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Adelino Buqueeeee min

“As declarações do Embaixador da União Europeia em Moçambique são, na minha opinião, uma autêntica “brutalização” da consciência colectiva dos africanos. Desde quando a União Europeia se preocupa com as relações humanas e culturais com os países africanos? Uma coisa é reunir com os dirigentes africanos, oferecer-lhes boa estadia e tirarem fotos de família e, de regresso à África, prometer mundos e fundos que nunca chegam. Por acaso a União Europeia tem algum acordo com a União Africana para a circulação de pessoas e bens? Quando existe um acordo de circulação de bens é quando há carência desses bens na Europa e, quando a situação se normaliza, accionam a cláusula de “barreiras técnicas” para impedir a entrada destes.



Fala de 7 mil milhões de euros para melhorar a segurança alimentar em África até 2024, sendo que já foram desembolsados 3 mil milhões. Estou com uma “lupa” procurando onde foram usados esses tantos milhões e não consigo ver. Senhor Embaixador, o assunto Rússia - Ucrânia é vosso, não procurem meter os africanos nesse barulho. Por acaso ouviu a reacção da Ucrânia quando África se ofereceu para mediar o conflito? Chega! África é habitada por homens e mulheres e não por crianças grandes.”



AB



“Trabalhamos todos os dias para tornar a parceria União Europeia – União Africana (EU – UA) mais forte e mais próxima dos Povos de África e da Europa. O nosso contacto diário é prova de que a relação entre Europa e África é feita de laços humanos, culturais, geográficos e económicos, sem paralelo e não de encantamentos, promessas e afirmações. Na 6ª Cimeira União Europeia – União Africana, em Fevereiro de 2022, mais de 80 líderes de África e da Europa reuniram-se em Bruxelas para adoptar uma agenda ambiciosa e reforçar uma parceria de paz, segurança, solidariedade e prosperidade baseada na igualdade, no respeito e na compreensão mútua.”



Antonino Maggiore, in Carta de Moçambique, Edição 1175 de 01 de Agosto de 2023.



Caro Embaixador da União Europeia em Moçambique, quando diz: “As acções dizem mais que as palavras, exemplo da parceria União Europeia – União Africana e, sobretudo, quando evoca que as relações são feitas de “ laços humanos, culturais, geográficos e económicos” me parece dizer meia verdade. Por aquilo que tenho apreciado através dos vários órgãos de comunicação, quer nacionais quer internacionais, a União Europeia pretende, de forma unilateral, beneficiar dos recursos de África. A União Europeia serve-se do servilismo dos dirigentes africanos para continuar a espoliar seus recursos naturais de que Europa é carente.


As últimas “dissidências” de Países Francófonos, que mantiveram uma relação de carácter umbilical com a França, é o exemplo de um despertar de áfrica para a realidade que nos pode levar a uma nova “Colonização” por via económica. Essa procura de “ruptura” dos países africanos com a França mostra, de forma clara e cristalina, que a França continuou a subjugar os interesses desses países africanos, interessando-se, de forma exclusiva, pelos seus recursos naturais, tanto que até alguns países europeus não se identificaram com tamanha barbaridade Francesa. Este é um exemplo e, pelo que sei, a França é um dos países da UE mais activos.



Senhor Embaixador da União Europeia em Moçambique, Antonino Maggiore, quando se refere a relações humanas, quer dizer exactamente o quê?! Pretende dizer que os espanhóis estão bastante felizes com a presença de pretos no seu território, que os trata bem como tratam os seus próprios concidadãos? Está a dizer que a “Xenofobia” que se vive em alguns países da União Europeia é pura ficção! Que mensagem exactamente nos pretende deixar porque, pessoalmente, vejo e sinto o quanto as pessoas não europeias são tratadas naquele continente, com destaque aos pretos.



O senhor Embaixador vai longe, ao falar de relações culturais. Admitir a ida de uma banda africana para algumas sessões na Europa significa necessariamente relações culturais enraizadas ou simples acções de natureza comercial que beneficiam os organizadores? Sim, porque essa ida tem-se regido por prévios acordos comerciais. Ainda não ouvi, pode ser que esteja ultrapassado, um grupo cultural, sem cunho comercial, ser convidado para divulgar a cultura africana na Europa. Não ouvi até então uma feira de gastronomia em qualquer que seja País da União Europeia. Tratemos as coisas pelos nomes Senhor Embaixador.



A União Europeia precisa de África para espoliar seus recursos e, para tal, injecta alguns dolarzitos, de longe, ínfimos em relação ao proveito que pretende tirar da África. Qual é o País africano que beneficiou dos valores da “quota de poluição?” Quem polui o mundo através da exploração industrial? Já não estamos no tempo de ouvir “sandices” e ficarmos calados e ou agradecer porque a União Europeia aprovou 400 milhões de Euros para o Orçamento do Estado para 2024. De 2016 a esta parte, o que acha que os sectores sociais em Moçambique viviam? Pena porque os nossos governantes mantêm uma distância no seu relacionamento com os governados porque seria o Governo a dialogar com o seu povo e a encontrar formas de sair dos problemas existentes. Em parte, Senhor Embaixador, a vossa estratégia está a funcionar bem, isolar o Governo do seu povo e tirar benefícios dessa situação. Mas tenham cuidado porque África está a despertar para a actual realidade. Não aceitaremos a nova “Colonização” Senhor Antonino Maggiore. Basta!



Adelino Buque

quinta-feira, 03 agosto 2023 07:10

As bestas da Praça

Edna Juga
O mundo cae em desgraça,
com as grandes bestas que ocupam a praça,
aliciam belezas cheias de graça,
para dar-lhes um amanhã sem esperança.

 

Ouvimos só um lado da história,
onde uma ela é sempre a escória,
reduzida para uma irrisória,
eternizada como uma vagabunda na memória.

 

Ah, sim sim,
é mesmo assim,
num contexto frenesim,
elas terminam sem fim.

quarta-feira, 02 agosto 2023 10:56

Os Números e Letras de um Inconformado

Incaracterístico ostentar o nome Anjo. Serve, temporariamente, para tratar os bebés, depois desaparece. Quem, em adulto, continua sendo anjo tem outros pergaminhos. As famílias auguram por mensageiros para a ligação com os seres celestiais. Essa é a função dos anjos. O notável Professor António Batel Anjo era dos poucos Anjosregistados em cartório. Fez questão de não usar nunca o sobrenome. Gostava mesmo era de Batel. Fazia jus a sua postura e carácter. Afinal, ele sempre foi obstinado e predestinado a uma versão oposta a santidade. Jamais aceitou a submissão eviveu com vontades próprias, com uma voz que corporizava o oposto a normalidade. Era essa pessoa de multifacetados talentos, aptidões e a própria equação de um matemático, ensaísta, poeta e, curiosamente, personagem singularmente altruísta e pedagogo.

 

Um inconformado pesquisador, que não completou nenhum ciclo de vida. Nas suas tangentes, seu fôlego para empreender e encetar novas ideias e projectos era demasiado grande. Vivia um pouco para a frente do seu tempo. Uma corrida sprint, com rasgos de fundo e meio-fundo. Viveu como partiu, apressado. Ansioso por descobrir um novo arco-íris para colorir e resolver as múltiplas questões associadas à fraca qualidade do ensino em Moçambique e na terra que o viu nascer, essa antiga e tão nossa metrópole domesticada. Peregrinou em busca de alternativas à disfunção dos infixáveis dados estatísticos, à falta de critério e rigor nos números, na simbologia entre as datas e os eventos científicos, e nos temores que a matemática gerou nas crianças e adolescentes.

 

Batel nasceu gigante na sua fisionomia. Se tornou descomunal na forma de pensar. Um anjo metodicamente desproporcional e distanciado de todos os Deuses. Excepção era feita à Pitágoras, seu Deus e alguém que simplificou os códigos e padrões matemáticos. Os gregos acreditavam que a matemática era divina e vinha para salvar a humanidade e que as equações serviriam para cuidar da alma dos fiéis. Batel era, igualmente,apóstolo do teorema que defendia que as forças da natureza, a terra, o sol, a lua, os mares, os rios e o vento só existiam porque tinham a matemática na sua essência.

 

Na correria, e no método, quis fazer da sua peregrinação essa vida de adições, subtracções, multiplicações e divisões. Usou a versatilidade das letras para fazer uma coreografia de letras e sonhos. Na sua irreverência, questionou métodos, conceitos e verdades apresentados em relatórios de instituições de todas as geografias. Era avesso aos dados adquiridos de que a verdade absoluta provinha do hemisfério Norte. Rabiscou e reviutodos os relatórios e, de forma fugaz, questionou suas validades. Testou as incongruências, recorreu à dúvida metódica cartesiana para se assumir como filósofo da vida. 

 

Batel quis deambular pela triangulação sobre as principais datas que o transportavam para outras galáxias. Uma espécie de triângulo que não eraacutângulo nem isósceles, muitos menos escaleno ou obtuso. Agora, sou eu quem revisita essas datas que o marcaram e que fizeram todo o sentido na criação da trilogia mais importante de sua carreia. Naturalmente, salvaguardo as datas de aniversários e outras mais pessoais. Estas,convenhamos seriam as institucionais e comemorativas.

 

Começo pelo 10 de Novembro, dia mundial da ciência para a paz e para o desenvolvimento. Data, tantas vezes, ignorada ou despercebida pelo cidadão mais comum e, igualmente, invulgar para tantos que aspiram aos diplomas universitários. O 10 de Novembro o motivava a trabalhar com grupos pequenos de estudantes, para que eles aprofundassem o seu conhecimento sobre os segredos da ciência e, principalmente, sobre as novidades da tecnologia.

 

Nos vários momentos de celebração e exaltação da ciência, tivemos o privilégio de beneficiar das feiras de robótica nas escolas. Centenas de alunos aprenderam a montar e usar robots e, de sobra, ficaram com os equipamentos para as suas escolas. Não teria dúvidas em afirmar que estes foram os mais profícuos, proficientes e extraordinários eventos que, alguma vez, foram organizados nas escolas. Os jovens competiram, aprenderam, ensaiaram e descobriram o segredo do branco, como diria a mãe de Eduardo Mondlane.  

 

O 8 de Novembro é o dia de celebração de STEM(Science, Technology, Engineering and Math ou Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática, em português). Apesar de ter começado como uma data restrita aos Estados Unidos, rapidamente, esta efeméride ganhou contornos globais. Batel inovou e chamou a si a responsabilidade de corporizar esta celebração para o nosso calendário nacional. Assim, entendendo o terror que a matemática significava para os alunos e estudantes das nossas escolas, e da terra que o viu nascer, decidiu que o STEM deveria ser divulgado, entendido e interpretado. Desta forma lançou, antes de partir, a revista STEM+L, um ponto de confluência de dois grandes temas da Ciência – o STEM e a Língua Portuguesa, nas suas vertentes literárias e artísticas.

 

Tinha a consciência do que diziam alguns relatórios e estudos globais. No início dos anos 2000, foi revelado que os alunos americanos não tiveram resultados positivos nas avaliações internacionais nas disciplinas STEM, na mesma proporção que os de outros países. Conclusões óbvias. Consequências imprevisíveis se o país tivesse de competir na economia global com uma força de trabalho mal preparada.

 

Os países com menores níveis de investimento nestas matérias, incluindo os EUA, ocupavam lugares pouco honrosos em avaliações de competência e conhecimento científico. O assunto era de natureza tão séria que persuadiu o Congresso norte-americano a deliberar por uma nova postura em relação a literacia tecnológica e,principalmente, ao ramo das ciências exactas. Esta é postura de países que entendem que a economia baseada no conhecimento, e impulsionada pela constante inovação, não se alheia e nem negligencia os avanços da IX revolução científica industrial. 

 

Então, a insistência no STEM para Moçambique era a única forma de sinalizar que, também, este país que almejávamos próspero e desenvolvido, tenha de perseguir uma base da inovação que favoreça uma força de trabalho dinâmica, motivada, funcionalmente educada e munida de competências. A redução da carga de disciplinas gerais, para que a matemática pudesse ser obrigatória em todos os níveis e subsectores do ensino tem de ser mais que uma pretensão. Acreditava, de forma irredutível, que com os computadores e a robótica, num estágio ainda tímido, se poderia motivar e entusiasmar os jovens para um modelo de matemática mais lúdico, prático e apelativo. Aprender brincando e jogando fazia total sentindo.

 

Por alguma razão o nosso Professor era apologista do 19 de Outubro. Dizia, vezes sem conta, em alto e bom som, que era mais fácil recordar a data em que Samora Machel seguiu para a eternidade do que, propriamente, quando viu à luz do sol pela primeira vez. Ele entendeu, como poucos, o momento revolucionário em que Machel viveu e a sua forma peculiar de liderar os processos educativos. Decisões arrojadas. Educação como prioridade fundamental.

 

Batel escreveu, nesses textos soltos que um dia reuniremos em livro, que das palavras aos actos vão, por vezes, distâncias incalculáveis, mas, a liderança perdurará e se manterá, tão necessária e vital, para que os objectivos da sociedade sejam alcançados. Criticar, pensar de forma diferente, ter ideias novas é tudo o que uma liderança deve produzir. Esse o legado e o pensamento de uma sociedade que se quer dinâmica e forte, nas suas convicções sociais. Não vale a pena falar de desenvolvimento se não estivermos socialmente estruturados. Como, também, não faz sentido abordar sobre a educação, se não existe umasociedade democrática para lhe dar respaldo.

 

Batel era inconformado consigo mesmo. Depois de uma temporada na Universidade de Aveiro, emigrou para Moçambique. Esta foi a sua segunda pátria. Aqui viveu como qualquer cidadão nacional, longe de privilégios, próximos das vicissitudes e aporias, porém sempre comprometido com as diferentes causas educativas e sociais. Serviu como consultor no Ministério da Educação. Mas, foi, sobretudo, o mesmo docente e arrojado motivador científico.

 

Moçambique, assumia, detém um complexo sistema educativo, prenhe de descontinuidades e insolúveis problemas. Este universo de mais de oito milhões de alunos, treze mil escolas, mais de quarenta mil professores, continua um espaço onde a vontade de aprender continua tão férrea e fugaz, que mesmo sem infra-estrutura ou mínimo de conforto, mantém as crianças atentas e consequentes. Falta tudo menos vontade. Mas, são as premissas e as ausências de vontades políticas que condicionam os processos educativos. A mudança ainda será possível.

 

Ele quis aproveitar, com o seu entusiasmo, essa oportunidade única para ajudar a pensar e estruturar as metodologias de ensino, rever os manuais, procurar parcerias e criar projectos. O Projecto Pensas, com apoio do Instituto Camões, era um do projecto com o seu timbre, e foi implementado com muito sucesso, para milhares de alunos e outras centenas de professores e docentes. Trabalhou, analogamente, na revisão e concepção de compêndios de ciências exactas. Partiu ciente de que os alunos que não aprendiam;os professores não ensinavam e os gestores faziam de conta. Motivar estes grupos continua sendo urgente e imprescindível. 

 

Algumas vezes mais desconsolado e outras menos, abordava a formação docente como algo que não poderia ser equivalente a formatação. Qualquer espaço de formação não poderia ser umafábrica de moldes, onde as peças teriam de sertodas iguais, e as que apresentassem algumadiferença, ou defeito, não deveriam ser postas de lado, destruídas ou transferidas para o armazém das inutilidades.

 

Ele era um adepto convicto de Manuel Castells;revisitava as teorias educativas de Pierre Bourdieue de Paulo Freire; delirava com os textos de José Saramago. Terminava seus emails com a seguinte frase: O heróico de um ser humano é não pertencer a um rebanho. Lia Fernando Pessoa, Eduardo White, Sophia de Mello Breyner Andresen, Noémia de Sousa e José Craveirinha, Eduardo White e Rui de Noronha. Para Batel Anjo, inequivocamente, o terreno da formação não deveria ser um processo mecânico, antes, um processo orgânico que permitisse o desabrochar da identidade e das capacidades de cada um. Isto só poderia acontecer se os professores se transformassem nos impulsionadores do talento dos seus alunos, e as escolas num espaço onde os jovens encontrassem inquietações reais, e as perseguissem. As inquietações teriam de se converter em paixões. 

 

Batel fazia tudo com pressa e paixão. Nas cumplicidades que alimentaram nossos serões quase tertúlicos, muito cibernéticos, me enviava um poema para encerrar a troca de ideias. O último poema foi sugestivo. Teve um sentido de despedida quando sentiu que carecia de mais cuidados. Anos antes, ele havia beneficiado de um tratamento mais cuidado na África do Sul. Sabia, então, que a sua saúde exigia cuidados redobrados. Porém, nada me fez acreditar que não voltaríamos a fazer agendas, a projectar bienais e nem sequer organizar as feiras de robótica. Não realizaríamos mais minutos de ciência viva e nem traríamos, juntos, os alunos de tantas escolas secundárias que não devem sequer saber que ele não regressará as feiras de Astrobot.

 

Igualmente, me recusei aceitar que nunca mais teria um outro email com iluminadas propostas e desafios. Gravei, em memória, o último poema da nossa última conversa.

 

Na Primavera já não me encontras

 

Cansado do sol que não me aquece

 

Não, não sei se resisto muito mais

 

A falta de um abraço que me enlouquece. 

 

Este poema de despedida antecipava uma partida anunciada. Sobreviver as pandemias e fazer as despedidas por outras patologias para as quais a vida ainda busca soluções.

 

Nem um beijo, nem sequer me despeço

 

Quero que o longe seja o infinito

 

Não espero em mais nenhuma estação

 

Hoje decidi, não vivo mais para ti no final de cada tertúlia.

 

Quis revisitar estas memórias na época em quem que procurava as palavras certas para dizer um adeus. As palavras que nos acompanham para a eternidade não possuem o mesmo significado. O silêncio substituiu todos os algarismos e equações. As fracções e a álgebra que servem de elevador para dias mais iluminados. 

 

Agora renascemos a Bienal. Trouxemos o Batel Anjo de volta as nossas salas. Ele continua aqui presente, fazendo a sua apresentação, transpirando e exigindo as melhores condições para os seus estudantes, sempre. 

 

A Osuwela e a Universidade Pedagógica do Maputo foram o seu último local de trabalho. Se orgulhava de poder ajudar e fazer da sua faculdade um local distinto e de excelência, aberto e interactivo. A prova deste amor incondicional gerou esta bienal. Oxalá que toda a poesia sirva para alimentar e fertilizar os jovens e capacita-los para um novo mundo de descoberta e de paixão. (X)

terça-feira, 01 agosto 2023 12:18

À espera do próximo ciclone!

MoisesMabundaNova3333

Julho já se foi e, ciclo da natureza, segue-se o Agosto. E, assim, estamos na segunda metade do ano. É o tempo correndo. E correndo depressa. Segundo a enciclopédia dos tempos que correm, a Wikipedia, na física, o tempo é considerado como a grandeza física directamente associada ao correcto sequenciamento, mediante ordem de ocorrência, dos eventos naturais; estabelecido segundo coincidências simultaneamente espaciais e temporais entre tais eventos e as indicações de um ou mais relógios adequadamente posicionados, sincronizados e atrelados de forma adequada à origem e aos eixos coordenados do referencial para o qual se define o tempo.

 

Acrescenta que, definido desta forma, o tempo parece algo simples, mas várias considerações e implicações certamente não triviais decorrem desta, mostrando mais uma vez que este companheiro inseparável de nosso dia-a-dia é mais misterioso e subtil do que se possa imaginar. Medir o tempo envolve geralmente bem mais do que apenas justapor um relógio a um evento e anotar sua indicação.

 

À parte a interessante definição de tempo, a que apenas recorremos para avivarmos o nosso intelecto, algo sempre necessário, certo é que a nossa época fria já está em fase descendente. Para a frente, aproxima-se a época quente, chuvosa, ciclónica, de inundações; de destruições, de perda de bens, culturas e de muitas infra-estruturas. Em suma, de muito sofrimento. Tem sido assim nos últimos seis, sete anos.

 

Para Novembro, quando a época chuvosa ganha mais forma e intensidade e portanto propensa a ciclones e inundações, faltam aí três, quatro meses. Um olhar para trás, vemos aí Fevereiro e Março, três, quatro meses atrás, quando o país era, exaustiva e insistentemente, fustigado pelo ciclone Freddy. Para aqueles com memória fraca, vale lembrar que o ciclone Freddy devastou o nosso país por duas dolorosas jornadas: a primeira foi de 6 a 24 de Fevereiro, tendo afectado severamente a província de Inhambane. Não satisfeito, depois de penetrar até algures no vizinho Zimbabwe, voltou a atazanar o nosso território, sobretudo nas províncias da Zambézia e Tete, de 2 a 14 de Março; isto é, depois de cerca de sete dias após a primeira passagem.

 

As destruições e todo o rol de danos e sofrimentos infligidos aos moçambicanos ainda se fazem sentir  no dia-a-dia dos concidadãos e estão muito bem vivas nas nossas memórias!

 

Mas antes, de 19 a 23 de Janeiro, tínhamos sido fustigados pelo ciclone Cheneso na província de Nampula. Ainda que tenha sido de categoria 1, as marcas de destruição e de sofrimento estão bastante  bem visíveis.

 

Causa uma certa indignação e espanto quando não vemos nem ouvimos acções concretas vigorosas, céleres e consistentes no sentido de nos prepararmos melhor para o sempre  pior cenário que vem aí com a nossa época chuvosa. Pior ainda, quando sabemos que de 2019 a esta parte fomos assolados por cerca de vinte ciclones!

 

Depois de uns três a quatro meses do Freddy, criamos uma comissão nacional para as mudanças climáticas, não má ideia. Ficou mais de um mês para se reunir pela primeira vez depois que foi nomeada… e mais nada! Pelo contrário, o Zimbabwe, que nem sofre ciclones com tanta frequência e intensidade quanto nós, depois de sentir o Freddy, foi equipar-se com  perto de  dez helicópteros… esse Zimbabwe que já esteve mergulhado e ainda enfrenta grave crise económica.

 

Compreendo  que… não temos  dinheiro e temos muitos problemas/desafios  financeiros na mesa, como ouvimos todos os dias. Mas,  às vezes, não parecemos ter problemas de dinheiro e daí a incompreensão total  e completa dos médicos e dos professores.

 

Mas, fora o ter ou não ter dinheiro, parecemos aquele preguiçoso changana que tem uma cabana que, quando cai a chuva, o seu tecto admite água; quando a chuva passa, não mais se põe a cobrir melhor a sua palhota e só volta a lembrar-se de que tem que cobri-la bem com a chuva seguinte!

 

Assim, estamos à espera da próxima chuva/ciclone!

Renato Caldeira
O Zimpeto nasceu pressionado pelo “show” que o país pretendia dar ao continente e ao mundo em realizar os Jogos Africanos de 2011, após a desistência da Zâmbia. Faltavam então três anos quando se abraçou a iniciativa. Dinheiro para a aventura, dizia-se, não faltava. Além disso, ficaríamos com um estádio, uma piscina olímpica e uma cidadela desportiva imponente, para as gerações vindouras.
 
Às pressas, com os chineses a liderarem, passou-se à prática o arrojado projecto. O primeiro passo? Localização. Tchumene, Matola e outros locais, foram equacionados. “De caras”, a pensar numa utilização e rentabilização futura, o espaço central na Matola, onde agora se situa o edifício central do Município, era o ideal.
 
Foi a proposta principal, mas não passou. Porquê?...
 
Outros valores então se levantaram, provavelmente para encher certos bolsos, o que acabou por inviabilizar a escolha. A realidade está agora a demonstrar que o desporto nacional e o país foram lesados. O espaço junto ao novo edifício da edilidade matolense continua desocupado, após a instalação da iluminação e tubagem para um projecto que não teve (ou não tinha?) “pernas para andar”. Sabe-se agora que gestores, da “negação” estão com um processo em tribunal.
 
 
ZIM... PRÉSTIMO?
 
O que poderia ser a maior cidadela desportiva, com largos negócios a permitirem viabilidade pela localização e envolvência do lugar, hoje não é rentável, simplesmente porque foi erguido num ponto de passagem da zona Sul para o resto do país. A azáfama no Zimpeto, com um “dumba-nengue” de premeio, é de tal ordem, que ninguém tem tempo, disponibilidade e até interesse, em desviar-se dos seus negócios, para assistir às partidas de futebol ou a natação que ali se realizam.
 
O Zimpeto, provavelmente, virará um Zim...préstimo, ou mesmo sem...préstimo, algo que custou milhares aos bolsos dos moçambicanos que vão assistindo, dia-a-dia à sua degradação.
 
Na altura, a aposta no recondicionamento do majestoso Estádio da Machava, actualizando-o face à novas exigências internacionais, mais a construção de alguns mini-estádios noutras províncias do país, não permitiria que outros galos cantassem?
 
O Monstro adormecido no Zimpeto, nesta altura, não produz retorno nem para a água para regar a relva e mantê-la em condições de se realizarem os eventos internacionais!
 
Desta forma e sem soluções de rentabilidade interna à vista, o Zimpeto é um elefante branco, em estado de falência. A “mão estendida” que o Estado tem tentado disfarçar para o manter, com sugestões de concursos públicos internos – à semelhança das SAD’s nos clubes – está visto que é impraticável.
 
E agora?
 
Porque o empreendimento foi erguido numa área total de 267.900 metros quadrados, dos quais 41.987 foram ocupados pelo Estádio, o bairro onde se insere esta obra, beneficiou de saneamento das águas, energia e vias de acesso, com expectativas que transcendem os ganhos desportivos.
 
“Qui tal” – como dizia alguém bem conhecido - um concurso público de gabarito, pensado sob o pano de fundo do longo prazo, que permita construir naquele local, que tem à volta muito espaço vago, uma atractiva cidadela, com componentes de vária ordem, como museus, estalagens, pistas, etc., que “obriguem” nacionais e estrangeiros a deslocar-se ao Zimpeto, com motivações de outra índole, para além das braçadas e dos pontapés na bola?
 
Renato Caldeira
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