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quinta-feira, 07 março 2019 07:06

Esqueceram-se da pátria e do povo

Estou a render com as notícias dessas últimas semanas: a zanga entre Guebuza e Nyusi e as teorias de envenenamento. "O filho mais querido" e "o enviado de Deus" estão em guerra de venenos. Agora só comem com técnicos de laboratório e médicos ao lado para testarem o que vão comer ou para derem desintoxicados depois de comerem. Sempre que leio essas notícias me caem lágrimas... de vergonha. 


Quer dizer, aqueles dois cidadãos que juraram servir a pátria, dedicar todas as suas energias para o bem-estar do povo moçambicano e respeitar e fazer respeitar a Constituição da República decidiram disputar olimpíadas de intoxicação alimentar entre si. Ou seja, agora a preocupação deles é saber preparar a poção mais mortífera para matar o outro. Coisas de vergonha! A preocupação agora é ler enciclopédias de Química para saber confeccionar venenos. 


Duas pessoas que deviam estar unidas e preocupadas com o desenvolvimento do país, com as decapitações em Cabo Delgado, com o "chek-in" de Manuel Chang, com os "mai-love", com o gás, etecetera, etecetera, preferem brincar de Tom & Jerry na praça. Pessoas que deviam estar a partilhar vivências, experiências e conhecimentos preferem exibir musculatura do ódio e da baixaria. Pessoas que deviam estar a promover e a valorizar os "doutores-honoris-causas" que receberam preferem transformar-se em feiticeiros. No lugar de ocuparem laboratórios e cientistas com sobremesas envenenadas, podiam ocupá-los com investigação de sementes melhoradas, fertilizantes orgânicos, até mesmo medicamentos. 


"O visionário" e "o restaurador" se esqueceram do seu país e do seu povo. O país e o povo que eles juraram servir ainda estão aqui na mesma penúria, mas parece que ninguém se importa. O mais importante agora é bisbilhotar onde, quando e o que o outro vai comer para lhe administrar sorrateiramente o elixir fatal da última geração. O foco agora é o "último adeus" do outro. Se me contassem, eu não acreditaria. Estou a falar de duas pessoas reputadas... Estou a falar de dois Presidentes da mesma República ... Estou a falar de dois estadistas... Estou a falar de dois guias. 


Com tanta coisa boa e oportuna para fazerem para o país e para o povo, eles decidem caminhar na contra-mão. Juro que eu não sei onde essa gente busca essa inspiração. Não sei onde encontram tanto tempo. Não sei onde deixam a seriedade. Não sei onde querem chegar. A única coisa que sei é que ninguém vai nos levar a sério assim. Paremos com palhaçadas, faz favor! Isso não é normal. Estamos a exagerar. 


- Co'licença!

terça-feira, 05 março 2019 06:14

O significado do aumento de capital na GAPI

O que acho relevante no facto de acionistas privados nacionais estarem a mobilizar dos seus bolsos quase 5 milhões de USD para uma instituição focada no desenvolvimento é algo que deveria ser publicamente anotado e notado. Não se trata de meter dinheiro em apartamentos de luxo da Michelangelo Tower, em Sandton, em casas de praia na Ponta do Ouro ou num banco comercial.

 

Estamos a falar de meter dinheiro privado numa instituição obrigada (!) a financiar projectos de desenvolvimento. Para financiar esses projectos é preciso mobilizar outros recursos públicos e de filantropos. Mas a mobilização junto destas fontes só é possível se se tiver uma instituição com Governação e provas de impacto e sustentabilidade. 

 

Os acionistas que metem dinheiro na GAPI sabem que o retorno é de médio/longo prazo. Mas até agora a GAPI tem sido capaz de sempre apresentar uma conta de resultados financeiros positivos, ainda que modestos. Além disso, diferentemente de ONGs e Fundos Estatais, a GAPI paga impostos, sujeita-se a várias auditorias e tem de suportar a pesada regulamentação Banco de Moçambique.

 

O que a GAPI faz é um modelo de "blended finance", que noutros países é super acarinhado e promovido, pois trata-se de um viés incontornável para o alcance dos objectivos de desenvolvimento sustentável (SDG). Mas, em Moçambique, prevalece ainda tamanha ignorância institucional e a abordagem da GAPI ainda não foi bem compreendida por uma camada de políticos e burocratas que não enxergam a natureza especifica de um banco de desenvolvimento. Este aumento de capital poderá ajudá-los a reflectir.

segunda-feira, 04 março 2019 06:39

As marchas que não marchamos

Ontem um vizinho meu dizia que os moçambicanos deviam se organizar e marcharem contra a subida da energia elétrica da É-Dê-Eme. Dizia ele que a energia sobe todos anos, mas continua a mesma porcaria de sempre. Há uns meses, o mesmo vizinho dizia que era preciso nos manifestarmos com uma marcha nacional contra o preço e a qualidade da água da FIPAG. Segundo ele, a água sai turva, como café, e com cheiro a lodo, mas o preço sobe sempre que os donos desejam. 



Para este meu vizinho nós não somos organizados. E tenho visto amiúde nas redes sociais alguns amigos alinhando no mesmo diapasão. Uns dizem que devíamos marchar contra as dívidas ocultas. Para outros, a marcha devia ser para a extradição de Manuel Chang para às Américas. Há quem diga que a marcha devia ser contra a inoperância da Pé-Gê-Ere e quejandos. 



Parece que somos um país com muitas marchas em stock. Há quem propõe uma marcha contra a subida do combustível, mas também contra os "mai-love" e buracos. Fala-se da subida do pão, do cimento, da capulana, do frango, do tomate, etecetera. Fala-se da falta de medicamentos, de carteiras, e coisas do género. Fala-se de mortes em Cabo Delgado, de Namanhumbiri, e mais. 



São tantas marchas que não marchamos. São tantos chambocos, cotoveladas, gás e ponta-pés que não levamos da Polícia. São tantas mordiduras caninas que não levamos. 



Entretanto, dizia eu ao meu vizinho que não são necessárias tantas marchas. Perdíamos o nosso tempo marchando contra isso e contra aquilo e não teríamos tempo para trabalhar. Não precisamos de marchar todos os dias. Não precisamos! É que em cada cinco anos há um dia de marcha. Aquele dia em que marchamos das nossas casas às nossas assembleias e depositamos na urna todas as marchas que não marchamos. O dia das marchas não marchadas, das manifestações não manifestadas. Esse dia existe. Quem quiser marchar de verdade que marche nesse dia. Nesse dia as marchas são ouvidas e têm o seu valor. É um bom dia para marchar. É uma marcha que vale a pena. 



O problema é que quando chega esse dia preferimos beber muitas Impalas e Txilares ou, então, quando chegamos à assembleia, esquecemos que temos muitas marchas que não marchamos nesses cinco anos. O problema somos nós. 

- Co'licença!

domingo, 03 março 2019 19:18

Julião Mathumbu

 Mathumbu vem do bitonga. Traduzido para a língua portuguesa ficaria redes de arrasto usadas  pelos pescadores. Julião ganhou o sobrenome por ser reconhecido como indivíduo de força extraordinária. Bruta.  Capaz de realizar sozinho um trabalho reservado à dez pescadores. Homem de poucas palavras, Julião Mathumbu entornava goela abaixo um garrafão de cinco litros de sura à gargalo, sem parar um único segundo para respirar.  

 

Regozijava-se pelas mãos que tinha, rijas como pedra. Dizia para todos, se eu te der uma bofetada, a Polícia vai pensar que foste agredido por um ferro. Mas hoje ele já não fala disso, são os outros que repetem com as palavras as façanhas de outrora, quando Mathumbu era um orango-tango. Com  músculos bem distribuídos, num corpo sempre pronto a exercer as tarefas dos sáurios.

 

Julião Mathumbu já não bebe. Já não tem aquela energia. Não mostra as mãos agora sem calos. Limpas. Leves como de uma criança. As pernas já não suportam aquele corpo enorme. Vacila quando se move, como um leão exausto. Velho. A voz roufenha fala para dentro. Não sai. Perdeu a vontade de viver. Os seus amigos dos tempos trazem-lhe o peixe que ele não come. Estou cansado disso, diz o homem  sentado na sua eterna cadeira de cordas de sisal. Sem qualquer expressão no rosto. Frio.

 

A mulher morreu há cinco anos e a vida para este personagem perdeu o sal. A casa modesta que construiu com o suor da pesca é o único elemento da sua vida que se mantém de pé. É o seu orgulho. Nunca teve filhos. Quem dava sentido à sua existência era a mulher e os amigos. A mulher já não está e os amigos não bastam. Bebe um pouco, Mathumbu! Para quê?

 

Um jovem artesão esculpiu um enorme peixe em madeira de mafurreira e levou a escultura para casa de Julião Mathumbu. Queria ter o privilégio e a honra de deixar algo importante para o ídolo de muitos na zona. Uma prenda que vai trazer alegria ao homem. É para quê, isso? É uma recordação dos seus tempos, mais velho! Quem te disse que eu quero me recordar dos meus tempos? Tira isso daqui, faxavor. Se gostas de mim não me traz essas coisas e nem me fales dos tempos que  vivi com muita alegria.

 

Julião Mathumbu está obsoleto. No corpo e na alma. Os amigos visitam-lhe cada vez mais pouco. Sofrem quando vêm um homem a descer devagar para o precipício. Em silêncio. Sem olhar para trás e lembrar as glórias. Vividas com intensidade no mar e na terra. É uma pessoa afável. Sempre foi. O seu corpo de brutamontes jamais teve algo a ver com o coração. Grande. Onde cabem todos os que agora lhe engrandecem. Mesmo não estando com ele nas paródias que ainda acontecem depois das fainas intermináveis.

 

As gargalhadas de Julião Mathumbu, ora vibrantes, desvaneceram. Passa maior parte do tempo com a cabeça pendida para o peito. Parece um condenado à espera da guilhotina e sua descida vertiginosa para lhe decepar a cabeça. Na verdade ele pode estar à espera do golpe final. Porque pelo que parece, a morte de Julião Mathumbu está cansada de esperar.

Eu não gramo dessa cena das pessoas colocarem seus familiares para comerem dinheiros públicos... de qualquer maneira. Eu acho que as pessoas deviam "merecer" as posições que ocupam. O ideal era que, para cargos públicos, todos passassem por um concurso público, com entrevistas, testes psicotécnicos e tudo. Era o ideal. Mas não é, e nunca foi neste país. 

Para ser franco, não fiquei indignado com essa notícia de Vahanle ter nomeado o filho do Presidente da RENAMO para o cargo de Vereador em Nampula. Até aqui não vejo conflito nenhum, a não ser que se prove a sua incompetência. É que num país onde os cargos desse feitio são de confiança política isso é normal, tanto que eu nunca vi um concurso público para a vaga de Vereador, nem de Ministro, nem de Secretário-Permanente, etecetera. 

Isso, quanto a mim, é um não-assunto. Pode ser problema, mas não é o grande problema. O grande problema deste país são filhos de Presidentes da República, que por coincidência são também presidentes do partido no poder, que não trabalham e nunca trabalharam, mas que vivem a grande e à francesa. O grande problema são esses putos que ficam ricos da noite para o dia. Esses miúdos que viram empresários de sucesso em fracção de segundos. 


Não podemos fechar os olhos a isso. Se tivermos que falar de filhos de presidentes que nos envergonham como País, então, falemos desses moleques milionários, mas que não sabem o que é pôr a mão na massa de verdade. Falemos desses pirralhos que criam empresas hoje e amanhã são adjudicadas compras de armas para o Estado, contra os princípios do próprio Estado, num negócio que quebrou o Estado. Falemos dessas meninas esporadicamente milionárias que ganharam a migração tecnológica digital de tê-vê com concursos dúbios. Falemos desses adolescentes que burlaram o Estado com pranchas de surf no lugar de atuneiros. 


Falemos desses filhos e desses pais. Falemos desses pais que não querem que os filhos trabalhem honestamente. Falemos desses pais que oferecem mansões da Privinvest de presente as filhas. Falemos desses pais que ensinam os seus filhos que burlar o erário público é que está na moda. Falemos desses pais que vêem os seus filhos organizando orgias e deitando dinheiro em bares luxuosos e aplaudem. Falemos desses pais, filhos, genros e noras que são uma autêntica quadrilha para delinquir o Estado. Falemos desses meninos de sucesso que nunca viram o seu próprio suor. Falemos desses empresários sem empresas. Falemos desses filhos que aprenderam dos pais a drenagem dinheiro do povo para ganhos privados. Não podemos ter medo de falar disso. O tempo nos ajudou e agora tudo está aí a descoberto. 


Não é esse filho de Ossufo que me preocupa. Esse se não trabalhar, vai cair juntamente com o próprio Vahanle que o nomeou. Eles têm consciência disso. Macuas não brincam. Ele sabe que está ali para trabalhar. E está de parabéns o Ossufo Momade que ensinou o filho a trabalhar. 


Quem, de facto, me preocupa são miúdos como esse que está na "djeil-house" a falar de sobremesas com nomes da tabela periódica. Esses miúdos é que são o cancro e a vergonha deste país. 


- Co'licença!

O que procurava eu entre as terras de solo encarnado de Namanhumbir? Não é por acaso que se criam afectos com o campo de pesquisa. Estas coisas constroem-se devagar e silenciosamente. Lembro-me dos restaurantes Bissmilah dos somalis, da mesa cheia de lupas dos tailandeses intermediários da venda informal de pedras preciosas, do amigo que me ouvia e explicava os novos valores e códigos dos nativos, até da marca de cerveja tanzaniana, que acompanharam a decisão de escrever estas experiências de trabalho de campo, que decidi chamar de outras verdades sobrehistórias de vida e luta pela terra das gentes de Namanhumbir.

 

De baixo de uma sombra reflectida por um largo caule de embondeiro, em época de verão, embora com chuvas intermitentes, as temperaturas são tão altas que chegam a ensopar a camisa. Acabava de retornar a Montepuez, para as minhas férias do natal e final do ano. Minha experiência de convívio com os nativos de Montepuez, me faz lembrar das festas do mwali que acontecem nesta época do ano. Decidi arrumar uma pequena mochila, e saí em direcção à estação de chapa 100, para iniciar uma viagem até o Posto Administrativo de Namanhumbir.

 

Entrei no chapa, e fui me sentar no último banco, onde já estavam mais 3 homens. Alguns minutos depois, foram entrando vários outros passageiros, e a dado momento, o cobrador deu ordem ao motorista que o chapa estava cheio, e por isso, podíamos iniciar a viagem. Suspirei de alívio, porque com o calor que se fazia sentir naquela manhã, num carro sem ar-condicionado, vinham-me lembranças de tantas outras vezes, que tive de esperar dentro do mini-bus mais de uma hora, até que ele tivesse um número suficiente de passageiros para partir.

 

O teor das conversas dentro do minibusaté entre desconhecidos, jovens e velhos, homens e mulheres, continua o mesmo que ouvia, desde o primeiro momento que desembarquei em Montepuez em 2012: os rubis de Namanhumbir. Nem todos são garimpeiros ou dependam da actividade mineira. Mas o rubi, toca de todas as formas com as suas vidas. A exploração dessamilagrosa pedra, aumentou o número de pessoas com poder de compra, então os preços de produtos de primeira necessidade subiram quase de noite para o dia. - “Até o leite infantil subiu o preço”,comentavam duas senhoras sentadas no banco à minha frente.

 

Montepuez foi em tempos, um dos maiores produtores algodão (o chamado ouro branco) durante o império colonial português). Essa produção, continua sendo feita até hoje pela empresa Plexus Lda. Contudo, hoje o nome de Montepuez, só tem sentido quando se liga aos rubis, essas milagrosas pedras. Aliás, me dizem vários jovens, que foram trabalhadores da empresa algodoeira, e rescindiram seus contratos para ir trabalhar no garimpo, porque estavam cansados de “depender do fim do mês”. Uma frase que expressa não apenas a contagem de tempo para receber um salário, mas também, a imponência de aliar-se a outras formas de rendimentos, pois “depende do fim do mês”, aquele que trabalha para uma empresa, tem um chefe, um horário de entrada e saída estipulados num contracto a ser cumprido com rigor. O imediatismo em ganhos monetários que o garimpo de rubis propicia, faz que muitos jovens abandonem empresas e passem a dedicar-se em actividades que não tenham estas obrigações laborais de dependência e hierarquizadas.

 

Novas histórias para mim, saem pela boca dos passageiros ao meu lado. Contam-se novidades sobre o actual cenário de exploração artesanal do rubi. Falam sobre a actual e rigorosa protecção da área de exploração da Empresa Montepuez Ruby Mining Lda. Ouço novidades dos garimpeiros presos e outros mortos pela Unidade de Intervenção Rápida, quando apanhados em áreas em áreas concessionadas a empresa mineradora.

 

Enquanto o motorista iniciava a marcha, fazendo manobras ainda no interior da Estação de Transportes de Montepuez, pergunta ao seu cobrador, de quem era a mochila que estava no banco de frente ao seu lado, visto que ninguém estava lá sentado.

 

-“É daquele viente da Padaria. Disse que ia comprar umas coisas no mercado, e que podemos passar levá-lo em frente à sua Padaria, estará lá a nossa espera”, disse o cobrador com tom negociador ao seu motorista.

 

Pensamentos curiosos avivavam na minha mente: como é possível, um passageiro de alto nível de confiança, que exige que o transporte público, carregado com outros mais de quinze passageiros, passe o levar na sua padaria, é apenas categorizado pelo termo “viente” não pode ser chamado pelo próprio nome?

 

Embora com vontade de questionar, saber mais das histórias que ouvia, lembrei-me da metodológica advertência que o mestre Pierre Clastres enunciava em “Crônicas dos índios Guayaki”: “nada pode substituir a observação directa: nem questionário por mais preciso que seja, nem narrativa de informante qualquer que seja sua fidelidade. Pois é frequentemente sob a inocência de um gesto semi-esboçado, de uma palavra subitamente dita, que se dissimula a singularidade fugitiva do sentido, que se abriga a luz onde o todo resto se aviva”. Então, decido mesmo permanecer em silêncio, e seguir a viagem entre nativos e “vientes” de Namanhumbir (X).