Abdul Rassul vivia no bairro de Unidade, no distrito de Mocímboa da Praia, defronte ao quartel dos fuzileiros navais, quando os terroristas invadiram aquela vila municipal do norte da província de Cabo Delgado, em Março de 2020. Hoje reside em Pemba, no bairro da Expansão.
Em conversa com “Carta”, Rassul, que é funcionário público e viúvo, começou por explicar que chegou a Mocímboa da Praia em Abril de 2017, vindo do distrito de Chiúre. À sua chegada, o distrito de Mocímboa da Praia estava infestado por cidadãos estrangeiros, na sua maioria de origem somaliana, tanzaniana e congolesa. Conta que, a partir das 17:00 horas, estes treinavam com catanas, tendo os seus rostos cobertos.
Afirma que, na altura, todas as pessoas se mostravam preocupadas com a situação, tendo por várias vezes denunciado tais actos, mas nunca houve processo judicial contra as referidas pessoas. Nas reuniões inter-religiosas, os membros do grupo abandonavam o local aos gritos.
Com o silêncio das autoridades, na madrugada do dia 5 de Outubro de 2017, o grupo realizou o seu primeiro ataque. Todos pensávamos que era uma acção de perseguição entre a Polícia e ladrões, mas depois ouvimos que atacaram na “aldeia X”, em Macomia, Palma, até que na madrugada do dia 23 de Março, começamos a ouvir disparos e pessoas a fugirem de um local para o outro.
Nesse dia, Abdul Rassul encontrava-se sozinho em casa e dormira profundamente, pois, no dia anterior se tinha entretido com alguns copos de cerveja. Mas, por volta das 04:00 horas, começou a ouvir tiros pela estrada e no quartel. Assustado, levantou e ligou para o vizinho, que disse para desligar o telemóvel, porque os “Al shabab” estavam por perto.
Aflito, Abdul Rassul tentou esconder-se no celeiro que estava no tecto da casa, mas acabou por recuar porque percebeu que um dos modos de actuação do grupo é queimar as casas.
Em busca de protecção, Abdul Rassul explicou que se foi esconder num capim que estava no seu quintal e que dias antes queria queima-lo, sem saber que seria seu porto seguro.
“Tive que me deitar no capim e cobrir-me com ele. Mas «congelei» quando quatro [terroristas] chegaram na minha casa e começaram a gritar «aqui vive um ‘gajo’, pega ele e mata-o». Em seguida, arrombaram a porta e procuraram-me e não me acharam”, narra a fonte.
Enquanto isso, os militares iam perdendo a batalha, visto que o grupo tinha tomado de assalto a torre de controlo no quartel, local de onde ia dizimando elementos das Forças de Defesa e Segurança (FDS).
“Morreram muitos militares”, disse Abdul Rassul. “Ao lado da minha casa, havia uma barbearia, onde estava a dormir um miúdo. A sorte dele é que o terrorista que foi escalado para arrebentar a porta, era alguém que conhecia o miúdo e acabou não o assassinando”, revelou o entrevistado.
Três horas depois, afirma, eles retiraram-se para um outro local. Foi neste momento em que começaram a sair da vila e começaram a caminhar até Oasse, onde havia uma posição militar.
“Andamos até não conseguirmos… e começamos a gatinhar porque não podíamos parar. Em Oasse, a população já havia abandonado as casas e se escondido na mata. Tivemos que repousar na posição militar e dia seguinte é que vieram alguns transportadores e que começaram a especular preços, mas como não havia alternativa, alguns chegaram a entregar seus pertences para poderem sair daquele local (…)”, acrescenta.
Rassul garante ter visto situações em que os militares retiraram o fardamento e esconderam as armas, de modo a salvar a sua pele. Revela que levou muitos dias para ultrapassar o trauma causado pelo ataque terrorista do dia 23 de Março de 2020, que marcou o pontapé de saída nos ataques terroristas às vilas dos distritos afectados pelo extremismo violento em Cabo Delgado. (Omardine Omar)