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segunda-feira, 16 dezembro 2024 16:51

Pika Tembe: um artista sem limites, música sem rótulos

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“Inês, cumprimentos à família e diga-lhe que Sitoe está vivo e saúda a todos”, ouve-se no 18.° segundo que se irrompe da música. O título é simplesmente “Inês”, de Pika Tembe, intérprete e autor nos estilos afro jazz e fusion, como ele próprio prefere referenciar. É de uma voz e guitarra electrizantes, que tem evoluído das bases de soul, de marrabenta e do jazz de groove afrocêntrico dos bares, cabarés e lounges, onde toca por quase todo o país, para paisagens mais abstractas, onde sobressái a ideia de viagem, música sem rótulos, misteriosa, acutilante e incrível. A música é parte do seu primeiro álbum, “Nakulozy” que, em ronga, significa Amigo.

 

Texto: Reinaldo Luís

 

Neste álbum, cujo lançamento oficial será anunciado brevemente, a fé é uma bomba por rebentar. Ou talvez, na melhor das hipóteses, uma outra vida por se desvendar. Por se reflectir. “Este álbum, particularmente, vem mostrar a outra cara de Pika Tembe. A música Inês é especial por isso: é a prova de que tudo é possível. Vem mostrar a outra faceta de Pika Tembe, de que não só interpreta os temas de outros artistas, mas também compõe. Inês vai revelar o meu próprio talento”.

 

Memórias do Mbuva, ''nascimento'' de um Milton

Pika queria, desde cedo ser guitarrista, cantor. Por falta de condições, improvisou, com o seu amigo da zona do Aeroporto, uma guitarra de lata, com a qual começaram a se inspirar e a reinventar-se. Para contar a história, recuamos cerca de 17 anos. Ainda é novo e o seu nome é Milton Fernando Luís Tembe. Mas cresceu, como homem e músico, tocando pelas casas de pasto das cidades de Maputo e Matola. Inventa Pika Tembe, o nome com o qual se apresenta artisticamente nesta caminhada, experimentando cada porção, cada tema e cada dor dos músicos que os interpreta há 17 anos.

 

Hoje se mostra maduro e quer, por isso, ousar com um trabalho de originais para brindar o seu público, conquistado durante mais de uma década. Por isso, não desgruda das suas raízes, das suas influências rítmicas e de personalidade. Desde os tempos de Noites do Jazz no Mbuva, sempre esteve maravilhado pela música que ouvia ecoar nos acordes de Chico António, Rui Veloso, Jimmy Dludlu.

 

No bairro do Aeroporto, onde nasceu e cresceu, ouvia-se jazz, afrojazz, marrabenta e soul. Eram quase as únicas influências rítmicas existentes. E é por isso que hoje, volvidos esses anos, desde que se interessou pela música, não resiste a reclamar essa outra herança bem tradicional: agarrando-se às memórias do Mbuva para gravar “Nakulozy”.

 

Esse álbum mostra um excelente instrumentista e compositor com vontade de se afirmar e com ideias próprias. Na verdade, é comum vermos um intérprete a assumir o papel de líder na história do jazz. Pika, mesmo assim, é uma honrosa excepção do vasto grupo que, ainda jovem, começa a dar que falar – mesmo entre o contexto de interpretação, cuja nota é dada em função do engenho na guitarra e vocalização perfeitas.

 

E diz que é feito no estilo fusion – uma mistura que procura resgatar todas as referências existenciais da sua caminhada. Quer dizer, está na música pelo legado. Sobretudo, por estes fazerem parte da sua vida. “A minha relação com a música começa de forma natural. No princípio, tocava guitarra de lata com um vizinho, de braços tortos. Melhorei quando o meu irmão trouxe uma guitarra clássica de Cuba. Fui entrando, seguindo a música no Mbuva, onde ouvia Chico António, José Barata, Válter Mabass, entre outros músicos. Ganho a paixão pela música há 17 anos. E até hoje vivo dela”.

 

Um disco que resgata a influência, a amizade

 

O título do disco exprime, de algum modo, gratidão. “Esses músicos foram as minhas influências para poder trilhar. Para mim, a música não tem estilo, mas ela tem uma expressão, tem uma alma. Não me identifico muito com a marrabenta, com o jazz ou com o rap. Eu expresso, sob ponto vista rítmico, aquilo que sinto no momento. Por isso que digo que cresci a ouvir Chico António, Rui Veloso, Jimmy Dludlu, entre outros artistas nacionais e internacionais. Cresci a ouvir diversas influências, por isso acho que tenho essa autonomia para dizer que o meu estilo é fusion. É mistura de muitas influências. É mistura de muitos sentimentos, muitos ritmos”.

 

Pika já canta em pequenos concertos, alguns dos quais privados. Mas a sua esposa inspirou-o a ousar, a dar outros voos. “A minha esposa tem-me dado forças. Por acaso, a criação deste álbum tem a ver com ela. Ela sempre diz Pika tem que fazer isto, aquilo” explicou. Mas, este fusion, é um estilo seguro, em Moçambique? “É um estilo que as pessoas aceitam e muito bem. Porque sinto também que no fundo que o público em Moçambique tem um ouvido apurado”.

 

Porque, diz o músico, a arte é “tudo o que a gente faz, ouve, sente. Seja nas artes plásticas, na música, na literatura, arte para mim é o próximo segundo que segue, aquele que a gente não sabe o que vai acontecer”.

 

O álbum, a ser lançado brevemente, quer igualmente estender um tapete de consideração a todos os músicos que fizeram parte da caminhada do músico. Tem nomes sonantes, outros já mortos. Chico António, Morreira Chonguiça, Jimmy Dludlu, Richard Bona, Lokua Kanza, Rui Veloso, são alguns exemplos. Para o músico, “esses nomes, na sua maioria, farão parte em participações neste meu primeiro álbum, Nakulozy”.

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