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sexta-feira, 08 julho 2022 07:38

Carta ao Leitor: A evasão de Milange, a falha da Kida e a entrada em cena da PGR

A Ministra Helena Kida falhou os seus prazos de conclusão do inquérito sobre o baleamento mortal de 5 reclusos que se evadiram da cadeia distrital de Milange, a 13 de Junho.


A 20 de Junho ela deu-se um prazo de entre 10 a 15 dias. O prazo falhou e seu Ministério está no silêncio. 

 

Mas o incumprimento do prazo até foi bom. Foi bom porque Kida evitou apresentar-nos um manto de retalhos apressado sobre as falhas operacionais ocorridas num decrépito estabelecimento prisional, cheio de detidos famintos, aprisionados sem Justiça. Seria um relatório dissecando, isoladamente, apenas um dos elementos da cadeia de valor da Administração da Justiça em Moçambique, um documento que acabaria por culpabilizar unicamente o guarda que disparou para conter uma evasão em massa de mais de 200 reclusos, tentando fazer o que lhe competia: usar o último meio em sua posse para “salvar a honra” do SERNAP.


Não sabemos se esse inquérito isolado do SERNAP foi abandonado de todo. Ninguém diz nada! Cada vez mais a ética da comunicação pública nos sectores estatais está ruim. 

 

O que sabemos é que, para colmatar o julgamento de Helena Kida em sua própria causa, a Procuradoria Geral da República (PGR) entrou em cena, estando neste momento a inventariar em todos os estabelecimentos prisionais do país os casos de detidos com prazos de prisão preventiva expirados.


Há muito que se sabe que nossas prisões estão apinhadas de pilha-galinhas nessas condições, incluindo meninos encontrados a fumar "cannabis sativa", que em países normais são enviados para centros de reabilitação pagos pelo Estado mas em Moçambique são empilhados nos corredores de morte das nossas prisões. 

 

Esse levantamento está a decorrer há cerca de duas semanas e, em Maputo, é liderado pela procuradora Amabélia Chuquela. O exercício surge em boa hora.
Não responde especificamente às circunstâncias específicas da evasão e assassinatos em Milange, mas aborda o "big picture" das falhas estruturais do sistema de administração da Justiça em Moçambique. 

 

Milange, diga-se, foi uma ilha num mar de incúria, desleixo e violação dos direitos humanos perpetrada pelo Estado.

 

Mas Milange foi também um basta! Um basta porque a tragédia fez desencadear o exercício da PGR, embora o mesmo tenha sido apenas posto em prática depois de uma entidade da comunicação social (Carta de Moçambique) e outra da sociedade civil (Centro de Integridade Pública) terem exigido com veemência que:

 

i) os Termos de Referência do inquérito sobre Milange deviam abranger mais do que a avaliação operacional do SERNAP, mas o papel de todos os actores da máquina da Justiça para se encontrar resposta sobre uma questão em particular: o que fez com que uma cadeia como a de Milange aprisionasse mais de 200 reclusos, a maioria com prazos de prisão preventiva?

 

ii) porque é que até hoje em Moçambique o instituto das penas alternativas de prisão não é posto em prática?

 

Na semana passada, “Carta” procurou junto da PGR obter detalhes sobre o exercício em curso. Como sempre, a instituição fechou-se em copas. Porquê? Para não cair no ridículo de reconhecer que sua atitude nesta matéria é reactiva (e não proativa).


Seja como for, este levantamento em curso surge em momento oportuno, mesmo que tardiamente. O que esperamos é que ele seja compreensivo e eficaz. E para que essa eficácia se verifique é preciso que seus resultados sejam palpáveis, que não fiquem apenas no papel. E que Milange seja, simbolicamente, o primeiro lugar em Moçambique onde o instituto das penas alternativas de prisão vai começar a ser aplicado. (Marcelo Mosse)

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