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sexta-feira, 08 setembro 2023 07:11

Zandamela diz que país deve poupar para não viver de “estou a pedir” aos doadores

O Governador do Banco de Moçambique, Rogério Zandamela, defende que o país deve criar mecanismos para poupar as receitas provenientes da exploração dos recursos naturais para não depender da ajuda externa para colmatar défices na colecta de impostos, males que afectam anualmente o Orçamento do Estado. Zandamela defendeu esta asserção, durante a aula inaugural do programa de doutoramento em Estudos de Desenvolvimento na Universidade Politécnica, sobre o tema “Os Desafios da Política Monetária num Contexto de Gestão de Crises”.

 

Durante o seu discurso, o Governador do Banco Central disse, a título de exemplo, que entre os anos 1977 e 2000, período em que o país foi afectado pela guerra civil e diversas calamidades naturais, o défice público (arrecadação de receitas) chegou a atingir cerca de 30% do Produto Interno Bruto (PIB) e, no mesmo período, o défice da conta corrente (exportações versus importações), em percentagem do PIB, atingiu 23%.

 

Para o orador, que é Doutor em Economia pela Universidade John Hopkins, desde 1987, estes níveis de défice são críticos e insustentáveis, tendo em conta que a meta ao nível da região da SADC para os dois indicadores é de 3% do PIB, no máximo. Acrescentou que este contexto macroeconómico é agravado pelos vários choques sucessivos que tornaram ainda mais desafiante a gestão da política monetária. Dos mais recentes, destacou os ciclones IDAI e Kenneth em 2019, a Covid-19, a guerra na Ucrânia e o ciclone Freddy.  

 

Para responder a estes desafios, o orador disse que o país tem contado com apoios externos, que são essencialmente a poupança de outros países, traduzida na forma de créditos e donativos. Entretanto, para ele, o financiamento do défice orçamental com recursos alheios não assegura necessariamente um desenvolvimento equilibrado e sustentável.

 

“Primeiro, porque os empréstimos, mesmo quando não estão sujeitos ao pagamento de juros, contribuem para o aumento do endividamento público. Segundo, os donativos não são permanentes, pois dependem das condições económicas dos países doadores e essa dependência traduz-se em incertezas no nosso Orçamento do Estado e, em última instância, na agenda de desenvolvimento do País. Terceiro, quando os recursos obtidos por empréstimos são maioritariamente aplicados em despesas de consumo ao invés de despesas de investimento, o défice tem a particularidade de gerar uma espiral de endividamento, porque não contribui para o aumento da capacidade produtiva, gerando-se, deste modo, uma armadilha ou um ciclo vicioso”, explicou Zandamela.

 

Por consequência da dependência da ajuda externa em forma de dívida, o Governador do Banco Central lembrou que, desde a década de 1980, o endividamento público se mantém, em média, acima de 80% do PIB, excepto nos períodos em que o país beneficiou de alívios da dívida no âmbito da Iniciativa de Alívio da Dívida para os Países Pobres Altamente Endividados em 1999 e da Iniciativa Multilateral de Alívio da Dívida, em 2005.

 

Resumiu afirmando que a política monetária adoptada pelo Banco de Moçambique está a ser implementada num contexto em que o país acumulou elevada dívida e ao mesmo tempo não poupou o suficiente para amortecer o impacto de choques, que são cada vez mais frequentes e intensos. O orador precisou que a capacidade de poupança interna tem estado ao redor dos 10% do PIB em média, de 2000 a 2022, perante um rácio de investimento total de cerca de 30% do PIB.

 

Perante estas características macroeconómicas, Zandamela disse ser desafiante implementar a política monetária, pois, numa situação normal, em que o país tem amortecedores ou poupanças suficientes para fazer face a um choque, como por exemplo cheias que destroem extensas culturas, o peso sobre a política monetária seria menor.

 

“A política monetária não tem capacidade para resolver todos os desafios, sendo por isso importante a acção de outras políticas e instituições; e é fundamental criarmos amortecedores, nomeadamente, poupança, para responder a futuras crises, que estamos quase certos de que ocorrerão, só não sabemos quando e em que magnitude”, defendeu o Governador do Banco Central.

 

Perante reitores, académicos e doutorandos, Zandamela sublinhou que a lição, talvez “a mais importante para melhor enfrentarmos as futuras crises, é que precisamos poupar”.

 

O orador apontou as receitas esperadas da exploração do gás natural na Bacia do Rovuma e de outros minérios, como uma oportunidade soberana que o país tem de acumular poupanças para fazer face à ocorrência de choques na economia e contribuir para estabilizar o Orçamento do Estado. Isto pode ser feito com a criação de um Fundo Soberano com regras fiscais bem definidas e uma estrutura de governação transparente e funcional.

 

“Neste contexto, reforço a tese de que a criação do Fundo Soberano constitui uma oportunidade ímpar de mudarmos o actual paradigma do país caracterizado por défices gémeos e dependência externa, para uma postura de poupança e disciplina financeira”, concluiu Zandamela. (Evaristo Chilingue)

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