Posso pensar num qualquer país que estivesse tão desesperado em ter um boa conectividade aérea e que abrisse seu mercado interno para companhias aéreas estrangeiras, deixando a sua companhia aérea nadar ou afundar, para além de Moçambique? Neste país, depois da Fastjet, uma segunda companhia aérea estrangeira está agora em operação, a Ethiopian Airlines, que começou a voar com a sua subsidiária, a Ethiopian Mozambique Airline (EMA).
A entrada da EMA pode ser caótica para a LAM, que pensa e espera que seja capaz de competir, embora tenha dívidas enormes e não faz lucro desde 2011, lutando pela sua sobrevivência. É raro que uma transportadora estatal seja atirada aos cães e lute contra a concorrência de companhias aéreas estrangeiras, como a Ethiopian Airlines, que também é uma companhia estatal. Esta situação é aquilo a que se chama de Oitava Liberdade do ar, a qual permite o direito de transportar tráfego entre 2 pontos dentro de um país estrangeiro, com a extensão de um serviço que começa ou termina no seu país de origem, mas também a Nona Liberdade, que permite o direito de voar entre dois pontos ou mais num país estrangeiro.
Estas duas liberdades do ar são realmente raras e apenas usadas em casos desesperados, como quando um país não tem uma companhia aérea. E ainda mais rara quando uma transportadora estatal luta para recuperar algum orgulho e glória perdidos do passado, como a LAM, cuja história remonta a Agosto 1936 mas é agora uma sombra de si mesma.
Em Setembro de 2017, o órgão regulador, o Instituto de Aviação Civil de Moçambique (IACM), autorizou sete empresas estrangeiras e cinco empresas moçambicanas a voar nas rotas domésticas. Sejamos sérios!
Que tipo de estratégia é essa de ter 12 companhias aéreas competindo num país tão pobre como Moçambique? É uma loucura! Esta situação vai ser catastrófica para a LAM. O prevejo uma luta desigual entre a Etiópia Moçambique Airlines e a LAM, designadamente uma luta injusta entre um gigante com 108 aeronaves contra uma pequena companhia com apenas 5.
Embora eu seja a favor da concorrência, acredito que um Estado tão grande quanto Moçambique precisa de ter a sua própria companhia aérea doméstica, que atenda às necessidades de seu povo, a partir da qual possa gerar lucro e tráfego suficientes para oferecer algumas rotas estratégicas, o que é vital para a nação. Veremos! Mas se alguém pensa mesmo que a LAM pode lidar com a Ethiopian Airlines no seu próprio mercado é uma loucura. Imagine isso na Nigéria, na Tanzânia ou na África do Sul! De jeito nenhum! Na verdade, mostrem-me um país qualquer onde foi introduzida com cabotagem completa.
*Thomas Chlumecky é um especialista em aviacao, de nacionalidade canadiana. Este artigo é uma adaptação de artigo publicado há dias na sua pagina do LinkedIn
Dulce Maria Passades Pereira
Moçambique pode ser pensado como sendo uma bela donzela ou um belo adolescente na fase da puberdade, com todas as suas mutações lógicas e (i)lógicas, conscientes e inconscientes, ou melhor, na fase da adolescência, diríamos que a donzela e o adolescente estão numa fase (i)rracional, com várias nuances e desempenhando vários papéis no seu quotidiano rumo a uma identidade que naturalmente não se quer linear e vertical, mas sim, complexa, curiosa, flexível, elástica, horizontal e diferente na sua diversidade.
Cerca de 120 milhões de raparigas em todo o mundo - mais de uma em cada dez - sofreram violência sexual ao longo da sua vida, segundo dados da UNICEF. Em Moçambique, quatro de cada dez mulheres já foi vítima de violência sexual desde os 15 anos; seis em cada 20 revelou já ter sido violada. A nível mundial, uma de cada 14 já sofreu algum tipo de agressão sexual - abusos com e sem penetração, por exemplo - por parte de alguém que não é seu parceiro, como aponta um estudo da OMS, o maior informe global feito até agora.
O país está de tanga. Estamos a travar com jantes. Não temos dinheiro para financiar o nosso próprio orçamento do próximo ano. Não temos dinheiro para financiar eleições gerais do próximo ano.
Não temos remédios nos hospitais. Não temos carteiras nas escolas. Paramos de contratar professores e enfermeiros por falta de verba. As progressões também pararam.
Para piorar: ninguém quer arriscar em dar-nos crédito. Somos caloteiros porque não estamos a conseguir pagar a meia-parte-da-metade da primeira tranche do fiado que contraímos fora. Estamos sujos na praça. Perdemos credibilidade.
Cerca de 120 milhões de raparigas em todo o mundo - mais de uma em cada dez - sofreram violência sexual ao longo da sua vida, segundo dados da UNICEF. Em Moçambique, quatro de cada dez mulheres já foi vítima de violência sexual desde os 15 anos; seis em cada 20 revelou já ter sido violada. A nível mundial, uma de cada 14 já sofreu algum tipo de agressão sexual - abusos com e sem penetração, por exemplo - por parte de alguém que não é seu parceiro, como aponta um estudo da OMS, o maior informe global feito até agora. Uma maré abrumadora de cifras que, apesar de tudo, segundo os experts, não oferece a radiografia real do que se considera uma epidemia silenciosa.
No contexto moçambicano, a violação sexual é a sexta maior causa de admissão nos serviços de urgência de ginecologia. A mulher, como sempre, é uma vítima: primeiro da nossa discriminação; segundo da sua condição e; terceiro da desconfiança generalizada que recai sobre o designado sexo fraco. Portanto, sempre que se dá um caso de violação sexual ou de acusação a mulher é que tem de provar e nunca o agressor.
Após o anúncio da reabertura da investigação do caso Kathryn Mayorga meio mundo desdobrou-se a julgar a senhora com um contentor de nomes espúrios, colocando em causa o seu bom nome e fazendo, por tabela, troça dum episódio que devia ser tratado sem a mínima leviandade. Ignoram, esses defensores de agressões daquele jaez, que os abusos sexuais são uma epidemia silenciosa e com um alto custo social. As vítimas, essas, calam por culpa, pelo estigma e pelo medo. Um depoimento aterrador, que ouvi enquanto jornalista foi com uma mulher aos prantos, contando uma violação sexual. Deixei, no artigo que nunca terminei, assim o registo:
A primeira vez que ele irrompeu pelo seu quarto estava a dormir. Fazia frio e estava completamente coberta. Passam 21 anos, mas Ana (nome fictício) volta a essa noite e outras muitas. Pode ver a cor dos sapatos, recordar-se que ele estava vestido. Com o passar dos anos essa recordação, difusa ao princípio, é cada vez mais clara. Ela tinha sete anos e se sentia muito feliz. Hoje tem 28 é uma jovem dedicada ao próximo. Custou-lhe muito falar dos abusos sexuais que sofreu por parte de um familiar muito próximo ainda criança. Abusos esses que duraram até aos 17 anos quando ela decidiu falar pela primeira vez. “Nunca contei por causa da minha mãe”, revela com uma tranquilidade que assusta.
Outro depoimento é de Luísa que conta que aos 15 anos foi violada por oito homens. “As pessoas próximas e a minha comunidade julgaram-me como culpada e não como a vítima de um crime. Isolaram-me. Consideravam-me uma prostituta”. Como no caso de Ana e Luísa, mas de 80% dos abusadores são conhecidos: familiares, amigos e inclusive o próprio parceiro. Esse é um dos factores que contribui para perpetuar o silêncio. O papel atribuído ao homem é igualmente responsável pelo número de casos. O que se diz, em defesa de Ronaldo, é que se ela não queria não devia ter aceite o convite para visitar o apartamento do jovem. Um enorme equívoco esse que julga que aceitar um copo por cortesia significa abertura total ao desejo do homem provedor. É a mesma lógica que se usávamos, no contexto da nossa juventude, quando uma mulher irrompia pelo nosso quarto.
O caso de Ronaldo não é diferente. No primeiro momento o português afirmou que se tratavam de notícias falsas que visavam gerar promoção graças à dimensão do seu nome. “Querem fama através do meu nome (…) nego firmemente as acusações contra mim. A violação é um crime abominável que contra tudo que creio. Por muito claro que possa ser para limpar o meu nome, recuso-me a alimentar o espectáculo mediático criado por pessoas que procuram promover-se a si mesmas às minhas expensas.
É bom que Cristiano diga estar tranquilo, mas tal só é bom até descobrirmos o acordo firmado por ele em 2009, no qual reconhece o acto e paga pelo silêncio. Não se trata, como se pode pensar, duma campanha contra Cristiano, mas do exemplo que se deve dar ao contentor de homens que ultrapassa a barreira da decência e respeito pelo corpo feminino, ao exército de animais que julga que o poderia económico dá direito ao exercício de abusos sem penalização. Curiosamente, quem mais defende Cristiano depois da publicação do acordo que revela a culpa do português é mulher. É gente que foi gerado no ventre duma mulher; são homens que têm filhas e que não querem que um acto daquela dimensão lhes bata a porta.
O facto de o caso ter se dado em 2009 não é atenuante suficiente para desculpabilizar o astro português e nem o facto de ter pago pelo silêncio reúne suficiente força. Cristiano deve servir de exemplo. A única coisa que me parece negativa em tudo isso é que ainda assim subsiste um exército de acéfalos que continuar a violar coberto pelo anonimato. Por um mundo livre de violações sexuais Ronaldo deve ser julgado com toda justiça possível. Responsabilização aos violadores sexuais e se Ronaldo for, como os dados indicam, um deles está na hora de manifestarmos o nosso total repúdio e toda falta de respeito que lhe podemos lhe podemos votar.
Quando tomou posse a 30 de Outubro de 2017, o Comandante Geral da Polícia, Bernardino Rafael, deu numa de campeão da repressão. Para dentro da corporação, lançou um discurso de tolerância zero contra desvios de comportamento, que fazem escola na nossa polícia. Numa parada com seus correligionários em Maputo, tentou impor a circulação zero de mensagens nas redes sociais entre colegas. Mas isso era como fazer parar o vento com as mãos. Por causa do seu tom e estilo ele foi percebido na sociedade como tendo sido a escolha certa para moralizar a polícia e torná-la atuante. Essa perceção estava afinal errada.