: entrar em contacto com ele (Armando Guebuza) para convencê-lo a aceitar as propostas por eles apresentadas, mas sem sucesso. Num segundo momento, Ndambi exigiu garantias de que ser-lhe-ia pago dinheiro como forma de fazer chegar a proposta da Privinvest ao pai. A exigência foi comunicada a Nhangumele, que por sua vez partilhou-a com o libanês Jean Boustany. Este garantiu que pagaria o suborno exigido.

 

Assim, três semanas depois de o documento ter sido entregue, Ndambi telefonou ao amigo Bruno Tandane a informar-lhe que a proposta tinha sido apreciada pelo pai, tendo deixado a implementação do projecto a cargo do SISE.Com o projecto aprovado e em execução, o Ministério Público diz que Nhangumele foi mantendo contactos com Jean Boustany (ao telefone e por e-mail), tendo acordado com este o pagamento de 50 milhões de USD para “massagear o sistema”, tal como tinha exigido Ndambi Guebuza. O valor foi definido em concertação com o amigo e oficial do SISE, Cipriano Mutota.

 

Para acompanhar de perto as negociações, Ndambi Guebuza exigiu que ele e seu amigo Bruno Tandane fossem incluídos nas viagens, o que foi aceite. Foi assim que ambos viajaram para Alemanha em Dezembro de 2011, e Abu Dhabi em Janeiro de 2012, com o propósito de avaliar as capacidades reais do fornecedor.

 

Nessas viagens estavam também integrados Teófilo Nhangumele e António Carlos do Rosário. Mas foi na viagem até Abu Dhabi que ficou esclarecido o assunto de distribuição do valor das comissões. Ficou assente que Nhangumele e Bruno Tandane ficariam com 8,5 milhões de USD cada, e Ndambi Guebuza com os restantes 33 milhões de USD. Nas negociações ficou ainda acordado que os três iriam partilhar o valor com os restantes “caloteiros”, com destaque para António Carlos do Rosário e Cipriano Mutota. Mas isso não aconteceu.

 

Para receber o dinheiro, os investigadores revelam que os três arguidos forjaram em Janeiro de 2012 dois contratos de consultoria e serviço, um deles subscrito por Nhangumele e Bruno Tandane, e o outro por Ndambi. A remuneração pelos ‘serviços’ prestados por aqueles caloteiros seria de 17 milhões de USD, enquanto os de Ndambi custariam 33 milhões de USD, conforme o esquema acordado.

 

Segundo o Ministério Público, os três também foram obrigados a abrir contas bancárias em Abu Dhabi, a fim de receberem o dinheiro. Para isso tinham de provar que mantinham um vínculo laboral com a Privinvest. Assim, Nhangumele obteve um visto de residência ‘constante’ (permanente), enquanto os outros foram atribuídos vistos de trabalho também permanentes.

 

Para viabilizar os pagamentos, a Privinvest emitiu uma instrução de ordem permanente aos bancos, onde estavam domiciliadas as contas dos três arguidos. Na mesma instrução de ordem permanente fazia-se referência aos procedimentos para transferências logo que fosse dada luz verde ao empréstimo do Credit Suisse referente ao contrato com a ProIndicus. Assim, os dois bancos transferiram imediatamente 60% do valor. Volvidos três meses transferiu 20%, e mais 20% passados seis meses.

 

Os investimentos de Bruno Tandane

 

Já em poder dos 8.5 milhões de USD, Bruno Tandane comprou em 2013 dois imóveis, um de tipo 3, na Av. Joaquim Chissano, ao preço de 220 mil USD, e outro de tipo 4, com três pisos, no valor de 1.500.000,00 USD. Para despistar a proveniência do valor, no pagamento dos dois imóveis, Tandane deslocou-se à Abu Dhabi por três vezes para levantar o dinheiro em numerário, pagando assim o primeiro imóvel.

 

Para o pagamento do segundo imóvel recorreu ao sistema HAWALA, que consiste na  transferência de 200 mil USD para uma casa de câmbios naquele país, a qual deu instruções a uma sua congénere (casa de câmbios) moçambicana para depositar 7 milhões de Mts na conta do arguido. Este transferiu aquele valor para o vendedor da casa. Acrescenta a acusação que para pagar o montante em falta, Tandane transferiu 1.300.000,00 USD da sua conta em Abu Dhabi para a conta do vendedor em Portugal.

 

Ainda no mesmo ano, Bruno Tandane comprou, do último indivíduo, uma casa de praia (na praia de Chizavane, província de Gaza), tipo 9, no valor de 350 mil USD, também pagos através de uma transferência bancária da sua conta de Abu Dhabi para a do beneficiário em Portugal. Entretanto, o imóvel seria vendido novamente ao anterior dono, por menos de 300 mil USD, ou seja apenas 9 milhões de Meticais.

 

Na análise do MP, o arguido não queria comprar aquele imóvel, tendo-o adquirido apenas como forma de trazer para Moçambique o dinheiro que guardava em Abu Dhabi. Regressado à capital moçambicana, Bruno Tandane voltou a comprar dois apartamentos, desta vez no Condomínio Garden Park na Cidade da Matola, por 500 mil USD cada, tendo mantido um em nome da vendedora. Para o pagamento dos dois apartamentos ordenou a transferência de 1 milhão de USD da sua conta em Abu Dhabi para a conta da vendedora na Turquia. Posteriormente, diz a acusação, vendeu um apartamento ao preço de 25 milhões de Mts, pagos em duas moedas (230 mil USD e 8 milhões de Mts).

 

Cansado de investir em Moçambique, Tandane comprou um imóvel tipo 3 em Nelspruit (África do Sul) no valor de 1.350.000 rands. Ainda naquele país, comprou 845 cabeças de gado bovino do tipo “brama”, ao preço de 1 milhão de USD. Para o pagamento transferiu da sua conta em Abu Dhabi para as contas dos vendedores. Também adquiriu, igualmente na África do Sul, uma vivenda tipo 4 ao preço de 1.100.000,00 USD. O método de pagamento foi o mesmo.

 

A vivenda também foi vendida, por 12.500.000,00 rands. Continuando a apostar na África do Sul, Tandane comprou neste país dois tractores, um ao preço de 300 mil rands e o outro por 520 mil rands. Adquiriu uma máquina enfardadeira a 350 mil rands, construíu um imóvel tipo 2 na sua quinta em Panjane, distrito de Magude (Maputo), para o que gastou cerca de 750 mil Mts. Vedou parte da referida quinta por 700 mil rands. Igualmente na África do Sul, comprou uma viatura de marca Ferrari ao preço de 470 mil USD, vendendo-a depois à mesma concessionária por 3.500 mil rands.

 

Com esse valor comprou dois camiões da marca Niassan, um de modelo UD 390, por 750 mil rands, e outro de modelo UD, que custou 440 a 800 mil rands. No ano 2014 comprou uma retroescavadora em Boane, e um buldózer a 71 mil USD. Para além destas aquisições, a acusação diz que Tandane transferiu da sua conta em Abu Dhabi para uma outra em Maputo 180.835,00 USD. Transferiu ainda da sua conta em Abu Dhabi para as suas irmãs 25 mil USD e 75 mil USD cada. Gastou parte do dinheiro em viagens para vários países.

 

Os gastos de Teófilo Nhangumele

 

Por sua vez, a acusação refere que Teófilo Nhangumele despendeu os 8.5 milhões de USD na compra de dois imóveis no Condomínio Garden Park, na Matola, no valor de 650 mil USD e 900 mil USD cada, numa operação feita através da sua conta de Abu Dhabi para a conta do vendedor na Turquia. Adquiriu outro imóvel tipo 3 na avenida Eduardo Mondlane ao preço de380 mil USD, numa operação também feita da sua conta em Abu Dhabi para a conta do vendedor na Turquia. Comprou outro imóvel tipo 3 na avenida Vladimir Lenine ao preço de 350 mil USD, numa operação feita desta vez da sua conta de Abu Dhabi para a conta do vendedor em Maputo.

 

Prosseguindo na sua senda de milionárias aquisições, e já cansado da área imobiliária, Teófilo Nhangumele comprou uma viatura da marca Mercedes-Benz, Modelo ML, na África do Sul, por 100 mil USD, tendo registado em nome da sua esposa. Adquiriu depois outra viatura de marca Land Rover, Modelo Range Rover Evogue, ao preço de 90 mil USD, registada em nome de uma sua filha. Comprou também um Land Rover, modelo Discovery, registado em seu nome. Adquiriu benfeitorias em Bilene, ao preço de 180 mil Mts.

 

Transferiu da sua conta de Abu Dhabi para outra em Maputo um total de 164.798,75 USD. Igualmente transferiu um montante de 179.940,00 USD da sua conta de Abu Dabhi para a conta de uma conhecida sua, com argumento de que o valor destinava-se à compra de um imóvel, quando na verdade era para meter o dinheiro em Moçambique. Ainda fez transferências para as suas contas bancárias domiciliadas em Moçambique, nos valores de 23 mil USD e 7.500.349,31 Mts.

 

Destino ‘secreto’ do dinheiro de Ndambi

 

Diferentemente do dinheiro dos outros arguidos, o de Ndambi Guebuza teve um destino ‘secreto’. O Ministério Público não conseguiu identificar as aplicações feitas pelo primogénito de Armando Guebuza com o dinheiro sujo do calote. (Abílio Maolela)

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