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quarta-feira, 13 março 2019 08:57

CTA debate agro-negócio: os dilemas de quem trabalha para produzir comida

Numa altura em que o gás desponta como a “menina dos olhos” da recuperação económica de Mocambique, a CTA enxerga longe e pisca o olho a um sector primário da economia que continua ainda negligenciado: a agricultura, que só pode garantir o futuro dos mocambicanos se ela for um negócio rentável em toda a sua cadeia de valor.

 

Mas para isso é preciso que se lhe removam os espinhos que ainda teimam em atrasar sua marcha para se tornar na joia da coroa da economia, produzindo comida para milhões e empregando a maioria da populaçao campensina. Hoje e amanhã o sector privado discute alguns dos problemas prementes do agro-negócio em Mocambique.

 

Arnaldo Ribeiro, empresário e membro da Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA), com mais de 40 anos na gestão da agricultura em Moçambique, tendo já ocupado vários cargos públicos, apresenta todo o panorama envolvendo os principais problemas da área agrícola. Começando por destacar as falhas do mercado, Ribeiro recorda que a cadeia da produção agrícola no nosso país como sendo todo um conjunto de factores que culminam com a disponibilização do produto ao cliente. O ponto de partida é a compra da matéria-prima, que depois necessita de equipamentos para ser processada, sem descurar o transporte e uma embalagem com qualidade para atrair o consumidor no mercado.

 

Para Arnaldo Ribeiro, toda a cadeia de produção está recheada de falhas, uma vez que as intervenções feitas, principalmente pelo Governo, com a finalidade de resolver os problemas no sector, estão num ou noutro elo de toda essa cadeia. Adianta que quando feitas de forma isolada e dispersa (ou descoordenada), os elos de todo o conjunto de factores de produção nunca são bem sucedidos. Como consequência disso, os produtores não obtêm resultados satisfatórios.

 

E prossegue: “Temos vários exemplos. Nós dizemos que a irrigação é uma grande falha, e é verdade porque existem zonas no nosso país assoladas pela seca. Sem água para a irrigação, criamos mecanismos de solucionar o problema, entregamos às associações os regadios construídos, mas algum tempo depois a associação não tem dinheiro para pagar energia, ou acesso ao financiamento para adquirir factores de produção. Nem sequer tem capacidade para gerir-se a ela própria. Existem associações que mesmo com esses desafios conseguem produzir, apesar de não terem por onde escoar os produtos por causa do mau estado das vias de acesso que em alguns casos são inexistentes. Portanto, neste caso a nossa intervenção é na irrigação e não na cadeia toda”.   

 

Problemática da conservação dos produtos

 

Outro exemplo citado por Ribeiro é o da conservação dos produtos. A este propósito, afirmou que, para resolver o problema, optou-se pela construção de silos que neste momento estão na gestão da Bolsa de Mercadorias. Segundo Arnaldo Ribeiro, “as infra-estruturas estão em locais onde há de facto muita produção”. Mas as vias de acesso para se chegar aos silos são precárias. Cita o exemplo de um camponês que vive a 80 km de um silo; este não pode transportar para lá a sua produção por não dispor de transporte. Se o mesmo camponês conseguisse chegar ao silo, faria um negócio mais razoável.

 

Como solução para este problema, Ribeiro propõe a criação de silos pequenos nos distritos para atender com rapidez a demanda dos produtores que vivem nas zonas recônditas. “Por falta de uma agricultura mecanizada construímos um parque de máquinas em várias zonas do país”, disse aquele empresário. Referiu-se aos tractores que foram comprados em grande quantidade e distribuídos em vários parques, os quais, por não haver mercado em virtude de o agricultor não ter dinheiro para pagar o aluguer da máquina, sem falar da própria manutenção e do combustível, acabaram na sua maioria ficando arquivados sem qualquer utilidade.

 

Perante estas falhas em toda a cadeia de produção, Ribeiro defende uma perspectiva e intervenção coordenadas dos diversos sectores que intervêm no agro-negócio, desde públicos até privados. A nível do Governo, o empresário faz alusão aos Ministérios da Agricultura, Indústria e Comércio, Recursos Minerais e Energia, das Obras Públicas, da Terra e Ambiente. “Na falta dessa coordenação, continuaremos a gastar muito dinheiro em intervenções isoladas que não dão o fruto previsto”, sublinhou.

 

Energia sem qualidade, mas cara

 

A questão da energia elétrica é outro problema que Arnaldo Ribeiro considera “terrível”, alegadamente por a sua qualidade ser “péssima”, o que obriga a mais investimento, através da compra dos geradores de reserva. Segundo aquele empresário, o problema mais grave é que, apesar de a energia ter péssima qualidade, os aumentos são feitos frequentemente. “Acordamos e vemos no jornal que a taxa de energia foi aumentada. Por exemplo, só em 2018 houve dois aumentos consecutivos superiores a 20%”, afirmou.

 

Por as empresas necessitarem muito de electricidade, sobretudo as que dependem do sistema de rega, Arnaldo Ribeiro referiu que em alguns casos são os próprios empresários que se responsabilizam pela extensão da rede eléctrica até aos locais de produção, pagando desde postes de transporte até Postos Transformadores, entre outros equipamentos. Adiantou que em certos casos o produtor tem de partilhar a electricidade com a comunidade.

 

Sobre o aumento das tarifas de energia eléctrica, a Eletricidade de Moçambique (EDM) alega que a empresa tem que recuperar os seus custos, mas ‘esquecendo’ que o consumidor também sofre. “Sofremos esse aumento, mas os preços dos nossos produtos não aumentam. Pelo contrário, devido à competição de produtos importados em quantidades obrigamo-nos a manter os preços para poder concorrer com produtos do exterior. Neste caso, nós é que somos os prejudicados por as margens de lucros serem pequenas”, lamentou.

 

O produtor agrário alega que por causa dos poucos lucros que obtém não é capaz de se aproximar à banca para solicitar um empréstimo. Em alguns casos as taxas de juro chegam a ultrapassar os 20%. 

 

IRPC sufoca os produtores

 

Arnaldo Ribeiro reconhece não ser bom, no geral, o ambiente que envolve a área do agro-negócio, sobretudo depois do escândalo das dívidas ocultas. Considera agravante o facto de os empresários no sector do agro-negócio serem obrigados a trabalhar em condições muito difíceis e sem estímulos, à semelhança do que acontece noutros países. Ribeiro enaltece algumas iniciativas como o “Sustenta”, que para ele é de louvar. Mas Ribeiro é contra a limitação do “Sustenta” a apenas 10 distritos das províncias do centro de Moçambique, num país tão vasto como o nosso em que se pretende fazer da agricultura a base do desenvolvimento.

 

O longo desabafo do empresário

 

Como que num longo desabafo, o empresário Ribeiro continuou: “Apesar de termos margens muito pequenas no negócio, até 2016 havia um incentivo no sector agrícola que acho era o principal factor para um maior investimento no sector. Refiro-me ao Imposto sobre Rendimento de Pessoas Colectivas (IRPC), que era de 10 %, e o mais baixo, se comparado com outros sectores da economia. Mas a partir daquele ano o Governo decidiu subir para 32%, igual a outras áreas económicas. A justificação foi de que tínhamos subsídios no combustível e energia eléctria. Ora, só as grandes empresas é que beneficiam desses subsídios, em detrimento das pequenas e médias empresas que são a maioria”.

 

Na opinião de Arnaldo Ribeiro, para se reverter este cenário, o sector privado tem estado desde há sensivelmente três anos a exigir que o Governo volte a colocar o IRPC na fasquia dos 10%. “Para mim, o que falta é uma decisão política fundamentando a medida, pelo facto de a agricultura ser umas das áreas prioritárias no nosso país. A meu ver, a reposição em 10 % do IRPC deveria ser feita durante um período não inferior a 10 anos, para permitir a atracção dos investimentos”, afirmou.

 

Poucos investidores do país na agricultura

 

Arnaldo Ribeiro afirma ser notória no seio dos produtores agrários em Moçambique a pouca presença dos investidores nacionais. “Praticamente, todo o investimento estrangeiro está direccionado à produção de açúcar, tabaco, algodão. Agora a tendência é para frutas, como caju e abacate, que irão para o mercado estrangeiro”. Acrescentou que os produtores nacionais poderiam tirar proveito da produção alimentar, respondendo assim ao apelo das autoridades, mas isso não acontece por causa da produção externa. Há produtos do estrangeiro que chagam aqui mais baratos por causa de incentivos a que me refiro neste sector. Para se ultrpassar esse problema os empresários moçambicanos precisam de pacotes completos de apoio que contemplem desde financiamento, formação, atébem como assistência técnica”.  

 

Hortícolas merecem “grande atenção”

 

Ribeiro revelou que o subsector das hortícolas é o que neste momento merece grande enfoque no que respeita à produção nacional. Falou da existência de um cada vez maior número de supermercados no mercado, que podem absorver a produção nacional. “As nossas cidades estão a crescer, e o consumo de hortícolas é elevado. Exemplo disso é a província de Tete, em que na indústria mineira uma empresa de Catering serve mais de sete mil refeições por dia, e diariamente precisa de couve, cebola, batata, etc. Infelizmente, 95% dos produtos vendidos nos supermercados da cidade de Tete são provenientes do estrangeiro, neste caso da África do Sul”, disse Arnaldo Ribeiro. Salientou que por não terem poder de produção, os moçambicanos juntam-se e vão buscar produtos fora para revender no país. “Eu compreendo”, disse. Admitindo que por causa das razões que evocou o agricultor nacional não consegue produzir com regularidade, nem em quantidades e qualidades necessárias. “Nesse sentido, um pacote completo e barato de financiamento poderia ajudar a produção nacional”, disse Ribeiro.  

 

Poucos produtos na cadeia de valores

 

O açúcar e tabaco são alguns dos poucos produtos mais produzidos no país, mas Ribeiro diz notar uma maior tendência para a produção da soja em Angónia, carne de cabrito em Tete, bem como uma considerável aposta na avicultura, em que se regista um significativo aumento do número de empresas que começam a intervir e liderar a cadeia de valores. Todavia, reconhece haver muitas culturas que não se produzem em Moçambique. Destaca a necessidade de se estimular a produção de outras culturas, através de apoios.

 

A terra vende-se ou não?

 

Dos vários desafios do agro-negócio em Moçambique a terra ocupa um lugar de relevo. A legislação do nosso país define a terra como propriedade do Estado, não podendo por isso ser vendida. “Mas na realidade não é isto que acontece, pois quando o investidor chega paga pela terra o mesmo que paga noutros sítios, ou seja, a preço do mercado. Por isso é um contra-senso dizer que a terra não pode ser vendida nem penhorada, ou dada como garantia porque é do Estado. Na realidade a terra é transaccionada” disse Ribeiro, acrescentando que toda a gente vende a terra, desde o pequenino até ao grande empresário.

 

Perante esta realidade, o empresário Arnaldo Ribeiro é da opinião que a transacção dos títulos de terra deveria ser legal, alegando que só assim o agricultor iria usar a terra que possui como garantia no banco para ter acesso ao financiamento. Estes e outros tópicos estão em debate hoje e amanhã em Maputo, na Conferência Anual do do Sector Privado.(Evaristo Chilingue)

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