O economista publicou ontem, sob a chancela do Observatório do Meio Rural, uma análise exaustiva sobre a política monetária em tempos de pandemia. Ele sugere que o Banco de Moçambique possa estar a usar as reservas externas e internas para conseguir cobrir prováveis custos resultantes das dívidas ocultas (ou outras não conhecidas/ou ainda “ocultas”), custos da guerra em Cabo Delgado e o adiamento de receitas dos recursos gás e de outros recursos naturais sine dia.
A pandemia aprofundou a crise da economia devido às dívidas ocultas que, por sua vez, foi um agravamento da tradicional crise do país, podendo ter períodos de expansão de alguns indicadores económicos. Durante a pandemia, o Banco de Moçambique tomou opções controversas (como no contexto geral, em períodos mais longos como o estudado 2001-2020).
Resumem-se as seguintes principais medidas do Banco de Moçambique:
- Aumentou as reservas obrigatórias e as reservas internacionais;
- Aumentou periodicamente a taxa de juro de referência;
- Não emitiu moeda (meticais) para fins creditícios nem injectou divisas no mercado cambial para suster em tempo oportuno, a depreciação do Metical;
- Disponibilizou 500 milhões de dólares aos bancos comerciais para pagamentos externos (para créditos aos agentes económicos em meticais) exigindo reembolsos em dólares o que foi recusado pelas instituições financeiras.
O volume de crédito disponibilizado com a etiqueta de Covid.19 foi, essencialmente, por via de um banco estatal (Banco Único) com recursos muito limitados para as necessidades mais prementes. A entrega de dinheiro às famílias com graves dificuldades foi insignificante e terminada em poucos dias.
Estas opções foram em sentido contrário às praticadas na maioria dos países que mais sofreram com a pandemia que, em resumo foram as seguintes principais: (1) disponibilização de créditos e condições de pagamentos de impostos e juros à banca; (2) apoio social às famílias afectadas pelo desemprego e perdas de rendimento.
As medidas do Banco de Moçambique foram de pró ciclo em situação de crise, isto é, foram favoráveis ao agravamento da crise contrárias à recuperação económica. O Banco Central reagiu tardiamente (tradicional rigidez -++das medidas), à depreciação do Metical e só a partir de Fevereiro/Março de 2021 (1 ano depois do 1º caso de COVID-19) é que começou a injectar divisas no mercado, fazendo baixar significativamente a taxa de câmbio.
As principais consequências foram as seguintes:
- Depreciação acelerada da taxa de câmbio;
- Aumento de preços, sobretudo de bens essenciais (ver Boletins Mensais de preços – Observatório do Meio Rural https://omrmz.org/omrweb/publicacoes_categ/boletim/www.omr.mz);
- Aumento da dívida pública por efeito da desvalorização da moeda nacional.
- Perdas de rendimento das economias informais (estudo realizado para a cidade de Maputo) .
- Aumento previsível da pobreza e das desigualdades .
- Encerramento ou subactividade de muitas centenas de empresas e despedimento ou semi-despedimento de trabalhadores sem apoio social.
RESUMO
Da análise efectuada, pode-se constatar:
- O crescimento da economia e a evolução da base monetária revelaram-se muito diferentes entre si, o que significa que a disponibilidade de moeda não se reflete na economia real. Em princípio, o aumento da base monetária tem três destinos principais: (1) maiores reservas obrigatórias dos bancos centrais junto do Banco de Moçambique; (2) financiamento do rápido crescimento da dívida interna, em momento de dificuldades de obtenção de dívida externa; e, (3) retracção ou baixo investimento interno.
- As reservas obrigatórias dos bancos comerciais junto do Banco de Moçambique, representam uma acentuada medida cautelar do Banco Central, supostamente com o intuito de assegurar maior solidez ao sistema financeiro moçambicano. Isso implica menos dinheiro disponível para crédito à economia. Muitos estudiosos afirmam serem reservas excessivas (das maiores do mundo, em termos percentuais). A manutenção das taxas de juro elevadas (muito acima da inflação) implica que somente os sectores de alta lucratividade, de retorno rápido do capital e de menores riscos, é que podem suportar taxas acima de 20%. Os bancos comerciais alcançam elevadas taxas de lucro e rentabilidade.
- As taxas de juro elevadas (como variável instrumental de gestão de política monetária principal) e a manipulação da taxa de câmbio têm como principal fim, manter a inflação como variável-objectivo principal, mesmo que em prejuízo da economia real.
- A taxa de câmbio tem momentos de elevada depreciação, mas, contrariamente ao expectável, existem reservas internacionais muito elevadas. Está demonstrado, estatisticamente, que uma depreciação do metical tem um efeito negativo quase imediato sobre a inflação, afectando, logicamente, a procura interna e o consumo e nível de vida, sobretudo dos mais pobres (PIB per capita). Ao longo do período (sobretudo nos últimos anos), o Banco de Moçambique reagiu tarde à depreciação do metical (como recentemente, a partir de Fevereiro de 2021) e fê-lo com o propósito de manter a inflação baixa.
- Embora a política monetária não seja, por si só, suficiente para o crescimento e transformação da economia com mais competitividade e equidade, o certo é que ela pode contribuir para esses objectivos. Ao longo dos 20 anos analisados, a economia pouco cresceu em termos reais e tem vindo a desacelerar (crescer a taxas sucessivamente mais baixas), a riqueza gerada por habitante pouco melhorou em meticais e reduziu para cerca de metade em dólares, a balança comercial deteriorou-se, a dívida pública, externa e interna, cresceu de forma galopante, a dependência externa aumentou (taxa de cobertura e de abertura) e a estrutura económica está cada vez mais afunilada e extrovertida. Segundo os dados da pobreza (IOFs/IAFs), embora a percentagem da população tenha decaído, o número de pobres tem aumentado significativamente. Segundo a mesma fonte, as desigualdades sociais têm aumentado.
- Contrariamente, a gestão da política e os indicadores da economia monetária revelam quão frágil é a económica moçambicana, a sua forte sensibilidade aos factores externos, bem como reflectem políticas públicas (sobretudo fiscais, dos mercados e de modernização do tecido produtivo e do Estado) ineficazes, incongruentes e que se anulam entre si.
- A crise iniciada (ou aprofundada) em 2016, principalmente em consequência das dívidas ocultas, provocou graves consequências sobre a economia moçambicana e a vida dos cidadãos.
- A actual política monetária: (1) sustenta um Estado muito pesado (aproximadamente 30% do PIB e uma elevada percentagem dos gastos com o pessoal – entre 10% e 12% do PIB, uma das mais altas do mundo; (2) financia uma dívida pública, uma política excessivamente expansiva entre 2010 e 2016 e faz cobertura (conscientemente ou não) à corrupção; (3) permite altos lucros aos bancos comerciais, apesar das elevadas reservas obrigatórias exigidas aos banco comerciais, mas que são beneficiados pelas diferenças entre a inflação e as taxas de juro de depósito e de financiamento, pelo financiamento da dívida pública, pelos spreads praticados e pelo negócio de divisas (diferenças de taxas de câmbio de compra e venda de moeda externa).
- A política monetária tem-se revelado, em determinados períodos durante a série estudada, de pró-cíclica, o que contraria algumas correntes do pensamento económico e da política monetária. O objectivo principal, e possivelmente único, é o controlo da inflação, utilizando-se para o efeito os instrumentos da taxa de juros e da taxa de câmbio.
- A gestão da política monetária tem-se revelado: (1) rígida (as medidas de ajustamento são tardias em relação aos sinais da economia); (2) sem consideração pelas distorções e imperfeições dos mercados financeiros (mercado informal, desenvolvimento e fraca organização financeira das pequenas empresas que representam mais de 90% do tecido produtivo, desadaptação entre as condições de elegibilidade para aceder às linhas de crédito e bancarização da economia, etc.; (3) privilegia os equilíbrios macroeconómicos nominais com penalização da economia real.
Em síntese, o Banco de Moçambique tem tido uma política monetária conservadora (excessiva para alguns analistas), cautelosa (reserva monetária e reservas internacionais elevadas), supondo a defesa da solvabilidade e robustez do sistema financeiro nacional. A gestão da política monetária visa, em primeiro lugar, assegurar os equilíbrios nominais da economia e tem sido, em alguns períodos, penalizadora da economia real (crescimento económico, rendimento per capita médio, exportações e importações, competitividade da economia) e não tem contribuído para a transformação estrutural da economia e maior equidade social. O Banco Central e os bancos comerciais têm financiado a galopante dívida pública interna em prejuízo das empresas e das famílias.
Finalmente, como explicar esta política monetária rígida e aparentemente contraditória na gestão dos seus instrumentos, ou mesmo incompetente e nefasta para a economia? Duas hipóteses ou uma combinação das duas: a primeira, a obsessão dogmática, teórica e metodológica, do primado da estabilidade para depois crescer com sacrifício dos cidadãos, utilizando instrumentos directos de gestão (taxas de juro e de câmbios); e/ou, a segunda, uma super cautela pelos riscos da economia (conflitos, COVID-19, imagem do país e consequências nas relações políticas, económicas e comerciais externas).
Termina-se com uma terceira hipótese não revelada (o “gato escondido”): as reservas externas e internas são elevadas para conseguir cobrir prováveis custos resultantes das dívidas ocultas (ou outras não conhecidas/ou ainda “ocultas”), custos da guerra em Cabo Delgado e o adiamento de receitas dos recursos gás e de outros recursos naturais sine dia.
Sugere-se que este trabalho seja aprofundado com outras secções de teoria e de métodos quantitativos, para testar algumas hipóteses acerca das relações e da importância da economia monetária sobre a economia real, como por exemplo, crescimento económico, exportações e importações, investimento público e privado, consumo entre outras. (Carta)