O risco de violência e crise pós-eleitoral nas eleições da próxima terça-feira, 9, aqui no Quénia, é muito elevado, por conta das sempre presentes questões étnicas em processos eleitorais neste país da África Oriental, o que, desta vez, será potencialmente escalado pelas desconfianças que pairam quanto à dimensão tecnológica da administração destas eleições.
Um relatório recente da Comissão de Coesão Nacional e Integração refere que o risco de violência situa-se em 53%, avançando-se, como razões para o efeito, conflitos pré-existentes e fraca administração eleitoral, num contexto em que apenas um em cada quatro cidadãos (25%) confia na Comissão Independente de Eleições e Fronteiras.
Segundo o mesmo relatório, outro elemento de preocupação constatado tem que ver com a verificação integralmente electrónica de eleitores, quando ainda existem locais (que albergam cerca de 5% dos centros de votação) sem ou acesso à Internet ou sem Internet fiável.
O facto de os dois principais candidatos presidenciais, nomeadamente o decano da oposição e antigo Primeiro-Ministro, Raila Odinga, da Coligação Azimio Umoja, e o actual vice-presidente, Raila Odinda, da Coligação Kenya Kwanza, terem intenções de voto acima de 40% e, por isso, com possibilidades de vencer o pleito, torna as coisas ainda mais complicadas.
Quénia tem mais de 40 grupos étnicos, mas apenas cinco deles são os mais dominantes, tendo mais de 70% de influência eleitoral. São eles os do Monte Kenya, onde se incluem os kikuyu do incumbente Uhuru Kenyatta, os Luya, os Kalenjin (William Ruto é parte deste grupo, tendo elevada proeminência nele), os Luo (de que o candidato Raila Odinga é parte e influente membro) e os Kamba.
Os dois principais candidatos, mais o incumbente, que apoia Odinga, fazem parte desses cinco principais grupos étnicos, num quadro em que o discurso político está longe de se dissociar de nuances tais.
A vitória de qualquer um deles será, garantidamente, tangencial, havendo até o risco, ainda que muito reduzido, de ambos terem que ir a uma segunda volta. Com essa situação, o risco de a ala perdedora se achar “roubada” e, por isso, resvalar para a violência, é maior.
De referir que nas últimas duas eleições do género realizadas neste país, nomeadamente em 2013 e 2017, perto de 1.500 pessoas morreram em consequência de manifestações havidas nalguns centros urbanos, muitas vezes sob o manto de controvérsias étnico-tribais.
A robustez e independência dos tribunais emerge como uma panaceia de esperança de ambos os campos, caso algum diferendo tenha que ser judicialmente curado, embora tal não possa, por si só, afastar o risco de violência pós-eleitoral.
Questões de segurança
A escassos cinco dias de mais um teste à democracia queniana, cujos processos eleitorais são, desde 2007, marcadas por crises de vária índole, quase sempre com nuances étnico-tribais, sobretudo depois que anunciados os resultados, cresce o receio de, uma vez mais, a segurança de pessoas e bens ver-se afectada, com as consequências a projectarem-se não só internamente, como para a África Subsaariana, com particular destaque para as regiões oriental, central e austral do continente negro.
A Estratégia Integrada dos Estados Unidos da América (EUA) para o Quénia, aprovada pelo Departamento do Estado em Março deste ano, aborda, de forma veemente, a relevância estratégica deste país, tanto para os interesses domésticos como para os norte-americanos, bem assim para a região.
“Sendo certo que o Quénia já fez enormes progressos, o país ainda enfrenta enormes desafios, incluindo a necessidade de consolidar os processos democráticos e as instituições de governação, confrontar o extremismo violento, combater a corrupção, acabar com as divisões étnicas, melhorar a situação dos direitos humanos e criar emprego”, lê-se numa das passagens da referida Estratégia Integrada.
Os jovens, que são a maioria da população, estão a boicotar parcialmente estas eleições. Muitos deles não se recensearam, por via do que mais de 60% dos pouco mais de 22 milhões de eleitores são pessoas com mais de 25 anos de idade, segundo dados da Comissão Independente de Eleições e Fronteiras.
A mesma fonte documental diz que o sucesso do Quénia na abordagem dos atrás citados desafios “apoia o nosso interesse num mundo justo, seguro e de paz”, no qual pontificam instituições democráticas, o respeito pelos direitos humanos e a prosperidade económica.
Neste momento, Quénia é, por exemplo, um dos contribuintes de primeira linha da Missão da União Africana na Somália (AMISOM), jogando um papel chave, conforme sublinha a mesma Estratégia Integrada, nos esforços visando a eliminação de grupos terroristas como al-Shabaab e ISIS.
Moçambique, em particular a província de Cabo Delgado, está, desde Outubro de 2017, a ser alvo de ataques terroristas, que, pela sua dimensão e sensibilidade, estão a efectar a economia do país como um todo e os prospectos de desenvolvimento para os próximos anos, tendo em conta o calendário de exploração de recursos naturais como gás, de resto já por demais afectado.
De acordo com a Estratégia 2021-2024 para a África Subsaariana do Geneva Centre for Security Sector Governance (DCAF), Moçambique é um dos países desta região de África que carece de atenção especial, à semelhança da Etiópia, Sudão, República Democrática do Congo, Nigéria e outros países do Golfo da Guiné.(Carta)