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segunda-feira, 20 janeiro 2020 04:50

Comunidades residentes em áreas de exploração de recursos florestais na Gorongosa “burladas” pelas autoridades há mais de uma década

Está em vigor desde 2002 o regulamento que determina que “50% dos valores provenientes das multas por transgressão à legislação florestal e faunística, destina-se aos fiscais de florestas, fauna bravia e aos agentes comunitários, que tiverem participado no levantamento do processo de transgressão respectivo, bem como as comunidades locais ou a qualquer cidadão que tiver denunciado a infracção”.

 

Em todo o distrito da Gorongosa estão registados oito operadores florestais, dos quais três em regime de concessão e cinco em regime de licença simples. Além dos comités de gestão de recursos naturais de Tambarara e Canda, existem outros cinco, nomeadamente Nhambita, Nhanguo, Kuzo, Tchutchenja e Santugira.

 

No entanto, desde então, duas comunidades do distrito da Gorongosa, em Sofala, com registo predominante de operações florestais, nomeadamente Tamarara e Canda, revelaram que nunca se beneficiaram do prémio de multas aplicadas sobre a exploração ilegal de recursos florestais, nas respectivas zonas.

 

Na busca de informações sobre o processo de canalização dos prémios para denunciantes e actuantes, bem como a forma que são feitas as denúncias das irregularidades nas comunidades e respectivo seguimento, uma equipa de investigação liderada pela Livaningo do consórcio ADEL Sofala, Livaningo, Muleide, IPAJ, e Rede de Jornalistas Amigos do Ambiente.. Deslocou-se em finais do ano passado à Gorongosa, concretamente, às comunidades acima mencionadas e constatou que as mesmas nunca se beneficiaram dos valores oriundos das denúncias de casos de exploração ilegal de recursos florestais.

 

No trabalho realizado, foram entrevistados cinco membros do corpo de fiscalização comunitária, designadamente Albertino Miquirisse, Rosita Chamisso Saroia, Rosário Araújo João (Comité de Gestão dos Recursos Naturais de Canda); Carlitos Jacinto Alficha e Bói Marcelino Gemo (Comité de Gestão dos Recursos Naturais de Tamarara). Nas respostas dadas ao conjunto de perguntas que lhes foram colocadas, foram unânimes em afirmar que não se lembram de alguma vez se terem beneficiado do mecanismo legalmente instituído pelo Decreto N º 12/ 2002, de 6 de Junho, sobre a comparticipação.

 

Albertino Miquirisse, chefe da equipa de fiscalização ao nível do Comité de Gestão dos Recursos Naturais de Canda e Carlitos Jacinto Alficha, chefe de fiscais do comité de Tamarara ambos confirmaram a ocorrência recorrente, nas suas comunidades, de casos de violação da legislação florestal e faunística, com principal destaque para situações de abate indiscriminado de árvores para produção de carvão vegetal.

 

Miquirisse afirmou ainda que são tantos os casos de infracção nas operações florestais, na sua comunidade, que já nem se lembra de quantos foram no total, desde que se encontra envolvido neste trabalho, ou seja, desde 2007. Referiu ainda que, na sua maioria, os casos envolvem membros da comunidade local que se dedicam à produção de carvão, os quais tem feito o abate indiscriminado de árvores.

 

Sobre o tratamento que dão aos supostos prevaricadores, respondeu que tem sido levados à sede do comité onde são sensibilizados a não retornarem à prática. E, nos casos em que se observa relutância ou reincidência são encaminhados as autoridades estatais.

 

Perda de confiança as autoridades

 

De acordo com fontes, normalmente, quando se neutraliza um furtivo o caso resolvido na respectiva comunidade. “Geralmente temos aplicado uma multa e nos beneficiamos imediatamente dos valores. Recentemente, por exemplo, flagramos uns cidadãos a poluir o rio para facilitar a captura de pescado. Tivemos uma resolução de irmãos para irmãos, um “combinado” da zona. O valor da multa que aplicamos foi de 1.500,00 Mts, porém, os prevaricadores disseram que não tinham dinheiro para pagar, vai daí, demos-lhes o trabalho de construir latrinas a favor das comunidades locais”.

 

Nas suas declarações, Miquirisse deu a entender que há pouca confiança em relação à transparência por parte das autoridades do distrito. “Quando apresentamos uma denúncia somos excluídos dos passos subsequentes. Não assinamos nenhum documento. Outro dia neutralizamos tractoristas, comunicamos aos fiscais do governo, mas até hoje não tivemos resultados. Já não temos motivação para continuar a desenvolver uma cooperação sã com as autoridades, porque não vemos a vantagem”, denunciou.

 

“Eles é que não nos dão esse direito. Nem chegamos a ver o tipo de documento... Estamos cansados. Nós preferimos pegar esses nossos e cobrar multa para as comunidades. Nunca recebemos nenhum valor. Também temos medo, não temos capacidade”, acrescentou. Relativamente aos operadores florestais, o entrevistado disse que neutralizar camionistas tem sido muito difícil, por não possuirem meios para imobilizar as viaturas em circulação.

 

“Não temos essa capacidade. A nossa intervenção tem sido mais para os homens de corte e não são muitos casos que temos conseguido porque as zonas de corte também ficam distantes das nossas áreas residenciais. Mas sempre que ocorre um caso nas redondezas temos conseguido capturar os autores e geralmente apreendemos os instrumentos de corte. Não temos capacidade para neutralizar transportadores”.

 

Revelações semelhantes foram dadas pelos restantes dois membros do comité de gestão dos recursos naturais de Canda, designadamente Rosita Chamisso Saroia e Rosário Araújo João. Para Rosita Chamisso, nos últimos anos houve uma redução substancial de operações florestais, reduzindo, consequentemente, as práticas ilegais. Por seu turno, Bói Marcelino Gemo, fiscal de Tamarara, que actua na área há sensivelmente 18 anos, declarou que nunca recebeu e nem acompanhou a recepção de dinheiro resultante de multas. “Dinheiro não tenho recebido”, repisou a fonte.

 

 “Foi em 2018. Eramos dois fiscais e levamos a madeira para a sede do distrito. Depois o SDAE vendeu a madeira e nos deu pouco dinheiro, para pelo menos comprar sabão. Disseram-nos que venderam a madeira para carpinteiros locais por 150,00 Mts cada peça. Eram 10 peças que renderam 1500, 00 Mts e deram-nos 500,00 Mts, tendo dividido 250,00 Mts para mim e a outra metade para o meu colega”, contou Bói Marcelino Gemo.

 

Carlitos Jacinto Alficha, chefe de fiscais do comité de Tamarara, disse que ao longo do ano 2019 a sua comunidade neutralizou 26 carvoeiros ilegais. “Todos eles foram julgados na sede do comité. Se constatarmos que é reincidente encaminhamos a pessoa às autoridades do governo. Já levamos três pessoas este ano às autoridades do governo. Não sabemos se já pagaram as multas”, afirmou o entrevistado, frisando que este ano reduziu muito a acção de furtivos.

 

Relativamente à abordagem primária, Gimo Simango, Director do Serviço Distrital de Actividades Económicas (SDAE) em Gorongosa mencionou um caso de transgressão que culminou com a aplicação de uma multa no valor de 200 mil meticais, cujo denunciante foi o presidente do comité de gestão de recursos naturais de Kudzi.

 

A fonte disse ter informação de que a multa já foi paga e quanto à compensação de direito ao denunciante, afirmou tratar-se de um caso recente e que ainda está em tramitação. “Temos informação de que a multa já foi paga, mas está ainda no processo de tramitação ao nível da DPTADER”, avançou Simango.

 

Gimo Simango explicou que os denunciantes em condições normais tem de participar em todo o processo e para a beneficiação da compensação resultante do valor das multas exige-se que preencham os requisitos pré-estabelecidos.

 

“O que muitas vezes acontece nós agora estamos a tentar trabalhar com os denunciantes, com as comunidades, porque para que os valores de comparticipação sejam transferidos é preciso que eles tenham NUIT, conta bancária. Então, há alguns procedimentos que é preciso que aconteçam e muitas vezes os denunciantes não têm. Mas, há um trabalho que estamos junto as comunidades de forma a sensibilizar cada membro do comité para ter NUIT, conta bancária para facilitar as transações”, avançou o Director do SDAE de Gorongosa. (Paula Mawar & Omardine Omar)

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