A situação em Cabo Delgado, norte de Moçambique, alvo de ataques, está longe de estar estabilizada e até se agravou nalguns distritos, apesar da melhoria junto aos projetos de gás, disseram dirigentes dos Médicos Sem Fronteiras (MSF) no país.
"Estamos longe da estabilidade em Cabo Delgado", referiu Helena Cardellach, coordenadora de emergência dos MSF em Cabo Delgado, classificando a situação como "uma grave crise, com muito sofrimento e deslocados", já acima de um milhão.
"É difícil de prever o que vai acontecer, mas o que é claro é que se este conflito acabasse amanhã, as necessidades estariam lá" durante muito tempo, até porque já existiam antes, referiu.
"Nalgumas partes da província, como Palma, a situação está um pouco mais estável", mas "noutras está a piorar", detalhou Federica Nogarotto, representante dos MSF em Moçambique.
Palma é o distrito onde estão os projetos de gás e que passou a ser guarnecido por tropas do Ruanda.
Olhando para a província no seu todo, não se pode "dizer que o número de ataques diminuiu" - apesar de a representante admitir que é preciso perguntar pelos números -, "ou que a quantidade de população em necessidade seja menor que há dois anos, isso de certeza".
Federica Nogarotto diz que há mais necessidades humanitárias, num cenário em que "o medo continua a movimentar as pessoas".
Dirigentes dos MSF falaram hoje num evento online para assinalar dois anos após o ataque a Palma, o mais mediático da insurgência que dura desde 2017 em Cabo Delgado.
O ataque feito por insurgentes paralisou os projetos de gás do consórcio liderado pela TotalEnergies, obras que alguns empreiteiros dizem que vão recomeçar em meados deste ano.
No resto da província, as famílias ainda fogem de lugar para lugar, porque quando pensam ter chegado a um local seguro, têm de tornar a fugir por causa de novos ataques e assim ninguém consegue recomeçar uma vida, assinalam os MSF.
"Estão sempre a tentar recomeçar do zero", sublinhou Helena Cardellach.
Há muitos milhares a regressar a alguns distritos, como Mocímboa da Praia, mas nestas zonas semidestruídas e reconquistadas aos insurgentes, faltam serviços básicos de saúde e outros.
Faltam tratamentos para a malária, HIV, tuberculose e há uma ausência de cuidados quanto à saúde mental, extremamente afetada, apontou Philip Aruna, dirigente regional dos MSF que acompanhou o regresso de famílias.
De uma forma geral, fora de Pemba (capital provincial) e Palma, a presença de serviços de saúde e de ajuda humanitária é reduzida e em muitos pontos do interior resume-se aos Médicos Sem Fronteiras.
A tarefa de atender à saúde da população dispersa e em fuga é "incomensurável", referiu.
Para as organizações humanitárias "os desafios são muitos".
Cabo Delgado "não é fácil", disse a chefe de missão, por causa da insegurança, das dificuldades logísticas -- há locais sem acesso, sobretudo durante a época das chuvas -, e da dispersão dos habitantes.
"Continuamos a ver o conflito, violência, pessoas sem acesso a água, a serem raptadas - com as consequências que isso tem -, a serem vítimas de violência sexual, sem serviços a saúde", ilustrou aquela responsável com vários retratos do que se testemunha no terreno.
Além disso, há outras emergências em Moçambique em que os MSF também atuam: tempestades e inundações, como o recente ciclone Freddy, e um surto de cólera em várias províncias.(Lusa)