Uma análise realizada pelo Centro de Integridade Pública (CIP), uma organização da sociedade civil, concluiu que a venda da empresa pública Linhas Aéreas de Moçambique (LAM) para Hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB), Portos e Caminhos de Ferro de Moçambique (CFM) e Empresa Moçambicana de Seguros (EMOSE) pode ampliar uma crise operacional e financeira inicialmente restrita à companhia aérea, transformando-a num problema para as empresas compradoras. Dessa forma, a medida transfere o ónus financeiro de uma empresa em dificuldades para outras entidades estatais, o que pode aumentar o risco fiscal para o próprio Estado.
A organização começa por explicar que a LAM é uma empresa tecnicamente insolvente e é altamente dependente de suporte financeiro do Estado. “De acordo com as demonstrações financeiras de 2018 a 2021, a companhia registou prejuízos de forma sistemática ao longo do período, atingindo em 2021 um resultado líquido negativo superior a 20.731,9 milhões de MT. Além disso, apresentou um capital próprio negativo de 18.268,1 milhões de MT e uma dívida líquida ajustada de 17.488,3 milhões de MT”, lê-se na análise.
No que se refere a suportes financeiros do Estado, o relatório das demonstrações financeiras da empresa de 2021, consultado pelo CIP, refere que em 2020 a LAM beneficiou de cerca de 1,610.3 milhões de MT de injecção de capital, por reversão dos valores inscritos nas prestações suplementares, e 75,616.0 mil MT, de subsídios. Em 2021, a empresa voltou a beneficiar de 100.0 milhões de MT de injecção de capital.
Além dos relatórios da companhia aérea, a organização cita o Relatório de Riscos Fiscais 2025 (publicado em 2023), segundo o qual, a LAM recebeu um subsídio governamental de 255.4 milhões de MT. O relatório da dívida pública do terceiro trimestre de 2024 indica que a LAM enfrenta dificuldades para honrar os seus compromissos financeiros com os credores e, até ao terceiro trimestre de 2024, a dívida da LAM ascendia a mais de 7,113.01 milhões de MT.
“O Relatório de Riscos Fiscais 2025 classifica a empresa como de alto risco fiscal, destacando a sua dependência de intervenção estatal e o risco de o Estado ser chamado a resgatar qualquer garantia emitida a seu favor”, sublinha a fonte.
O CIP lembra ainda que, em Abril de 2023, quando a Fly Modern Ark (FMA) assumiu a gestão da LAM com a finalidade de revitalizar, a dívida da companhia ascendia a aproximadamente USD 300.0 milhões (cerca de 19,200.0 milhões de MT). No momento da sua saída, em Setembro de 2024, a FMA declarou que a LAM necessitava urgentemente de uma injecção financeira superior a USD 10.0 milhões (aproximadamente 640.0 milhões de MT) para garantir a continuidade das operações, evidenciando que a situação financeira da companhia ainda era alarmante.
“Por fim, a LAM possui um histórico de corrupção e de má administração, conforme denunciado pela FMA. De entre as acções fraudulentas destaca-se o desvio de fundos, aquisição de imóveis em benefício de terceiros, existência de contas bancárias no exterior e pontos de venda de bilhetes (POS) operados por indivíduos sem vínculo com a empresa. A situação mais recente foi a devolução de uma aeronave de carga que custou à empresa mais de 3.9 milhões de dólares (240.0 milhões de MT)”, lê-se na análise, a que “Carta” teve acesso.
No entender da organização, o cenário exposto indica que, mais do que uma simples injecção de capital, a LAM necessita de uma profunda reestruturação administrativa, acompanhada de melhorias nos processos de transparência e responsabilização dos gestores. Para que a reestruturação do sector seja eficaz, o CIP diz ser fundamental adoptar medidas que reduzam a interferência política e governamental na gestão da empresa. Defende também a formação de uma parceria público-privada, com a entrada de um investidor estratégico forte, como uma medida para mitigar os riscos associados à influência política e governamental e promover uma gestão mais eficiente e sustentável. (Carta)