Está em curso, desde 2020, o processo de reassentamento da população afectada pelo projecto de exploração de areias pesadas na Ilha de Olinda, no distrito costeiro de Inhassunge, província da Zambézia, implementado pela mineradora chinesa, Africa Greet Wall Mining Development Company, Lda. Trata-se de um processo longo e tumultuoso, marcado por violência e até assassinatos, e que se apresenta insustentável a médio e longo prazo.
Entre os aspectos que tornam o reassentamento da Ilha de Olinda insustentável, a médio e longo prazo, está o facto de a população ter sido reassentada a pouco mais de 50 metros do local de mineração, o que a torna exposta aos impactos ambientais decorrentes da actividade mineira. Os resultados deste facto, diga-se, já são visíveis, havendo casas que já apresentam rachas, devido à movimentação de máquinas e camiões de grande tonelagem, que transportam os minérios até à doca-seca.
Também há que destacar o facto de as casas terem sido implantadas numa área de mangal, caraterística principal daquela zona insular, o que deixa algumas residências cercadas de águas das chuvas e as ruas inundadas. Algumas famílias, como de Marcelina Ângelo, queixam-se do entupimento precoce das suas fossas sépticas devido à proximidade do lençol freático, facto que lhes obriga a satisfazerem as suas necessidades fisiológicas nos mangais.
Aliás, a condição do terreno do povoado de Olinda obrigou a mineradora chinesa a importar solos para a construção das casas, porém, a medida já foi reprovada pela natureza: a areia, retirada da praia, foi arrastada pelas águas das chuvas, destapando a “lama” que cobre na totalidade os solos daquela região.
Faira Jeta, técnica do Departamento de Recursos Minerais e Energia, nos Serviços Provinciais de Infra-estruturas da Zambézia, reconhece que o reassentamento de Olinda é insustentável, pois, ao longo do tempo, há possibilidade de as marés invadirem aquela região, no entanto, assegura que o Governo não teve escolha, senão acatar o desejo da população, que era de permanecer naquele local.
Segundo Jeta, que acompanhou todo o processo de reassentamento de Olinda, os “ilhéus” deviam ter sido reassentados na localidade-sede de Chirimane, na parte continental de Inhassunge, mas estes fincaram o pé que não iam sair de Olinda.
Mesmo posicionamento é partilhado pelo Secretário Permanente do distrito de Inhassunge, Abdul Libir, que assegura ter-se feito o possível para tornar aquele reassentamento sustentável e à altura das necessidades da população. “Nós fizemos tudo que estava ao nosso alcance para garantir um reassentamento transparente”, afirmou Libir.
Luís Salimo, Líder Comunitário de Olinda, justifica que a população escolheu ficar em Olinda para poder estar perto do mar, uma das suas principais fontes de rendimento, assim como não perder totalmente as suas terras.
“O Governo não negociou connosco. Apenas nos veio dizer para sairmos, por isso a população negou sair da sua terra. Se tivessem negociado connosco, talvez teríamos saído”, sublinha Salimo.
Tumultos marcaram a fase de auscultação pública
O povoado de Olinda integra uma área de 16.5 mil hectares concessionada à Africa Great Wall Mining Development Company Lda., de capitais chineses, para a extracção mineira de titânio, Ilmenite e zircão. A área foi concessionada em Outubro de 2014 e inclui os povoados de Maquival, Micaune, Mocupia-sede e Dea, nos distritos de Chinde, Inhassunge e Nicoadala.
Entretanto, só em 2018 iniciou o processo de reassentamento da população de Olinda, sendo que em 2019 foi assinado um memorando de entendimento entre a comunidade e a mineradora chinesa para a construção das primeiras 20 casas. Trata-se de um memorando que a população diz ter sido assinado à força, resultante da pressão que recebera do Governo.
Segundo Luís Salimo, a população não negociou as condições de reassentamento, mas, sim, foi imposta pela empresa, em conivência com o Governo, que mobilizou agentes da Polícia (Unidade de Intervenção Rápida) para intimidar a população.
Aliás, em Julho de 2018, houve registo de tumultos em Olinda, que culminaram com o assassinato de um cidadão, identificado por Ernesto João. “Até hoje, não sabemos em que situação está este caso. Nunca fomos comunicados nada pelas autoridades”, afirma Salimo, sublinhando, no entanto, que a relação entre a população e a Polícia melhorou desde o início da implementação do reassentamento.
O Procurador-Chefe provincial da Zambézia, Fred Jamal, afirma que o Ministério Público já abriu um processo-crime contra a mineradora chinesa. O processo foi instaurado no início do segundo semestre de 2021 (três anos após a ocorrência) e que, neste momento, encontra-se na fase de instrução preparatória. Não detalhou quem são, especificamente, os implicados e nem as razões que levam a exclusão dos agentes envolvidos no assassinato de Ernesto João.
Para além de mortes, houve também relatos de feridos e de detenção de alguns membros da comunidade, alegadamente por incitarem à violência. Trata-se de um período em que a Polícia era apontada como responsável pela implementação forçosa do projecto.
Aliás, apesar de Salimo garantir haver uma boa relação entre a comunidade e a Polícia, o facto é que a corporação continua estacionada naquele ponto do país. Neste momento, a brigada é composta por membros da Unidade de Intervenção Rápida (UIR), da Polícia de Protecção e da Polícia Costeira, Lacustre e Fluvial. Ao que apuramos, a referida força visa inviabilizar qualquer tentativa de manifestação por parte da população.
Aliás, à nossa chegada, a nossa equipa de reportagem foi recebida por um agente da UIR, que se encontrava à paisana. Encontramo-lo na entrada do bairro de reassentamento, tendo sido nosso “guia” até à casa do Líder Comunitário. “Carta” só soube que se tratava de um agente da Polícia, quando se recursou a conceder entrevista. Minutos depois, apareceu um segundo agente da UIR. Porém, ambos não impediram a realização do nosso trabalho, mas marcaram presença em todos os locais onde “Carta” visitou.
Quatro famílias ainda por reassentar
Neste momento, 79 famílias estão reassentadas em Olinda, havendo ainda quatro famílias por reassentar. Cada uma das 79 famílias recebeu uma casa T3, com uma casa de banho e cozinha exteriores. Também foram erguidos um furo de abastecimento de água, uma mesquita, uma moageira e um mercado. Foi igualmente contruída uma ponte cais para a atracagem de canoas.
No entanto, estes empreendimentos não acalmam os corações da população. Arcanjo Guerreiro afirma que a empresa prometeu distribuir redes de arrasto aos pescadores daquela comunidade, porém, até ao momento, a promessa ainda não foi cumprida.
“Também houve promessa de electrificação do nosso bairro, mas continuamos sem energia. Prometeram construir igreja, mas não estamos a ver. O que estamos a ver é que a população ficará de mãos vazias, enquanto os chineses tiram os nossos recursos”, atirou Guerreiro, que se dedica à pesca.
Para além destas promessas, a população queixa-se ainda de não ter sido indicada a área para o cultivo. “Estamos a viver mal porque desde que a empresa nos tirou as machambas, ainda não nos indicaram onde devemos cultivar”, afirma Helena Bobone, que diz viver apenas de negócios.
“O negócio também não anda porque não há dinheiro. Agora tenho dificuldades de alimentar a minha família”, acrescenta a mulher, que lidera uma família constituída por seis elementos.
“Eu tenho machamba, mas está muito distante. Não é possível chegar a pé, é preciso dinheiro para apanhar canoa e motorizada”, afirma Marcelina Ângelo, mãe de seis filhos e chefe de família. “Se a empresa nos pudesse dar uma oportunidade de emprego, seria uma boa coisa porque íamos ganhar alguma coisa para alimentar a família”, acrescenta.
O Líder Comunitário de Olinda explica que a pesca é, neste momento, a principal actividade de rendimento, sendo que as mulheres se dedicam apenas aos trabalhos domésticos por falta de ocupação. “Outras vivem de biscates. Ajudam alguns comerciantes a carregar os produtos, quando chegam os barcos que vêm de Quelimane”, revela Luís Salimo.
Com a terra a não permitir a produção de arroz, mandioca, feijões e batata-doce, culturas que eram produzidas antes do arranque da actividade mineira, a população dedica-se agora ao plantio de cana-de-açúcar para matar a fome.
Outras promessas não cumpridas relacionam-se com a construção de uma escola e um centro de saúde. “O que fizeram foi reabilitar uma escola que já tínhamos. A nova escola e o centro de saúde ainda não foram construídos”, sublinha Arcanjo.
Entretanto, se algumas promessas não foram cumpridas, outras foram realizadas, mas sem sucesso. São os casos da moageira, que se encontra inoperacional; do furo de água, cuja fonte já se encontra seca; do barco de emergência, que foi devolvido por estar podre; e do mercado, que se encontra abandonado.
“Não nos consultaram quando construíram aquele mercado [com capacidade para acolher 28 vendedores]. Nós temos um mercadinho aqui no interior do bairro, que está muito bem movimentado porque grande parte da população vive lá no interior. A empresa construiu o mercado na entrada e, como resultado, ninguém vai lá vender”, afirma o Líder Comunitário.
“Devolvemos o barco porque estava podre. Apenas o motor estava bom”, acrescenta Luís Salimo, defendendo que a falta de água se deve à existência de um outro furo aberto pela mineradora para a limpeza das areias.
No entanto, os Serviços Provinciais de Infra-estruturas da Zambézia dizem não conhecer o referido barco (podre), pois, até onde se sabe, o barco oferecido à população é de fibra e não de madeira. Afirmam ainda que o problema da falta de água pode estar relacionado com o lençol freático das zonas costeiras, que em algumas ocasiões apresenta pouca água e, noutras, água salobre.
Faira Jeta explicou à “Carta” que o reassentamento é feito em blocos, tendo em conta também a exploração, facto que justifica a existência de quatro famílias que ainda não foram abrangidas pelo reassentamento.
Quanto à construção de escola e centro de saúde, a responsável afirmou que estas infra-estruturas sociais são erguidas de acordo com o número de famílias abrangidas. Em Olinda, por exemplo, o projecto de exploração de areias pesadas abrangeu 83 famílias.
Uma ilha onde só se chega de canoa
A Ilha de Olinda é cercada por riachos, na sua maioria profundos e cobertos de mangais. Tal como o rio dos Bons Sinais, que separa a cidade de Quelimane e o distrito de Inhassunge, os caudais dos referidos riachos são influenciados pelo comportamento do mar, pelo que, em alguns momentos, registam uma maré alta.
O acesso à Ilha de Olinda é feito através de canoas e/ou de pequenas embarcações a remo, feitas na base de madeira. As canoas, que transportam um máximo de quatro pessoas por cada viagem, fazem a ligação Chirimane-Olinda, enquanto os barcos a remo fazem o trajecto Quelimane-OIinda, geralmente transportando produtos alimentares.
A viagem de canoa (Chirimane-Olinda) é feita em aproximadamente 30 minutos e custa 25 Meticais, enquanto a viagem de barco (Quelimane-Olinda) chega a durar cerca de 24 horas. Porém, nem sempre os passageiros chegam ao destino. Em Junho de 2019, por exemplo, uma embarcação que saía de Quelimane para Olinda naufragou no rio Indjundji, tendo matado 15 pessoas, das 16 que estavam a bordo. Já em Maio de 2017, uma pessoa morreu em resultado do naufrágio ocorrido no rio Chirimane, na travessia Olinda-Chirimane.
A reportagem da “Carta”, que esteve em Olinda, viveu o drama do transporte que caracteriza o dia-a-dia daquela comunidade. À ida, embarcamos numa canoa, que transportava quatro pessoas, incluindo o tripulante e, no regresso, viajamos num barco a remo, que transportava seis pessoas, incluindo dois tripulantes.
Aliás, embora o barco oferecesse mais tranquilidade, foi este meio de transporte que nos pregou dois momentos de susto: primeiro encalhou no mangal, quando os tripulantes tentavam montar a vela para aproveitar a força do vento (a vela permite o barco imprimir maior velocidade e poupar, consequentemente, o esforço da tripulação). Pouco tempo depois, abanou quando os tripulantes tentavam desviá-lo para o local de desembarque.
Do lado de Olinda, a Africa Great Wall Mining Development Company Lda. construiu uma ponte cais, de pequena dimensão, para a atracagem de canoas e barcos, mas não fez o mesmo do lado de Chirimane, onde o embarque e desembarque de passageiros e bens são realizados numa área lamacenta.
A população de Olinda afirma que a mineradora chinesa nunca mostrou qualquer preocupação com a forma como as pessoas são transportadas. O único gesto testemunhado pela população foi a entrega de um barco de emergência para o transporte de doentes, mas que já foi devolvido por estar podre.
Quem não quer arriscar a sua vida nas canoas, solicita os barcos da empresa mineradora. É desta forma, por exemplo, como membros do Governo distrital, provincial e até central se deslocam até à Ilha de Olinda sempre que desejam realizar alguma actividade de fiscalização ou mesmo política.
Mesmo mecanismo é adoptado, quando se pretende chegar à Localidade-sede de Chirimane, onde também não se pode chegar de carro, devido à intransitabilidade da estrada Chirimane-Boane. Lembre-se que a Africa Great Wall Mining Development Company Lda. prometeu reabilitar a referida via, mas as obras encontram-se abandonadas.
O Secretário Permanente do distrito de Inhassunge disse à “Carta” que a mineradora, que vestiu a capa de empreiteiro, abandonou a obra, alegando que não estava em condições de executar a obra. Porém, os Serviços Provinciais de Infra-estruturas afirmam não entender as razões que levaram a mineradora a tornar-se empreiteira, pois, o Governo distrital de Inhassunge havia lançado um concurso para contratação de um empreiteiro.
O Procurador-Chefe Provincial da Zambézia reconhece que a empresa chinesa tem falhado em matérias de responsabilidade. Já os Serviços Provinciais de Infra-estuturas garantem que têm aconselhado os governos distritais a prestarem atenção aos valores anunciados pelas empresas para a responsabilidade social, de modo a monitorarem devidamente as acções realizadas.
Olinda ainda não recebeu o valor dos 2,75%
Para além de não contar com o apoio da empresa mineradora, o povoado de Olinda também não conta com o apoio do Estado. De acordo com o número 1, do artigo 20, da Lei nº 20/2014, de 18 de Agosto (Lei de Minas), “uma percentagem das receitas geradas para o Estado pela extracção mineira é canalizada para o desenvolvimento das comunidades das áreas onde se localizam os respectivos empreendimentos mineiros”. A referida percentagem é de 2,75% e é canalizada anualmente, através do Orçamento de Estado.
Contudo, a Conta Geral de Estado de 2021, por exemplo, não apresenta qualquer transferência à Comunidade de Olinda. Mesma situação verifica-se no Orçamento de Estado de 2022, que não prevê a transferência de qualquer valor àquele povoado.
O Secretário Permanente do distrito de Inhassunge disse tratar-se de um assunto que lhe ultrapassa, pois, é tratado a nível central. Por seu turno, o Director dos Serviços Provinciais de Economia e Finanças da Zambézia, Lucas José Jackson, negou abordar a questão com a nossa reportagem, encaminhando-nos aos Serviços Provinciais de Infra-estruturas.
Os Serviços Provinciais de Infra-estruturas negaram assumir a responsabilidade pela ausência de transferências à comunidade da Ilha de Olinda, alegando não ser, de facto, da sua competência. A instituição forneceu dados que, por um lado, revelam que a Africa Great Wall Mining Development Company Lda. não canalizou qualquer imposto ao Estado em 2019, proveniente da exploração de areias pesadas em Olinda e, por outro, mostra que a mineradora chinesa pagou 47.814.600,00 Meticais, em 2020, e 112.599.600,00 Meticais em 2021, em impostos.
Isto é, se em 2021 não havia condições de se transferir o valor referente aos 2,75% pelo facto de a mineradora chinesa não ter pago os impostos, em 2022 era suposto que o valor constasse do Orçamento de Estado, tendo em conta que a empresa canalizou pouco mais 47.8 milhões de Meticais aos cofres de Estado, em resultado da extracção de areais pesadas na Ilha de Olinda.
Refira-se que “Carta” não conseguiu falar com os responsáveis da mineradora chinesa e nem com os Serviços Provinciais do Ambiente da Zambézia para apurar os danos ambientes resultantes das actividades em curso. (Abílio Maolela, em Inhassunge)