Reina um clima de tensão no Posto Administrativo da Maluana, distrito da Manhiça, província de Maputo, por conta da detenção de nove indivíduos indiciados de terem assassinado sete pessoas, das quais duas por suspeita de roubo de gado bovino numa aldeia do Posto Administrativo de Pessene, distrito da Moamba, denominada por Matchitche.
Trata-se de uma situação que não só afecta as autoridades locais, que diariamente veem uma multidão a lotar a sede do Posto Administrativo da Maluana exigindo a libertação dos seus ente-queridos, mas também a qualquer indivíduo que escala aquele ponto do distrito da Manhiça.
“Carta” esteve esta quarta-feira na aldeia de Chicumbulana, na sede do Posto Administrativo da Maluana, atrás de pistas que levaram ao assassinato de quatro civis e três agentes da Polícia na semana finda. No entanto, no lugar de ter respostas, a nossa reportagem foi confrontada com perguntas e desconfianças sobre a sua proveniência e acerca das reais intenções da sua presença.
“Quem tu és? Vens donde? És jornalista mesmo? De que televisão? As pessoas que foram enterradas também não estavam fardadas, mas estavam armadas. Quem nos garante que não és Polícia?”. São algumas das perguntas que se ouviam com frequência em cada casa em que entrávamos para colher informações em torno daquele crime hediondo.
Santos Chirindza, Líder Comunitário daquela aldeia, disse que a desconfiança deriva da desgraça que abalou a sua comunidade, em geral, e a sua família, em particular. Revela que seis membros da sua família foram detidos por suspeita de terem participado na execução daquele crime hediondo, mas que, segundo ele, não passam de meras vítimas.
Aliás, como resultado da desconfiança, a população de Chicumbulana foi orientada a não falar com qualquer estranho à comunidade. Até a notícia da nossa presença na aldeia espalhou-se à velocidade da luz, facto que deixou parte da população preparada para nos receber, mas sem aceitar dar qualquer informação ao nosso jornal.
Devido ao ambiente de tensão instalado naquele ponto do país, a Polícia da República de Moçambique (PRM) destacou uma brigada da Unidade de Intervenção Rápida (UIR) para ajudar a conter os ânimos da população. A brigada está acampada no Posto Policial da Maluana e é responsável também por manter a segurança da sede do Posto Administrativo da Maluana e de outros edifícios do Estado.
Esta quarta-feira, as autoridades tinham agendado uma reunião com a população, mas até às 15:00 horas, hora em que deixamos o local, ainda não tinha iniciado. A reunião visava discutir o recurso à justiça popular para resolver o crónico problema de roubo de gado bovino.
Um crime ocorrido na Moamba, cujos corpos foram enterrados na Manhiça
À “Carta”, Chirindza garantiu que a aldeia de Chicumbulana não esteve envolvida nos dois casos de assassinato, mas pagou o preço de ter bloqueado a viatura que transportava as vítimas. Conta que a sua comunidade foi alertada sobre a fuga de um grupo de indivíduos que eram indiciados de pertencer a uma quadrilha de roubo de gado bovino e, na inocência, afirma, a população ajudou a imobilizar a viatura e mandou regressa-la ao local do crime.
Mesma versão é contada pelo Chefe do Posto Administrativo da Maluana, Juvenal Sigaúque, que garante que o Posto Administrativo da Maluana apenas foi o cemitério escolhido pelos autores do crime para se desfazerem dos corpos. Afirma ainda que Maluana acaba sendo vítima deste caso pelo facto de ser o principal ponto de acesso àquela aldeia do distrito da Moamba. Matchitche dista a quase 15 Km da EN1 e a mais de 45 Km da EN4. Já Chicumbulana localiza-se a cerca de 12 Km de Matchitche e pouco mais de 3 Km da EN1.
No entanto, o bloqueio da viatura e a consequente ordem de regresso a Matchitche foram fatais. Cinco indivíduos, dos quais, três agentes da Polícia (dois Sargentos e um Primeiro Cabo) foram torturados, amarados e enterrados vivos. Trata-se de indivíduos que escalaram a aldeia de Matchitche, na Moamba, com o objectivo de exumar os corpos dos supostos dois ladrões de gado bovino, que também foram enterrados vivos na noite de domingo (19 de Junho).
Segundo Juvenal Sigaúque, as duas pessoas que foram torturadas e enterradas vivas na noite do dia 19 (e não dia 20), em Matchitche, eram indiciadas de roubo de três cabeças de gado bovino. Os indivíduos faziam parte de um grupo de quatro indivíduos, sendo que dois conseguiram escapar. Para além de matar as duas pessoas, a população de Matchitche incendiou a viatura em que os supostos meliantes se faziam transportar.
No dia seguinte, segunda-feira (dia 20), a família das vítimas tomou conhecimento da ocorrência e, na terça-feira (dia 21), dirigiu-se ao Posto Policial da Maluana, onde submeteu a queixa e pediu, consequentemente, ajuda para a exumação dos corpos. No entanto, o Chefe do Posto Policial local não deu provimento ao pedido, alegando não ter tido conhecimento do caso.
Inconformados com a resposta, os familiares das vítimas regressaram à Maluana na quarta-feira (dia 22) com um grupo de três agentes da PRM. Ao que apuramos, os três agentes pertenciam ao Posto Policial de Magoanine “C”, na cidade de Maputo. Na Maluana, os três agentes da PRM (que se encontravam à paisana) juntaram-se a outros dois, destacados a nível local para ajudar nas buscas.
Para se deslocarem ao local, os cinco indivíduos alugaram uma viatura com tracção às quatro rodas de um indivíduo que reside na sede do Posto Administrativo da Maluana. Chegados ao local, contaram com o apoio de um militar afecto a um quartel que está na região de Macandzene, zona limítrofe entre os distritos da Manhiça e Moamba.
Segundo o Chefe do Posto Administrativo da Maluana, as buscas não surtiram qualquer efeito, para além do cerco de que o grupo foi vítima por parte da população local, quando pretendia retirar-se da mata densa que cobre a aldeia de Matchitche. Sigaúque acredita que, durante as buscas, a população estava a monitorar a situação, tendo agido após se aperceber que o grupo não conseguiu localizar os túmulos.
Dos nove indivíduos que estavam na viatura, cinco acabaram sendo assassinados, tendo subido para sete, o total de pessoas torturadas, amaradas e enterradas vivas, em três dias, na aldeia de Matchitche. Os restantes integrantes da comitiva (o motorista, o militar e os dois agentes da PRM de Maluana) escaparam por serem conhecidos pela população, segundo garantias dadas pelo Líder Comunitário de Chicumbulana. A fonte conta ainda que a população arrancou duas armas de fogo (do tipo pistola) das mãos dos dois agentes à paisana.
A nossa reportagem apurou que os cinco indivíduos foram enterrados na mesma vala, porém, três pessoas estavam deitadas e duas foram enterradas de pé. Apurou ainda que entre os mortos não há qualquer militar.
Os corpos dos cinco indivíduos enterrados vivos no dia 22 (quarta-feira) foram exumados na passada terça-feira por equipas do Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC) e da Medicina Legal. Em conexão com o caso, nove indivíduos foram detidos na semana finda e as suas prisões preventivas foram legalizadas esta quarta-feira, segundo Henriques Mendes, porta-voz do SERNIC, a nível da província de Maputo.
Segundo Mendes, os nove detidos é que indicaram o local onde as cinco vítimas foram sepultadas, o que indicia que os mesmos tenham participado do caso. A fonte garante que as equipas operativas estão no terreno a trabalhar para esclarecer o caso. Aliás, uma brigada do SERNIC esteve na manhã de hoje no Posto Policial da Maluana com o objectivo de reconstituir este crime hediondo.
Quatro vítimas pertencem à mesma família
Das sete vítimas, quatro são membros da mesma família, segundo José Nhanombe, irmão de um dos supostos ladrões de gado bovino, cujo corpo ainda não foi encontrado. À “Carta”, Nhanombe, que se encontrava na Morgue do Centro de Saúde da Manhiça à espera de reconhecer os corpos de duas das vítimas já exumadas, contou que dos primeiros assassinados estão o seu irmão e o seu primo. Já no segundo grupo, estavam o seu sobrinho e o seu cunhado. Garante que todos eram civis.
À nossa reportagem, José Nhanombe contou que se encontrava na província de Cabo Delgado, quando recebeu a triste notícia da morte do seu irmão, assim como do seu primo. Afirma que, de seguida, pegou nas suas trouxas e regressou a Maputo, mas enquanto estava em trânsito para a capital do país soube que o sobrinho e o cunhado, que tentavam recuperar os dois primeiros corpos, também foram assassinados.
Nhanombe disse não saber como a família teve conhecimento que os seus ente-queridos haviam sido assassinados por suspeita de roubo de gado bovino e muito menos conseguiu explicar os motivos que levaram o seu irmão e o seu primo àquela aldeia do distrito da Moamba. Contudo, espera que a justiça seja feita e que as autoridades continuem a trabalhar para localizar os outros dois corpos.
Comunidade fala de roubos à luz do dia, mas as autoridades dizem não ter conhecimento
Santos Chirindza, Líder Comunitário de Chicumbulana, conta à “Carta” que o roubo de gado bovino e caprino, no Posto Administrativo da Maluana, é uma realidade e culpa a Polícia de pouco estar a fazer para combater este mal. A fonte afirma que, devido à inoperância da Polícia, alguns roubos já são feitos à luz do dia.
Chirindza afirma que o caso já foi apresentado às autoridades, mas nada é feito para o seu combate. Defende ainda a substituição do Chefe do Posto Policial local por entender que este não tem desempenhado correctamente o seu papel.
“Os ladrões que roubam em Matchitche passam por aqui, mas ninguém faz nada. Também nos roubam bois e cabritos, mas ninguém faz nada”, disse Chirindza.
No entanto, o Chefe do Posto Administrativo da Maluana afirma que, desde a sua chegada àquela região do distrito da Manhiça, em Agosto de 2021, nunca foi apresentado qualquer caso de roubo de gado e que, mesmo este, só foi do conhecimento público devido às suas consequências.
Juvenal Sigaúque afirma que a população prefere fazer a sua própria justiça que confiar na justiça dos Tribunais, facto que justifica a ausência desses registos a nível do seu Gabinete de Trabalho.
O Chefe do Posto Policial da Maluana negou falar à “Carta”, alegando que toda a comunicação da Policial é feita a nível do Comando Provincial. A mesma justificação foi apresentada pelo Comando Distrital da PRM da Manhiça. Já o Comando Provincial da PRM de Maputo empurra o assunto para o SERNIC que, entretanto, diz ainda não ter dados concisos para partilhar com a comunicação social. (Carta, em Maluana)