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quinta-feira, 23 junho 2022 06:28

"Carta" entrevista Silva Livone, que fala do terceiro mandato de Nyusi: “Quem deve dizer não é a OJM, é a Frelimo”

SilvaLivone OJM min

Estão “dissipadas” as dúvidas sobre o posicionamento da Organização da Juventude Moçambicana (OJM), braço juvenil da Frelimo, em torno do possível terceiro mandato de Filipe Jacinto Nyusi, na presidência da República, cujo segundo e último, em termos constitucionais, termina a 15 de Janeiro de 2025.

 

Em entrevista à “Carta”, o recém-eleito Secretário-Geral da OJM, Silva Livone, lavou as mãos em torno do polémico apoio da organização a um possível terceiro mandato de Filipe Nyusi na condução dos destinos do país. Esclareceu que a sua organização nunca manifestou apoio à continuidade de Nyusi na presidência da República, mas sim na liderança do partido.

 

“Não somos uma ilha. Quem deve dizer não é a OJM, é a Frelimo. A OJM é da Frelimo. Portanto, quando se fala do terceiro mandato, não se pode falar apenas com a OJM, tem de se falar com a própria Frelimo sobre o que pensa em relação a um possível terceiro mandato do Presidente da República”, disse Silva Livone, garantindo que a sua organização irá cumprir todas as decisões que forem tomadas pelo partido.

 

Natural do distrito de Mocuba, província da Zambézia, Silva Livone, que, à data da sua eleição, era Director de uma Escola Primária, abriu as portas do seu Gabinete de trabalho para falar dos projectos que tem para a juventude da Frelimo. Propõe-se a internacionalizar a OJM; cumprir a agenda do rejuvenescimento da organização; e torná-la auto-sustentável.

 

Leia os excertos desta conversa.

 

Desde 21 de Maio, que é Secretário-Geral da Organização da Juventude Moçambicana (OJM). Até à data da sua eleição, era praticamente uma figura “desconhecida” no panorama político nacional. Pode nos traçar o seu percurso político até à data da sua eleição?

 

Silva Livone (SL): Entrei na OJM, em Mocuba, em 2006, através de uma mobilização feita na Praça dos Heróis, durante as comemorações do dia 3 de Fevereiro. De seguida, fui eleito Secretário do Núcleo da OJM, a nível da Escola Industrial e Comercial 1º de Maio de Quelimane [onde frequentou o curso de serralharia mecânica], no quadro dos preparativos do IX Congresso da Frelimo [realizou-se em Novembro de 2006, na Cidade de Quelimane]. Em 2009, quando voltei a Mocuba, fui eleito Secretário do Comité de Círculo da OJM, no bairro Acordos de Lusaka e, em 2012, fiquei no Comité de Zona de Mugeba [distrito da Zambézia, onde iniciou a sua carreira de docência], onde fui presidente do Conselho de Jurisdição e membro de Comité de Zona do partido. Gradualmente, fui crescendo e, em 2015, fui eleito Secretário para Organização e Formação de Quadros da OJM do distrito de Mocuba. Já em Outubro do mesmo ano, fui eleito Secretário para Mobilização e Propaganda do Comité Provincial da OJM da Zambézia. Em 2020, tornei-me membro da Assembleia Provincial da Zambézia, onde desempenhei as funções de porta-voz da bancada da Frelimo até à data da minha eleição.

 

Pelo resumo do seu percurso político, é fácil entender que nunca ocupou qualquer cargo nos órgãos centrais da OJM. Como chega a este cargo e terá constituído surpresa a sua eleição?

 

SL: Surpresa, como tal, não! Mas também não é um projecto que desenhei há cinco ou um ano. Entretanto, Deus opera milagres. Até ao princípio deste ano, não tinha em mente. Mas tinha a visão porque era Secretário para Mobilização e Propaganda do Comité Provincial da OJM da Zambézia e as Sessões do Comité Central da OJM, às vezes, eram alargadas aos Secretários Provinciais das áreas e, muitas vezes, eu vinha como parte integrante da chefia da delegação da Zambézia. Então, eu tinha privilégio de interagir com camaradas de outras províncias e fui-me afirmando assim mesmo. Quando os camaradas propuseram o meu nome, em princípio, neguei porque não tinha agenda de dirigir a organização. Mas depois entendi que era uma causa e, quando a Frelimo nos chama, temos o dever de cumprir. Portanto, os camaradas confiaram. Foi um processo pelo qual não fiz muito esforço. Foi um processo tranquilo e, na minha vida, foi um momento de sucesso e realização.

 

Pode nos dizer porque aceitou este desafio, já que não estava na sua mente dirigir a OJM?

 

SL: Quando fui abordado sobre o assunto, primeiro disse que estava bem na província, porque era porta-voz da bancada da Frelimo na Assembleia Provincial. Era também Vogal do Conselho Nacional da Juventude [uma organização juvenil “apartidária”, mas controlada pela Frelimo] e também tinha os meus projectos pessoais. Entretanto, os camaradas depois me convenceram que devia avançar e, porque sentia ter algo a partilhar, acabei assumindo o desafio. Fui bem-recebido pelos camaradas em Maputo e continuam a acarinhar-nos bastante.

 

“Quando ainda se está a cozinhar os candidatos, não se pode anunciar”

 

Fala de uma eleição “tranquila”, mas o que chegou à imprensa, após o Congresso, contraria as suas palavras. Alega-se que os candidatos que disputaram a eleição (Silva Livone e Gemésio Cândido) não estavam na lista de membros que manifestaram vontade de assumir este cargo. Como explica estes factos e que influências estão a ter na sua liderança?

 

SL: De facto, os jornais escreveram, mas num processo eleitoral sempre há muitas expectativas e a imprensa, às vezes, não entende a forma de articulação interna dos partidos políticos. No nosso partido, há etapas de uma candidatura e, geralmente, há grupos de opinião que, antes de algumas etapas, atiram alguns nomes e quando se vai ao terreno, às vezes não é aquela pessoa. Mas a Frelimo e a OJM têm as suas regras e temos a fase de pré-candidatura, em que se verifica, por exemplo, a questão da idoneidade; segue-se a candidatura, que é submetida aos órgãos da organização e depois aos órgãos do partido para aprovação pela Comissão Política; depois é que o candidato deve sair fora para ser conhecido pelo público. Portanto, quando ainda se está a cozinhar os candidatos, por disciplina partidária, não se pode anunciar que sou candidato. Aliás, a eleição interna não é passível de campanha eleitoral porque visa apenas revitalizar os órgãos.

 

Sente algum apoio por parte dos membros, sobretudo os que foram afastados da corrida?

 

SL: Sem dúvidas. O nosso partido está todos os dias a acompanhar-nos e, brevemente, teremos a eleição dos membros de Secretariado ainda em falta e depois a indução dos membros dos órgãos a nível central e provincial. O Presidente [Filipe Nyusi] nos tem apoiado, portanto, não há motivos de reclamação. Na Frelimo, quando ultrapassamos o processo, esse fica fechado e todos nós abraçamo-nos e caminhamos com a nova liderança.

 

“Nossa prioridade é garantir sustentabilidade da OJM”

 

Que projecto político Silva Livone tem para a juventude da Frelimo? O que se propõe a fazer durante o seu mandato?

 

SL: Primeiro, cumprir integralmente as orientações do camarada Presidente, que são de cumprimento obrigatório. A primeira está relacionada com a sustentabilidade da OJM. Será difícil, mas temos de lutar para cumprir esta orientação. Segundo, temos o rejuvenescimento, de modo a termos os quadros da organização dentro da idade. Nós temos muitos jovens no país e o que é necessário é nos organizarmos para avançarmos na linha da mobilização, de modo a trazermos aqueles jovens de 15 aos 18 anos de idade para os órgãos da OJM. Queremos ter uma OJM equilibrada e não de 35 e 36 anos de idade. Também precisamos de nos restruturarmos dentro da OJM: refiro-me ao material de trabalho (cartões de membros, estatutos e bandeiras) para a propaganda. Não fica bonito, um órgão de base não ter cartões para distribuir aos seus membros; ou que numa sede distrital, não haja uma bandeira da organização hasteada. Queremos também trabalhar para termos uma representação da organização na diáspora. Temos membros da OJM que estão no estrangeiro a estudar. Também queremos garantir a vitória da Frelimo nas eleições autárquicas e gerais. Então, são esses os desafios.

 

O que está a falhar para que haja situações de falta de material de propaganda e o que pensam em fazer para internacionalizar a organização?

 

SL: Sobre a internacionalização da nossa organização, iremos trabalhar com o Ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação para perceber de que forma podemos fazer. Depois, iremos trabalhar com as ligas juvenis dos partidos-amigos da Frelimo, como a Liga Juvenil do ANC, do Partido Comunista Chinês, entre outros partidos, para buscar membros no estrangeiro. Em relação ao material de propaganda, depende na nossa sustentabilidade. Se criamos alguns negócios, que possam rentabilizar a organização, podemos produzir cartões sozinhos. Neste momento, dependemos de contribuições dos membros, de doações de parceiros e de donativos do partido. Portanto, precisamos, primeiro, de tornar a organização auto-sustentável para o funcionamento interno (pagamento de serviços e pessoal de apoio) e depois para o trabalho de mobilização.

 

Pode nos dizer em que situação estão as contas da OJM? Onde pensa em ir buscar o dinheiro para tornar a organização auto-sustentável?

 

SL: Vou-me reservar a dizer em que situação financeira estamos e onde iremos buscar o dinheiro. Mas temos parceiros que nos estão a apoiar. Sabemos que não podemos iniciar negócios de prestação de serviços ao Estado e nem de restauração, por exemplo, porém, podemos organizar eventos para produção de receitas. Também podemos trabalhar com a agricultura para a geração de receitas, porque quando ela é bem organizada, é possível ter sucesso. O que queremos é que a nossa organização seja sustentável desde o nível central até à célula. Queremos deixar de ser uma organização de mão estendida. Os membros do núcleo devem ter capacidade de comprar água, quando estiverem reunidos.

 

Qual é o orçamento da OJM? Qual é a saúde financeira da organização?

 

SL: A saúde financeira está boa. Mas não posso avançar qual é o nosso orçamento. Ele é de consumo interno. Mas sobrevivemos de donativos do partido, contribuições de parceiros e da quotização.

 

Os membros têm pago, de facto, as quotas?

 

SL: Essa parte é complicada, mas estamos agora a aprimorar os métodos de pagamento porque o actual ainda é um pouco tradicional. Às vezes, os membros não pagam porque esperam que alguém vá cobrá-los e, às vezes, cobramos em momentos inapropriados. Portanto, precisamos de melhorar a estratégia de cobrança de receitas. Também precisamos de consciencializar os membros sobre a importância do pagamento de quotas. Precisamos também de melhorar a transparência na gestão das quotas, porque os membros precisam de ver onde foi aplicado o seu dinheiro.

 

Está a assumir que há situações de corrupção na gestão das quotas?

 

SL: Geralmente, os membros pagam as quotas quando há um processo eleitoral porque é um requisito básico para a pessoa concorrer a qualquer cargo de chefia. Mas, durante o período de vigência do mandato, já não pagam ou pagam quando necessitam de ter o comprovativo.

 

“Queremos investir na mobilização de jovens dos 15 aos 18 anos de idade”

 

E como está a correr o processo de rejuvenescimento? Quantos membros da OJM já deviam estar fora da organização?

 

SL: Primeiro, estamos a organizar-nos para sabermos quantos somos e que idade cada um tem, de modo a apurarmos quantos membros estão na idade da juventude e quantos já extrapolaram. Trata-se de um processo muito aturado, mas já estamos a trabalhar nesse aspecto. Queremos investir na mobilização de jovens dos 15 aos 18 anos de idade, porque entendemos que são estes que vão dar continuidade da organização e do partido. Mobilizar um jovem de 34 anos é um esforço quase perdido, porque este não vai servir a OJM por muito tempo.

 

Não há riscos de clivagens neste processo de rejuvenescimento, tendo em conta as lutas pelo poder que existem na organização?

 

SL: Tal como dizia o Presidente Samora Machel, temos de ser os primeiros no sacrifício e os últimos no benefício, pelo que os nossos membros e antigos membros estão conscientes de que, depois de servir a organização, vão ao partido. Portanto, se és um quadro de qualidade, não há razões de não brilhar no partido. Aliás, a Frelimo nunca esquece os seus quadros, quando tem oportunidades, por isso há camaradas que ficam no anonimato, mas que depois são resgatados quando há uma tarefa específica para eles. Portanto, penso que não haverá desconforto por parte dos camaradas que estão a sair.

 

Como olha para a limitação de idade imposta aos membros para se concorrer aos cargos de direcção. Não se estará a limitar e até violar os direitos que os membros têm de dirigirem a organização?

 

SL: A filosofia do rejuvenescimento entende que não podemos ter pessoas fora dos 35 anos na organização. É 35 anos, intervalo fechado. Só podem ser dirigentes desses órgãos, membros desses órgãos. A limitação para 30 anos é para permitir que este dirija a organização até à idade-limite, de modo a não termos situações em que a organização tenha de convocar um escrutínio extraordinário para a eleição do sucessor. Aliás, temos tido situações em que os líderes das organizações juvenis moçambicanas não são deixados participar em eventos internacionais por questões de idade, porque geralmente limitam a idade dos participantes. Portanto, o processo de rejuvenescimento é bem-vindo.

 

 “Quando se fala do terceiro mandato, tem de se falar com a própria Frelimo”

 

A OJM manifestou o seu apoio ao terceiro mandato de Filipe Nyusi na liderança do partido. Mas o debate social está relacionado com a presidência da República. Qual é o posicionamento da organização em relação ao terceiro mandato do presidente Nyusi na liderança do país?

 

SL: Sobre o terceiro mandato, o que fizemos foi reafirmar a decisão do segundo congresso da OJM, que é de apoiar o camarada Presidente no Congresso e acreditamos que será eleito a 100% pelos delegados indicados ao congresso. Nós vamos trabalhar para isso e não temos receio porque na Frelimo só temos um presidente e, quando se candidata à sua sucessão, deve ser reeleito. Trata-se de um princípio ideológico e de disciplina partidária. Quanto ao mandato do Estado, isso não compete à OJM e nem à Frelimo. Existem órgãos do Estado. Se, em 2023, caminharmos nessa direcção, nós, a OJM, vamos avançar.

 

 

Mas a OJM apoia o terceiro mandato de Nyusi na Presidência da República?

 

SL: Nós não somos uma ilha. Quem deve dizer não é a OJM, é a Frelimo. A OJM é da Frelimo. Portanto, quando se fala do terceiro mandato, não se pode falar apenas com a OJM, tem de se falar com a própria Frelimo sobre o que pensa em relação a um possível terceiro mandato do Presidente da República. Nós cumprimos as orientações do partido.

 

Os antigos presidentes da República e da Frelimo, Joaquim Chissano e Armando Guebuza, disseram que não ouviram o apoio da OJM ao terceiro mandato de Filipe Nyusi. Dito isto por dois históricos da Frelimo, que leitura o SG da OJM faz? Estará a OJM a ser ignorada?

 

SL: Não prestei atenção à reportagem [divulgada pela STV], mas penso que os nossos camaradas presidentes honorários têm razão. Não ouviram da OJM a se falar de um possível terceiro mandato no Estado. O que eles ouviram é que a OJM vai apoiar o camarada presidente para sua reeleição para mais cinco anos no partido. Já esta polémica sobre o Estado, é justo que eles tenham dito que «não ouvimos a OJM a dizer isso»

 

No último Comité Central da Frelimo, Filipe Nyusi disse haver necessidade de o país pensar sobre a viabilidade das eleições distritais, previstas para 2024. Não estará Filipe Nyusi a assumir o fracasso deste processo de descentralização?

 

SL: O modelo de descentralização, em Moçambique, não é um fracasso. Pelo contrário, é um ganho. O que estamos a dizer é que precisamos de consolidar este modelo, de modo a sabermos como se irá materializar no nível distrital. Temos de entender que a Constituição foi alterada, num momento de muita pressão, em que se tinha de avançar com o processo de DDR (Desarmamento, Desmobilização e Reintegração dos homens da Renamo). Portanto, não nos podemos forçar a entrada num frasco onde não é possível entrarmos. Penso que devemos começar a pensar nesse aspecto. Está na Constituição, mas podemos adiar a sua materialização. Isso é possível. Precisamos, primeiro, de aprimorar o processo de descentralização de nível provincial antes de entrarmos no nível distrital. (A. Maolela)

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