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quinta-feira, 14 março 2019 07:58

Teodoro Waty arrasa pacote legislativo da Descentralização

“A proposta legislativa, se for definitiva aquela que foi partilhada, contém erros ortográficos, gramaticais, de sequência lógica, contrária à nova mas promitente legística moçambicana, e pretende erradamente ser uma tentativa de implantar neófita doutrina. As leis do pacote não constituem um fio condutor lógico e coerente, enfermando de escusadas repetições (na mesma lei e nas demais) que tornam ininteligíveis os comandos”, diz Teodoro Waty sobre o Pacote Legislativo da Descentralização, que vai a debate na Assembleia da República.

 

Para Waty, trata-se de “uma esperança adiada”, pois esperava-se que do pacote viessem respondidos, no mínimo, problemas de natureza vária como os de saber quais (i) as formas de controlo, decisão e responsabilização, (ii) dos recursos financeiros a disponibilizar, (iii) do património, (v) do endividamento, (vi) da(s) política(s) económica(s)1, (vii) da democracia interna a instalar nas instituições, (viii) dos direitos do homem, no que toca à liberdade e à prestação ou participação em cada nível descentralizado, (ix) dos conflitos decorrentes da inter-relação e coordenação, (x) dos conflitos de poderes financeiros, e (xi) da insuficiência da articulação do sistema jurisdicional.

 

O especialista em Direito acrescenta que “este pacote legislativo afora a lei do sistema eleitoral, longe de trazer a esperança da clareza e segurança jurídica e, porque não, política, vem carregado de sombras de dúvidas para o futuro da política, da administração e do Direito porque as formulações legais propostas, de modo imperfeito, não respondem adequadamente às dúvidas trazidas pela Constituição”, pois parece que o Governo não se deu conta da necessidade de considerar que: A República de Moçambique está com uma descentralização mais acentuada e complexa do que a ensaiada na abortada “distritalização” de 90 do século passado; os denominados Órgãos de governação descentralizada passam a ter território e população, antes pertencentes ao Estado e às autarquias; em 2024, Órgãos de governação descentralizada provinciais (os Conselhos Executivos províncias e os Governadores) vão dar-se conta de que não dispõem de território nem população e que não têm autoridade sobre os Administradores que estarão vinculados a programas sufragados pelos seus eleitores; O Secretário de Estado não pode superintender em Distritos, Postos Administrativos, Localidades e Povoações que, constitucionalmente, não mais existem como Órgãos Locais do Estado e entre outros. Expostos os argumentos, Waty remata que da descentralização preconizada na Constituição não se prefigura uma réplica da Administração Central para que se tomem decisões mais próximas dos administrados e mais adaptadas às necessidades locais. “A descentralização prevista consiste em criar ou reconhecer a existência de uma colectividade, distinta do Estado, no plano jurídico, beneficiária de uma personalidade moral e jurídica, titular de direitos e de obrigações, ao mesmo título das pessoas físicas”..

 

Na visão de Waty, as províncias e os distritos descentralizados não pertencem à administração indirecta, mas formalmente à autónoma. E mais adiante defende, juridicamente, que “sendo igualmente verdade que num Estado unitário, como é o caso de Moçambique, o Estado é a única autoridade disponente de poder constituinte, legislativo (ao menos o originário) e de poder jurisdicional, ao admitir a existência de entes descentralizados, o Estado assume-se sem órgãos locais, valendo saber se os Secretários de Estado não deviam ter sido previstos a fazer as vezes daqueles”. A dita descentralização, como foi desenhada, operou, segundo Waty, uma desmultiplicação que recorta, segmenta, estratcifica e divide em múltiplas territorialidades com contornos específicos, lógica própria talvez não adequada ao propósito interventor do Estado que parece subjacente do pacote legislativo. Isso pode ter uma implicação no futuro, pois “esta desmultiplificação de centros e periferias, feita através de desterritorialização provavelmente, venha a exigir a reterritorialização através da regionalização”.

 

No contexto deste pacote, futuramente, isso em 2024, daqui a cinco anos Moçambique apenas terá (três) níveis territoriais descentralizados: “Autarquias, Distritos e Províncias que exigirá um exercício de democracia em vestes novas que não pode operar em velhos odres, antes exigindo capacidade e tacto para gerir o diálogo e a tolerância, não como um favor que se faz aos outros, mas como um imperativo de sobrevivência política da espécie que quer exercer o poder”. O pacote legislativo possui pequenas “falhas”, tendo em conta que a perspectiva hermenêutica de Waty não demonstra o conhecimento, capacidade e vontade de um poder central verdadeiramente cúmplice de uma verdadeira e séria descentralização como expressão de uma nova e pujante democracia. “A descentralização é que foi ensaiada no pacote, concentrou-se na administração, esquecendo a planificação financeira que nos confronta com a capacidade de divisão por muitos de tão pouco ou quase nada”, conclui Waty. (Carta)

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