A suspensão das operações da empresa australiana Syrah Resources, em Balama, província de Cabo Delgado, devido à tensão pós-eleitoral, está a ter efeitos negativos para os Estados Unidos da América (EUA) e para a Austrália. A suspensão acontece numa altura em que as comunidades circunvizinhas não se beneficiam das mais-valias da exploração da empresa, vivendo numa pobreza extrema.
Há dias, o Australian Financial Review noticiou que a Syrah Resources está em conversações de emergência com o governo americano sobre empréstimos de cerca de 250 milhões de USD que a companhia não pode pagar agora devido à suspensão das suas actividades na mina de Balama, onde extrai grafite, um produto usado no fabrico de baterias de automóveis eléctricos e outros fins.
“A Syrah Resources, produtora australiana de grafite, está em conversações de crise com agências governamentais dos EUA depois de distúrbios civis perto da sua mina em Moçambique terem interrompido a produção e desencadeadas cláusulas de incumprimento em empréstimos cruciais do governo dos EUA”, escreve o Australian Financial Review.
O periódico australiano lembra que a Syrah não tem conseguido lucrar com a mineração de grafite nas suas instalações de Balama, em Moçambique, desde 2017 e, por isso, dependeu da Australian Super e de agências governamentais dos EUA para subscrever acções ou conseguir empréstimo de dinheiro para permanecer no negócio.
A interrupção de operações da Syrah está a comprometer o anseio dos EUA de evitar dependência da China no fornecimento de produtos feitos à base de grafite. Dados da GlobalData indicam que Moçambique é dos cinco maiores produtores de grafite do mundo, sendo a China líder global. De acordo com GlobalData, Moçambique foi o segundo maior produtor mundial de grafite em 2022, com um incremento de produção em 126%, acima de 2021. Até 2021, a produção de Moçambique aumentou em 294% e espera-se que aumente até 13% até 2026.
Para não depender dos produtos chineses, os EUA aprovaram o referido empréstimo no valor de 220 milhões de USD para a Syrah Resources construir a fábrica de ânodo em Louisiana, um dos estados mais pobres dos EUA, para criar 221 empregos nos EUA com grafite de Moçambique. A fábrica produz material de ânodo activo (AAM) para baterias de íon de lítio. Com a instalação, será a única produtora de AAM de grafite natural verticalmente integrada e em larga escala fora da China, reduzindo a dependência dos EUA em relação à China.
Tal como “Carta” tem vindo a reportar sobre o empréstimo, a referida fábrica poderia ter sido construída em Cabo Delgado, onde a grafite poderia ser processada, principalmente para obter o tamanho e a pureza correctos das partículas, bastando a infra-estrutura certa. Com essa fábrica, os aludidos 221 empregos seriam absorvidos por moçambicanos.
Contudo, no mundo contemporâneo, os EUA têm permissão para dar ao sector privado 220 milhões de USD para criar empregos, desenvolver fornecedores locais e vencer a China, enquanto um país em desenvolvimento como Moçambique não tem permissão de envolvimento estatal semelhante numa indústria-chave.
“Ao contrário de todas as estatísticas acima apresentadas, nos locais onde a grafite é extraída ainda prevalecem grandes problemas que não têm merecido atenção da empresa e do governo, de forma profunda. A existência de diferenças salariais abismais entre os trabalhadores locais e outros fez emergir uma greve que paralisou as operações por um período de um mês (de Setembro a Outubro), sendo que 23 trabalhadores foram expulsos em Novembro de 2023”, criticou o Centro para a Democracia e Direitos Humanos (CDD), num boletim informativo de Junho de 2023.
O Boletim refere ainda que as empresas têm contribuído para a rápida degradação da estrada que liga as minas de grafite em Balama e Ancuabe ao Porto de Pemba por onde é escoado o produto, ao mesmo tempo que as comunidades locais vivem numa pobreza extrema, pois não beneficiam das mais-valias da exploração da empresa. Citando dados do Conselho Executivo Provincial de Cabo Delgado, o Boletim do CDD refere que no terceiro Observatório de Desenvolvimento da Província, a 24 de Abril de 2023, a indústria de grafite, apesar de todos esses rendimentos, contribui com 7.9% para a receita pública de Cabo Delgado. (Evaristo Chilingue)