“Não há dúvidas de que a agricultura, indústria transformadora e o turismo são os sectores que deveriam merecer a melhor atenção para o relançamento da nossa economia, contudo, para que esses sectores tenham sucesso, é importante que se relance o princípio de “produza e consuma Moçambique” e dar primazia a instituições que assim se comportam nos concursos públicos de fornecimento de bens e serviços, através da atribuição do distintivo “Made in Mozambique”, um selo que premeia as empresas que se distinguem no consumo de produtos nacionais. São o exemplo a seguir no trabalho digno e são pagadores das suas obrigações fiscais e outros”.
AB
“Num País, com o nível de dificuldades que nós temos, do financiamento à economia, era possível haver uma estratégia relacionada ao Banco Central e … numa definição, dois ou três sectores prioritários, para o relançamento da economia e pedir aos Bancos que canalizem até um determinado montante aquilo que eles depositam nas reservas obrigatórias. Canalizassem a esses dois ou três sectores a taxas bonificadas porque ganharíamos todos, ganharia a economia a ser financiada, ganhavam os Bancos que não estavam a taxa zero no Banco Central e ganha a economia como um todo”.
In João Figueiredo, no Economic Briefing CTA
Tem sido objecto de debate o financiamento da nossa economia e, pelos dados que amiúde vêm sendo divulgados, os recursos financeiros são canalizados para os sectores menos produtivos e com baixo contributo para o PIB nacional, como é o caso do comércio. No entanto, a agricultura contribui com 25% do PIB, mas recebe qualquer coisa como 3 a 4% do financiamento, ou seja, o financiamento à agricultura, que é o suporte da economia, é feito com base em recursos familiares, o que parece uma distorção e que deve ser corrigido com urgência. Entretanto, a questão é: quais são os sectores que podem servir de alavanca para a nossa economia? Na minha opinião, são três, a saber:
Se considerarmos que mais de 80% da nossa população trabalha na agricultura, e que a agricultura, que contribui para o PIB com 25%, é do tipo familiar, isto significa que o potencial de crescimento deste sector é enorme e resolve-nos o essencial de um País, que é o combate à fome e, ao mesmo tempo, pode equilibrar a balança de pagamento, evitando a importação de produtos, cuja produção é possível e sem recurso a grandes tecnologias.
A produção Agrícola, à escala comercial, também pode permitir a retenção de jovens nas zonas rurais, limitando, dessa forma, a migração campo/cidade e com as consequências que isso tem trazido para a superlotação das cidades e vilas pelo País. Não só a taxa de desemprego iria baixar, como também a criminalidade, resultante de ociosidade, baixaria e teríamos as cidades e vilas lugares livres de crimes e com boas condições para se viver.
Relativamente à indústria transformadora, a ideia seria financiar a transformação dos principais produtos agrícolas e evitar a exportação em bruto da maior parte da nossa produção. Essa indústria poderia, igualmente, conservar produtos cuja produção é sazonal como, por exemplo, tomate, citrinos, algumas hortícolas, carnes, peixe entre outros. Esta indústria, devidamente acarinhada, poderia também empregar muita gente e contribuiria, sobremaneira, para o desenvolvimento da nossa economia, como diz o Dr. João Figueiredo, ficaríamos todos a ganhar, por isso, na minha opinião, seria o segundo sector elegível para o relançamento da nossa economia, mas, não há dúvidas que o processamento dos produtos agrícolas acrescenta valor.
Por outro lado, para que os dois sectores tenham sucesso, é imperioso a revisitação do princípio “produza e consuma Moçambique”. Na verdade, não basta que o produtor produza e a indústria transforme os produtos agrícolas, se não tivermos consumidores preferenciais, a economia continuará estagnada e/ou pior do que está hoje. Um dos melhores consumidores destes produtos é o Estado Moçambicano, através da saúde, sector militar, as cadeias e outros sectores afins, mas, se estes sectores de grande consumo continuarem a preferir compras de produtos importados, esqueçamos a ideia do relançamento da economia. Se estamos recordados, o slogan “produza e consuma Moçambique” tirou da falência muitas empresas nacionais, foi quando se introduziu o selo de “Made in Mozambique” que parece ter caído em desuso.
O terceiro sector de economia a relançar, na minha opinião, seria o Turismo. Não há dúvidas de que o Turismo é o sector transversal, pode e alavanca muitos sectores da nossa economia, ou das economias que levam a sério esta indústria. O Turismo consome quase tudo, desde os bens alimentares de agricultura, os bens do artesanato, oferece emprego a milhares de pessoas, que transportam pessoas e bens, cuida, através dos serviços de saúde, exige formação dos tendentes do sector, enfim, o Turismo pode relançar a economia em muitos sectores da nossa vida.
Dito isto, quis contribuir e reforçar a ideia do Dr. João Figueiredo e suportada por muito mais colegas do sector privado sobre a necessidade de olhar para Moçambique e sua economia, não somente na perspectiva de “enxugar” os recursos financeiros disponíveis para evitar a inflação, mas e sobretudo, fazer com que os recursos financeiros disponíveis e meio estéreis na Banca Central sejam usados para alavancar a nossa economia.
PS: Dedico esta reflexão ao meu amigo e jovem empresário Eder Pale. Abraço.
Adelino Buque
“porque cedo me deram a poesia, essa voz cândida, funda, pela qual empobreço escrevendo versos”
Eduardo White (Os Materiais do Amor seguido de O Desafio à Tristeza)
Eduardo White foi, provavelmente, entre os poetas da minha geração, aquele que levou ao extremo o ideário da poesia – da verdade, da liberdade, da justiça e do entendimento – e aquele que viveu ao limite a ideia romântica de ser poeta. Era talentosíssimo, o mais talentoso dos poetas que gravitaram à volta da “Charrua” e que fizeram dos anos 80 o arrimo da sua poesia, da sua rebeldia e da sua afirmação. Era um vulcão em permanente erupção. Um poeta empolgadíssimo que punha nas palavras o acento da sua intrépida paixão pela vida, o seu amor proclamado pela mulher, pela viagem, pelo Índico, pelo Oriente. Mas também poesia sublinhada (ou sublimada) pelos seus fantasmas, as suas aflições ou os seus tormentos.
Indubitavelmente, o mais talentoso, o mais instigante, o mais inventivo, o mais enérgico, o mais fecundo entre todos nós. Era também luminosamente obscuro. Ou obscuramente luminoso. Escreveu hinos, versos, epifanias. Foi visitado pelos deuses. Testemunho disso: as inspirações, as visões, as centelhas. Escreveu imenso. Trabalhou duramente. Era também um obstinado esteta. Um artífice da palavra. Era fervoroso, vibrante, arrebatado. Poderia ser, ao mesmo tempo, obcecado, truculento, feroz. Escreveu soberbamente. Era um poeta encantado pela língua, pela poesia, pelo destino e pela loucura de ser poeta. Viveu em permanente sobressalto. A sua poesia era um sobressalto continuado. Era lírico, engajadamente lírico. Os problemas do seu tempo e da sociedade não lhe eram alheios, antes pelo contrário. Era um poeta do amor que não virava costas à realidade social. Não suportava as desigualdades, aviltava a mediocridade. Cauterizou sempre a mediocridade e foi cortante com a mediania que trespassa o devir moçambicano.
Eduardo White fez da poesia um acto de combate. Um acto de rebeldia. Um acto de liberdade. Ele propugnava a liberdade livre. Um poeta tem de ser isso mesmo: um homem livre. Livre diante das palavras e do seu tempo, e dos homens e do seu tempo. A liberdade poética de Eduardo White está na origem de algumas das mais belas páginas da nossa lírica. Inscreve-se entre os que estão no cume dessa invenção e dessa aventura de ser moçambicano. Mas era, simultaneamente, um grande poeta da língua portuguesa.
A sua vastíssima obra iniciou-se com um livro que foi uma pedrada no charco. Amar sobre o Índico, editado em 1984 pela Associação dos Escritores, tinha o autor 21 anos, em que escreve “Felizes os homens / que cantam o amor. // A eles a vontade do inexplicável / e a forma dúbia dos oceanos”. Aqui parece produzir-se um ideário e um programa. A esta distância, estes versos parecem pacíficos. No entanto, nos anos em que foram escritos, em que deram corpo, voz e rosto a um poeta (Eduardo White), não poderiam ser mais resolutos. Vivíamos os tempos da revolução e numa circunstância em que os seus prosélitos não anteviam outra possibilidade senão os amanhãs que cantam.
White e a sua geração denegaram a incumbência de cantar a revolução, ou até a luta armada. Não se assumiram ufanos, nem fizeram da Pátria um destino ou uma desinência, mas sim a poesia e a liberdade do indivíduo num tempo e num contexto histórico em que o assomo colectivo e colectivista não admitia nenhuma contradita. Escrever sobre o amor era, por assim dizer, uma sedição.
O seu segundo livro decorre de uma contingência: o hediondo massacre de Homoíne, em 18 de Julho de 1987. A nossa amnésia condescende até com a barbárie. Somos um povo resignado. Num magro volume, de um poema em oito partes, justamente intitulado Homoíne (1987), Eduardo White recusa o anátema: “Os nossos mortos são muitos, / são muitos os nossos mortos / dentro das valas comuns” e este seu gesto é (também) a negação do “pássaro lento do esquecimento” dessa “morte explodindo como um tiro” e desse “impiedoso silêncio”: “Mas o que os mortos não sabem nem imaginam, / é que no coração dos que ficam, no coração dos vivos / inteiros permanecem e decididos VIVEM.”
O terceiro livro, obra do seu amadurecimento, surge em 1989: O País de Mim. O amor, de novo: “Eu já amava e escrevia versos / nas paredes do útero da minha mãe”: “Assume o amor como um ofício / onde tens que te esmerar”. A mulher (“MULHER! / Essa palavra que só secreta / cabe na boca / e que apetece tê-la, constantemente, / a meio da língua”). O corpo (“Teu corpo é o país dos sabores” ou “teu corpo essa casa feliz”). As palavras: “Não gosto do pudor de certas palavras”. O Índico: “És o Índico – numa tarde quente de Janeiro”. A morte. “Quando morrer / quero fazê-lo sem rumor algum, / sem ninguém que me chore / ou a quem doa”.
A morte, depois de Homoíne, irrompe brutalmente na poesia de Eduardo White. Neste livro, é vista como “nocturna ave”. A ave e o voo serão sintagmas importantes da obra subsequente. Mas a morte aqui é impressiva: “Diário é também / o ofício da morte neste país / essa gangrena de fome e de sede / e de desentendimento”. Quase quatro décadas depois, estes versos permanecem dilacerantes, verdadeiros e actuais. Perturbadores, avassaladores. Diria que este livro – O País de Mim – está nessa bissectriz entre o amor e a morte: “E aqui estamos, amor, vivos / na nossa morte”.
Em 1992, Eduardo White publica Poemas da Ciência de Voar e da Engenharia de Ser Ave. Retorna à prosa poética que publicara esparsamente nos meados dos anos 80. Na “Gazeta” da ínclita Tempo haveria de publicar, naqueles ominosos anos, um belíssimo texto inédito em livro: “O país de Inês” (1986). No tempo em que lhe era hodierno, o poeta apostrofa: “Eu não posso morrer qualquer dia com todo este desconhecimento sobre as aves. Peço licença à poesia. Quero-as voando em meus versos e também um mar e dois ou três navios que se achem por perto que desmereça toda a beleza disso deixai que escreva pois a vontade prevalece e queima”.
A morte ronda este livro. Mas também a fuga à realidade obsidiante. “Podemos sonhar sem limites mesmo que a insónia nos castigue”. A vontade da escrita: “Uma mão relampeja na casa da escrita.” “Escrever é uma droga antiga, / uma bebedeira que queima com lentidão / a cabeça, / traz as luzes desde as vísceras, / o sangue a ferver nas vias tubulantes, / traz a natureza estimulante das paisagens / que temos dentro.” A loucura de ser poeta (“Dá-me aquela secreta mão de Deus” ou “este desejo irrevogável do meu poeta”). O dom do voo e a oferenda da escrita: “Voar é uma dádiva da poesia.”
A recusa da morte. A morte, sempre. A morte interior. Ou, se quisermos, o milagre da vida, em anteposição. “Voar é não deixar morrer a música, a beleza, o mundo e é também fazer por escrever tudo isso”. Os assombros do poeta. Os pavores do poeta. Os seus desesperados. Os seus “sonhos terríveis”. Os espantos do poeta.
Os Materiais do Amor seguido de O Desafio à Tristeza (1996) traz os sinais da viagem ao Oriente: “Amo-te sem recusas e o meu amor é esta fortaleza, esta Ilha encantada, estas memórias sobre as paredes e ninguém sabe deste pangaio que ao Norte e na Ilha traz um amante inconfortado.” Mas é também o lugar “onde igualmente possa chorar a minha trágica fatalidade de poeta”. Ou o lugar da beleza, da poesia e da mulher: “tu que és uma mulher e explodes pela beleza de ser isso.”
Eduardo White: “Todos os dias enlouqueço de uma loucura qualquer, de qualquer sentido doente que sobre o meu sangue se curva. Todos os dias tenho perguntas para tudo e não tenho respostas nenhumas e a minha mente, que é carnal de medo e memória sem propósito, não descansa.” Ou: “A vida que é um suposto mal entendido como, aliás, eu próprio.” Ou ainda: “Estou cansado de trazer este peso comigo, este abismo para onde me atiro”. Isto é terrível. Mas o que vem a seguir é ainda mais assombroso: “Por isso é que deixei que os versos me desvanecessem a juventude até onde podiam”.
White: “Por isso é que não existo como um número e o Estado não me dá importância devida. Por isso é que sou liberal só nas coisas em que tenho que ser liberal. Por isso é que a polícia me vigia. Por isso é que não há tranquilidade para quem se põe a escrever. E por isso também é que pergunto porque escrevo e que sentido é que terá a escrita dessa maneira que ninguém a lê. Por isso é que as respostas não existem e eu estou aqui a matar-me sem razão aparente para o fazer”.
A resposta a esta tremenda questão encontrá-la-emos no livro ulterior – Janela para Oriente (1999) – “Escrever é uma razão forte, é uma audácia profunda”, “Não quero outra coisa senão este mistério em que me invento”. O poeta estabelece nesta obra outro cume da sua invenção. “Para que precisa um poeta de glória quando não pode escrever?” Este é um belíssimo hino à condição do Índico e da vontade do Oriente. Mas também um solilóquio de um poeta aturdido com o destino do mundo e do homem. Um homem solitário no interior da poesia. “Mas eu não suporto a solidão, reconheço-o , não suportar estar só com tanta clareza, com tanta consciência.”. Um poeta que reconhece a realidade contraditória em que vive. “No fundo o Oriente é o desejo transbordante de tão súbito desespero, uma fuga ao enclausuramento.” “O Oriente é também uma ambição”: “A janela do quarto de onde escrevo é de um esplendor que dá vontade de saltar por ela”.
A poesia de Eduardo White torna-se mais ontológica, reflexiva, doutrinária e questionadora. Em Dormir com Deus e Um Navio na Língua (2001) permanecem as inquietações: “Vivo intensamente todos os dias esse milagre de não parecer estranho o que se parece estranho em mim, porque posso perguntá-lo, tentar conhecê-lo porque posso traduzi-lo traduzindo-me”. A língua é também um território de pertença: “Preciso dela, pois é tudo o que tenho como ferramenta e como trabalho, como propósito e intuição. Escrevo para que se entenda”. White amou implacavelmente a língua, a sua língua. Amou como poucos a língua portuguesa: “Doer-me-ia se tivesse que viver exilado dela, morreria se a ela fosse impossível voltar.” Não há muitos como ele, entre nós, que se tenham elevado tão assim no canto desta língua: “Tem uma origem divina esta língua quando a pronuncio e me embevece, um bálsamo pra o que choro”. Isto é de uma beleza comovedora. Isto é pungente. Pungentemente belo.
Seguem-se-lhe, na estante de autor, As Falas de Escorpião (2002), O Manual das Mãos (2004), O Homem a Sombra e a Flor e Algumas Cartas do Interior (2004), Até Amanhã Coração (2007), A Fuga e a Húmida Escrita do Amor (2008), Dos Limões Amarelos do Falo às Laranjas Vermelhas da Vulva (2009), A Mecânica Lunar e a Escrita Desassossegada (2012), O Poeta Diarista e os Ascetas Desiluminados (2012) e o epílogo Bom dia, Dia! (2014). De permeio, O Libreto da Miséria (2010). As mesmas inquietações. O mesmo destino de ser poeta. “Um poeta não é para se perceber, é para sentir-se” (O Manual das Mãos). A aspereza desse fatalismo. “Aqui ninguém liga peva à poesia. Nem à poesia e nem a outra coisa nenhuma que cheire a cultura.” Canta o destino do poeta: “Nos poetas cada palavra tem o seu milagre”, mesmo diante da realidade acerba. Aliás, sobretudo diante da rudeza ou acrimónia da realidade.
Diria, como súmula, que o poeta Eduardo White contraditou, obstinadamente, essa realidade brutalmente áspera, agreste, rude, dura, insensível, severa, insensível. Aliás, se quisermos intuir o sentido da sua poesia, do seu alto canto e do seu destino foi uma implacável contestação dessa realidade, foi uma objecção permanente, um questionamento, uma indagação e uma demanda constante. Um poeta amante da vida e do amor. Amante da sua loucura de ser poeta.
Poeta apaixonado, arrebatado e arrebatador, efusivo e fervoroso, amante feroz da mulher e do seu corpo, da língua e do seu destino, navegante do Índico e do Oriente, implacável contra a morte e esse “pássaro do esquecimento”, oficiante da língua e esconjuro da morte, ele divisou a vida e a fortuna da poesia como a “vontade do inexplicável” e “a forma dúbia dos oceanos”.
Amou a língua e os poetas. Amou Rui de Noronha ou Jorge Viegas, José Craveirinha ou Glória de Sant’Anna, leu Rui Knopfli ou Luís Carlos Patraquim, leio-os com método, foi indefectível de Sophia de Mello Breyner Andresen, Herberto Helder, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Vinícius de Moraes ou Fernando Pessoa, viveu a loucura de ser poeta. Aliás, Jorge Viegas, seu conterrâneo, escrevera: “No meu país / a única forma de liberdade permitida / é a loucura”. Eduardo White buscou incessantemente essa liberdade e essa loucura. Viveu como poeta, amou como poeta, morreu como poeta. Teve essa coragem e essa afoiteza. Foi capaz da contradita, da sedição. A poesia foi nele um gesto de audácia. Os versos do poema 60 de O País de Mim parecem inscrever, na pedra angular do tempo, esse destino indesmentível de poeta e esse tom irrevogavelmente elegíaco: “Estamos na morte com o mesmo encanto e com a mesma mestria com que estivemos na vida.” São premonitórios. O poeta declinaria a 24 de Agosto de 2014, aos 50 anos. Viveu até ao fim com estrépito. Celebrou sempre o milagre da vida. Com ímpeto, com arroubo, com veemência. Recordo-o assim: a sua coragem e a sua euforia de ser poeta. A sua alegria, também. A sua fúria. A sua bebedeira até ao fim, embriagado pela vida e pelo amor. Tinha nascido, em Quelimane, a 21 de Novembro de 1963, passam hoje, precisamente, 60 anos.
Cidade do Cabo, 21 de Novembro de 2023
“Senhor Ministro da Indústria e Comércio! As Associações, o conjunto das Associações, não falam, quem fala são os seus representantes individualmente e chamar atenção sobre o efeito negativo da criação de uma espécie de taxa paralela, sobre as exportações e importações, quer para os operadores do Comércio Externo, como para o consumidor, precisa de apoio do Governo! É preciso recordar o Governo sobre o ciclo das culturas agrícolas que, negligenciando a saída dos produtos em armazéns, pode criar problemas logísticos. Necessita de apoio de algum Ministro em específico ou do Governo? Chamar atenção para aprovação de uma regra e ou Lei que irá impactar negativamente nos negócios internos e externos é protagonismo individual? Não devemos criar “algemas” ao Diálogo Público-Privado. Devemos mantê-lo e de forma horizontal”.
AB
Depois da independência nacional, Moçambique escolheu, para a economia, o modelo de planificação centralizada. Entretanto, não está em causa nesta reflexão as razões disso. Trata-se apenas duma constatação. Na Constituição de 1990, assume, formal e constitucionalmente, o Modelo de Economia de Mercado, em que as pessoas, individual ou colectivamente, são a força da economia. Nesse sentido, assume a defesa de propriedade individual e colectiva, premissas bastantes para que haja segurança jurídica no sector económico e empresarial.
Passam, hoje, 33 anos desde que Moçambique abraçou a economia do mercado e, para tanto, muito esforço tem sido despendido, de forma voluntária, pelo sector privado, para que as normas que regem este modelo estejam em conformidade com o que se passa no mundo fora. É preciso lembrar que Moçambique não é nenhuma ilha. Aquilo que se passa em Moçambique repercute-se noutras latitudes, para o bem ou para o mal e aqui está o comprometimento do sector privado, junto do Governo de Moçambique, para encontrar formas que tornem o ambiente de negócios mais apetecível em Moçambique.
A participação do sector privado na melhoria do ambiente de negócios não deve confundir o sector público, no sentido de subordinação, pois, as organizações do sector privado, quer do ponto de vista de Associações, Câmaras Bilaterais ou outras são entidades com autonomia Administrativa, Patrimonial e Financeira. Não dependem do Orçamento Geral do Estado, dependem, sim, da contribuição dos seus membros, dos donativos e/ou doações de parceiros e membros, pelo que nenhum governante se deve imiscuir na vida dessas organizações e tão-pouco ordenar seja lá o que for.
A recente intervenção do Ministro da Indústria e Comércio, no Fórum de Investimentos no Niassa, mostra, de forma clara, que existem membros do Governo de Moçambique que não estão claros sobre o seu papel e a natureza de relações a estabelecer com a sociedade civil ou sector privado, mas também pode ser que, passados 33 anos depois da introdução da economia do mercado, esses membros do Governo de Moçambique tenham saudades do centralismo económico ou economia planificada, o que se torna bastante estranho porque não se pode viver em função de conveniências, ou somos uma economia do mercado ou somos uma economia centralizada.
Na minha opinião, não se pode usar regras de economia de mercado, quando nos convêm e de economia centralizada ou planificada quando é conveniente. Quando o Ministro diz: “como Governo, não apoiamos intervenções movidas por conta de protagonismo individual, como Governo, não apoiamos intervenções das Associações ou conjunto de associações movidas por protagonismo individual”. Espero ter feito a citação correctamente. Ora, não sei se alguém ou alguma Associação terá pedido apoio ao Ministério da Indústria e Comércio para qualquer que seja o assunto, mas o que se sabe é:
1) Foi chamada a atenção ao Governo de Moçambique sobre a provável queda em 20% de exportações de produtos agrícolas, devido ao problema de quotas e certificados;
2) Que os operadores de exportação de Feijão Bóer, Gergelim, castanha de Caju e outros são os mesmos, pelo que, no caso de iniciar uma campanha com produtos de outra campanha em Armazém, criaria problemas de logística;
3) Que o PAC, na forma como foi introduzido, sem um debate aprofundado com o sector privado, pode constituir um obstáculo ao bom Ambiente de Negócios;
4) Que a INTERTEK, na sua actuação, parece ter criado uma pauta Aduaneira paralela, o que pode minar o Comércio Internacional e onerar o consumidor interno.
Vamos raciocinar com base em alguma lógica. Se esta chamada de atenção é dirigida ao Governo de Moçambique, devido ao impacto que pode ter na imagem do País e nas exportações, faz algum sentido esperar pelo apoio do Governo ou do Ministério da Indústria e Comércio? Se uma instituição do Governo parece ignorar os ciclos produtivos agrícolas e dificulta o escoamento de produção, o que poderá criar problemas logísticos. Chamar atenção sobre isto precisa de anuência de algum Ministro ou do Governo no seu todo! Por favor, a relação entre o Governo de Moçambique e o Sector Privado é horizontal, não existem chefes e subordinados. Haja clareza!
Adelino Buque
Por ocasião dos 136 anos de Maputo, a cidade capital de Moçambique, vulgo a cidade das acácias, que foram celebrados no passado dia 10 de Novembro, o Jardim Zoológico de Maputo (JZM) foi um dos locais que mereceu a visita de alguns citadinos maputenses, das cidades e vilas circunvizinhas.
Na qualidade de anfitrião acompanhei uma família-viente na visita ao JZM. De regresso, já em casa, foi interessante ouvir a criançada a dar o relatório aos que não foram ao JZM. Em uníssono só se ouvia: “Vimos onde ficava Leão”; “Vimos onde ficavam elefantes”; Vimos onde ficavam girafas”, e por ai mata adentro.
No dia seguinte levei os petizes a conhecerem o centro da cidade. De regresso, eis alguns excertos do reporte: “Vimos onde ficavam as árvores”; “Vimos onde tinha parque das crianças”; “Vimos onde tinha passeios e onde passavam comboios”.
Depois do jantar, e no momento da planificação do programa de visita para o dia seguinte, um dos petizes pergunta: “Tio, amanhã podemos visitar a cidade das acácias?”
Nando Menete publica às segundas-feiras
Daqui a pouco, por causa das festas de Natal e fim-do-ano, será o ram-ram numa cidade vocacionada ao tédio e falta de crença no futuro. Nem o turismo, que seria a gazua, a transforma, talvez porque os interesses dos que detêm os cordelinhos sejam outros. Não há nada por aqui, quase absolutamente nada, que seja resultado da economia do turismo e que benefecie as populações. Propala-se demais, promovem-se seminários, gastam-se nesses encontros, dinheiros que nem sequer provêem da área, e os resultados serão escassos.
Vem sendo assim desde que se implantaram as instituições que lidam com o turismo. Fala-se e discute-se nos papeis e nas salas montadas a propósito. Bebe-se muito café e no fim promovem-se jantaradas abastadas com camarões e lagostas e peixe da primeira, tudo isso regado com bom vinho, mas a cidade continuará na mesma. Sem colher os frutos de uma sementeira falsa.
É falácia vir cá fora dizer que o turismo cria empregos, não só na cidade, como em toda a extensão da província de Inhambane. Se calhar pode ser verdade. E ainda dizem mais, “com esses empregos os jovens conseguem colocar pão à mesa das suas famílias”. E eu pergunto, que pão! Quanto é que recebem esses jovens? Com que dignidade são tratados como empregados e como pessoas! Quantas horas trabalham por dia?
Esta será a parte mais dolorosa e condenável que devia preocupar as estruturas competentes, como o Ministério do Trabalho e o Ministério da Cultura e Turismo, se efectivamente houvesse interesse em que o Turismo trouxesse benefícios aos moçambicanos. Mas são eles, os investidores, que ganham, explorando os moçambicanos. E não escondem a sua actuação, provavelmente porque têm protecção de alguém que está pouco se lixando com o tratamento dado aos seus compatriotas. Então eles podem fazer as coisas a seu bel prazer.
Na orla marítima, desde Zavala até Inhassoro, estendem-se lodges sem fim, muitos deles explorados por estrangeiros. Ganham dinheiro, sobretudo em tempos de pico. Abrem espaço aos que podem desfrutar desses lugares de lazer, independentemente de ser ou não daqui, e nem é sobre isso que estamos aqui a falar. A questão é, quanto é que eles pagam de impostos para desenvolverem o seu trabalho? Para onde vai esse dinheiro que pagam? E não há sinais de que haverá amanhã outra direcção de desenvolvimento com base no turismo.
De que vale termos um turismo que não nos beneficia? De que vale termos um Ministério vocacionado, se o crescimento que se regista não traz valor concrecto às populações? De que valem os discursos oficiais do tipo “Temos vários investidores que estão a trabalhar no nosso país e dão emprego aos jovens”, se a cidade de Inhambane em particular e o país no geral ganha quase nada? É claro que Moçambique está aberto aos investimentos, e eles vêm em catadupa, sabem que não vão pagar quase nada de impostos. Fala-se muito de incentivos fiscais que vão atrasando o nosso país em benefício de poucos, para a manutenção da nossa desgraça.
Urge mudar urgentemente de paradigma. É preciso colocar o turismo na catapulta do desenvolvimento como se faz noutros países, e Moçambique tem potencial soberbo para fazer girar a roda. Mas enquanto as palavras e os pomposos discursos prevalecerem, continuaremos assim: na pindaíba!