A sentença do caso “LAM-Executive” será conhecida, na próxima terça-feira, 24 de Março. Assim determinou, esta terça-feira, o Juiz Rui Dauane, depois de ouvir o último lote de declarantes e testemunhas, bem como os argumentos da defesa (alegações finais), tendo em vista a absolvição dos seus constituintes.
Coube ao Ministério Público (MP), representado, na ocasião, por João Nhane, fazer as honras da casa, no momento reservado às alegações finais. Depois das sessões de produção de prova, João Nhane não mudou de opinião e muito menos de posição. Tal como no primeiro dia, voltou a pedir a condenação exemplar dos três réus, nomeadamente, António Pinto, Hélder Fumo e Sheila Temporário.
Nhane, que começou por dizer que se estava em presença de um crime de colarinho branco, apontou que os três réus urdiram, minuciosamente, um plano com um e único interesse de sacar fundos das, ora em dificuldades financeiras, Linhas Aéreas de Moçambique (LAM). Para materialização desse desígnio, disse o magistrado do MP, António Pinto e Hélder Fumo simularam os dois contratos (um de publicidade e outro para comunicação institucional) e, de seguida, escolheram, a dedo, a Executive Moçambique Limitada para o descaminho dos valores.
Ainda como forma de fazer vincar a sua tese de que tudo não passou de mera “jogatana”, Nhane avançou que não ficou provado que a LAM solicitou trabalhos à Executive e que o desconhecimento dos contratos por parte de outros funcionários da empresa faz prova da ilicitude a que sempre esteve em volta a ligação entre estas duas entidades.
Acrescentou que o facto de a Executive ter aberto mão de pagamentos a que tinha direito, na sequência de um acordo com a nova direcção da LAM, prova de forma inequívoca que não fez qualquer trabalho.
De acordo com o Ministério Público, António Pinto, Hélder Fumo e Sheila Temporário são acusados de crime de peculato, pela dissipação de valores da companhia aérea de bandeira.
“A montanha pariu um rato”- Hélder Matlaba
Hélder Matlaba, advogado de Hélder Fumo, foi quem abriu as hostilidades do lado da defesa. Simplesmente corrosivo, Matlaba disse que “a montanha pariu um rato”, isto depois das várias sessões de prova.
A conclusão assentava no facto de, depois de ouvidos os declarantes e testemunhas, não se ter encontrado evidências do cometimento do crime de peculato de que é acusado o seu constituinte. Não ficou provado, tal como disse, que Hélder Fumo ordenou pagamentos indevidos a favor da Executive, de terceiros, para si próprio, bem como via aquela empresa de publicidade, tenha recebido contra-partidas financeiras.
Matlaba avançou que o MP não conseguiu provar que o seu constituinte, por constar nos contratos como um dos assinantes, tenha tirado vantagens financeiras e, consequentemente, causado prejuízo patrimonial ao Estado Moçambicano. E por estes factos, disse Matlaba, não se está em presença de qualquer crime e o seu constituinte nunca sequer devia ter sido pronunciado.
Num outro desenvolvimento, a defesa de Hélder Fumo visou os depoimentos de Faizal Sacurgy e Norberto Mucopa, afirmando que faltaram com a verdade ao afirmar que não tinham ciência dos contratos com a Executive e sobre a capacidade da LAM em desenvolver os trabalhos que eram feitos por aquela empresa de Comunicação e Marketing.
Aliás, Matlaba chegou mesmo a afirmar que Faizal Sacurgy e Norberto Mucopa deviam ser responsabilizados, precisamente porque as declarações por eles prestadas abriam espaço para o desencadeamento de uma nova investigação e que culminaria com a responsabilização dos mesmos.
Sobre o facto de o seu constituinte ter, conjuntamente com António Pinto, assinado o contrato com a Executive, Hélder Matlaba explicou que foi convidado a assinar porque se tratava de um contrato que envolvia o desembolso de valores, ressalvando, de seguida, que os estatutos da LAM foram devidamente respeitados nessa operação.
Os estatutos da LAM demandam que os contratos na LAM são celebrados com assinatura de dois administradores e não específica as áreas. A obrigatoriedade repousa no facto de terem de ser dois administradores.
“Um processo mal instruído e mal investigado”, Abdul Gani
Tal como Matlaba, Abdul Gani, advogado de Sheila Temporário, não poupou o Ministério Público. Gani disse que se estava diante de “um processo mal instruído, mal investigado em que não conseguiram chegar ao âmago da questão”.
Segundo Gani, o MP fez apenas um esforço de juntar uma denúncia e assumir os elementos nela constante e, de seguida, levar as pessoas ao Tribunal, quando se calhar tudo podia ter sido resolvido nos órgãos internos, no Instituto de Gestão das Participações do Estado ou ainda junto da entidade que tutela a companhia aérea de bandeira.
Abdul Gani disse que, como forma de fazer vincar o argumento da existência de um ilícito criminal, o MP não conseguiu apresentar provas de que os valores pagos à Executive foram em benefício de terceiros, seja de Sheila Temporário, António Pinto ou mesmo Hélder Fumo.
“O MP não fez prova de que os dinheiros que foram pagos à Executive foram em benefício A, B ou C. Não fez prova. Então, onde está o crime. Onde é que está o ilícito. Faço as facturas e recebo e estou sendo acusado de um crime de peculato”, disse Abdul Gani.
O único esforço notável que o MP fez, disse Gani, é de tentar procurar ilícitos criminais num contrato comercial, assinado por duas entidades que concordaram com termos neles constantes, uma atitude que considerou de “ridícula, incompressível e inaceitável”.
Debruçando-se sobre a narrativa segundo a qual tratava-se de contratos misteriosos, Abdul Gani disse que tal foi desconstruído pelo funcionário do gabinete jurídico da LAM, que afirmou que foi este sector que fez a análise dos referidos e constatou que não colocavam em causa a empresa. Disse ainda aquele funcionário que era prática dentro da LAM, sempre que fosse uma entidade externa a oferecer o serviço, ser ela própria a elaborar o contrato e depois submeter e que era uma modalidade que vinha sendo implementada há anos, tendo citado, a título exemplificativo, os celebrados com a Golo e DDB.
Num outro desenvolvimento, Gani voltou a defender que não há fundamento legal para que Sheila Temporário seja acusado de dois crimes de peculato. Tal acepção, segundo Gani, não tem razão de ser porque a sua constituinte, primeiro, apenas rubricou o segundo contrato e, segundo, não era servidora pública.
Abdul Gani disse que a Executive recebeu pelos serviços prestados à LAM 16 milhões de meticais (mais 2 milhões de Imposto de Valor Acrescentado-IVA), e não os propalados 50 milhões de meticais.
“Trata-se de um processo que nem devia ter existido”- Janete Assulai
Sem fugir à linha dos outros causídicos, a defesa de António Pinto, na pessoa de Janete Assulai, avançou que se estava perante um processo que “nunca devia ter existido”, pois, depois de várias sessões de produção de prova não se chegou sequer a encontrar o ilícito criminal, que, naturalmente, seria o sustentáculo.
Janete Assulai disse que o MP partiu de pressupostos errados com o único objectivo de levar as pessoas ao tribunal, isto porque ignorou o facto de o contrato celebrado com a Executive ter observado os formalismos legais, a começar pelo estatuto da companhia área de bandeira.
Um outro indicativo da base pouco consistente da acusação foi o facto de esta apontar que o contrato era estranho a demais pessoas da instituição e de, igualmente, afirmar que a Executive não prestou qualquer trabalho à LAM. Sobre estas alegações, Assulai socorreu-se do depoimento do funcionário do gabinete jurídico da LAM (que confirmou ter feito a análise do contrato) e que Faizal Sacurgy e Norberto Mucopa faltaram à verdade, pois, tomaram ciência (participaram da discussão) da existência dos contratos e ainda receberam trabalhos daquela empresa de Comunicação e Marketing.
Janete Assulai disse, igualmente, que o MP não foi capaz sequer de conseguir provar com “A” mais “B” a dissipação de valores de que faz menção na acusação e muito menos o tipo legal de crime.
No final das alegações finais, o Juiz Rui Dauane deu a palavra aos três réus para, caso quisessem, dizer mais alguma coisa em sua defesa. Em uníssono, os três réus exigiram a responsabilização das pessoas responsáveis pela “denúncia anónima” que deu azo ao presente processo. Os réus mostraram-se revoltados precisamente porque as suas imagens e carreiras estavam profundamente beliscadas pelo facto de terem sido arguidos neste processo. (Ilódio Bata)