Continua na agenda do dia o Informe do Presidente da República sobre o Estado Geral da Nação. No seu discurso de quase 3 horas e 30 minutos, Nyusi apontou nove áreas que, na sua óptica, contribuíram para que o Estado Geral da Nação fosse de “auto-superação, reversão às tendências negativas e conquista da estabilidade económica”. Trata-se do combate ao terrorismo, controlo da Covid-19, combate à fome, acesso à água potável, energia eléctrica, educação, consolidação da economia, acesso ao emprego e construção de infra-estruturas.
“Carta” foi buscar os responsáveis de cada uma destas áreas e, a seguir, apresenta os nove “super” ministros da equipa de Filipe Nyusi em 2021, dos quais se destaca o Ministro das Obras Públicas, Habitação e Recursos Hídricos, João Osvaldo Machatine, e a ausência de Carlos Alberto Fortes Mesquita, Ministro da Indústria e Comércio. No cômputo geral, a lista é constituída pelo já conhecido “núcleo duro” de Filipe Nyusi, que integra Celso Ismael Correia e Ernesto Max Elias Tonela.
Combate ao terrorismo
No topo das áreas destacadas pelo Chefe de Estado está o combate ao terrorismo, uma área liderada pelo Ministério da Defesa Nacional, em coordenação com o Ministério do Interior. Curiosamente, os dois Ministérios sofreram baixas em Novembro último, com a exoneração dos seus Ministros da Defesa Nacional e do Interior, Jaime Bessa Neto e Amade Miquidade, respectivamente.
Segundo Filipe Nyusi, os ataques terroristas reduziram de 160, em 2020, para 52, em 2021. Entretanto, não avança o período em que estes reduziram. Lembre-se que, até ao mês de Junho, os terroristas mantinham o controlo, na totalidade, dos distritos de Mocímboa da Praia e Muidumbe e de algumas zonas dos distritos de Macomia, Palma, Nangade e Quissanga.
A situação melhorou após a entrada das tropas ruandesas, em Julho, que em 30 dias recuperaram a vila-sede do distrito de Mocímboa da Praia, que estava na mão dos terroristas há um ano. Portanto, não se sabe se o sucesso desta área se deve à competência do Governo moçambicano ou às tropas ruandesas que, em 30 dias, devolveram esperança à população da província de Cabo Delgado.
Controlo da Covid-19
Nesta área, o “super” ministro chama-se Armindo Daniel Tiago, titular da pasta da Saúde. Nyusi entende que o seu Governo conseguiu controlar a propagação do novo coronavírus, tal como reduziu os internamentos e os óbitos.
Entretanto, esqueceu-se de dizer que o seu Governo pouco sabe sobre a real dimensão da Covid-19 no país. É que até 15 de Dezembro de 2021 (21 meses de pandemia), Moçambique só tinha testado 1.011.566 amostras, o que representa pouco mais de 3.3% da população moçambicana. Muito pouco!
Aliás, no que tange à testagem, há pacientes que até hoje não conhecem os resultados dos seus testes, simplesmente porque as amostras colhidas nunca chegaram aos laboratórios.
No seu discurso, Nyusi também não disse que grande parte do controlo da doença se deveu ao esforço individual dos moçambicanos, pois, não se conhece qualquer acção, por exemplo, de distribuição de máscaras de protecção aos cidadãos, tendo o Governo como protagonista. Os médicos, por exemplo, tanto reclamaram sobre a falta de material de protecção contra Covid-19. Não se conhece qualquer medida para reduzir a superlotação nos transportes públicos e aglomerações nas paragens.
Combate à fome
Celso Ismael Correia aparece como rosto do combate à fome. Trata-se de uma menção habitual, mas problemática. Segundo Filipe Nyusi, verificou-se o aumento de agregados familiares com reservas alimentares, de 32%, em 2020, para 56% em 2021 e apontou o SETSTAN (Secretariado Técnico de Segurança Alimentar e Nutricional) como fonte principal dos dados, uma instituição de idoneidade duvidosa. Ignorou os relatórios das Organizações Não Governamentais, que apontam para o aumento da fome no país.
Contudo, não explicou que factores determinaram esse sucesso, num ano em que a pandemia continuou a sufocar a débil economia do país, assim como os desastres naturais e os conflitos armados continuaram a abalar as famílias rurais. Milhares de moçambicanos perderam os seus empregos devido à Covid-19.
Acesso à água potável e construção de infra-estruturas diversas
Aqui, provavelmente seja o único sector em que Nyusi tenha toda a legitimidade para cantar louvores. Tal como disse no pódio da Assembleia da República, na quinta-feira, em 2021 terá participado em mais eventos de inauguração de sistemas de abastecimento de água que qualquer outra infra-estrutura social e económica. João Osvaldo Machatine, Ministro das Obras Públicas, Habitação e Recursos Hídricos, é o rosto da área que, nas palavras do Presidente da República, registou um aumento de 64% em 2020 para 73% em 2021, a percentagem de agregados familiares com acesso a fontes seguras de abastecimento de água.
Entretanto, não disse que os serviços prestados pelo FIPAG (Fundo de Investimento e Património do Abastecimento de Água) têm sido contestados nas áreas urbanas, a começar pela qualidade da água fornecida (geralmente turva), passando pela cobrança de facturas forjadas, até à vandalização de sistemas privados de abastecimento de água.
Machatine é também responsável pela construção de infra-estruturas diversas, apontadas pelo Presidente da República como uma das áreas que influenciam a reversão de tendências negativas. Neste ponto, Nyusi não indicou as infra-estruturas que ajudaram o país a reverter as tendências negativas, mas nos últimos dias inaugurou diversas estradas e pontecas nas províncias de Gaza, Cabo Delgado e Niassa.
Porém, não abordou as suspeitas de corrupção que ainda pairam no sector das obras públicas, sobretudo nos projectos de reabilitação de sanitários nas escolas públicas, no âmbito do combate à Covid-19. Não abordou os “esquemas” de adjudicação de empreitadas de construção de estradas que caracterizam o dia-a-dia daquele Ministério e que desaguam na má qualidade das vias.
Energia eléctrica
O sector da energia eléctrica é comandado por Ernesto Max Tonela, Ministro dos Recursos Minerais e Energia. Segundo o Presidente da República, a taxa de acesso à energia, em 2020, foi de 38% e, em finais de 2021, será de 44% e que, no próximo ano, atingirá 50% da população moçambicana.
Aqui Filipe Nyusi também não falou da qualidade da corrente eléctrica que chega às residências dos moçambicanos e muito menos do elevado custo para a sua aquisição. Limitou-se apenas a falar do número de Postos Administrativos electrificados sem, no entanto, explicar que impactos este programa governamental tem nas contas da EDM (Electricidade de Moçambique) e muito menos os custos para sua manutenção, tendo em conta que grande parte dos beneficiários não tem poder de compra.
Disse também que Moçambique é dos países que mais barato vende o combustível, mas não clarificou se os preços actualmente praticados sufocam ou não o bolso dos moçambicanos. Não abordou igualmente as consequências que os novos preços terão no transporte público de passageiros, num momento em que o poder de compra reduziu nas famílias moçambicanas.
Educação
Num ano em que, mais uma vez, a pandemia voltou a despir o sector da Educação, provando a falsidade do discurso sobre a qualidade da educação na “Pérola do Índico”, Nyusi defende que Carmelita Namashulua, uma Comissária Política de “craveira”, superou-se na liderança do sector.
Sem apresentar números, disse que “o crescimento observou-se a todos os níveis e sistemas de ensino, isto é, alfabetização, ensino e formação técnico-profissional e ensino superior”. Defendeu que a taxa de analfabetismo baixou de 44,9% para 39.9%.
Entretanto, esqueceu-se de dizer que, este ano, os alunos voltaram a estudar condicionados devido à Covid-19, tal como se verificou em 2020, ano em que os alunos da 1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª, 6ª, 8ª, 9ª e 11ª passaram de classe sem ter estudado.
Aliás, em 2021, algumas escolas continuavam ainda sem as mínimas condições sanitárias para prevenção da doença. Outras tiveram de fechar devido ao crescente número de infecções (as escolas nunca fizeram testes, apenas se baseavam nos resultados fornecidos pelos pais e encarregados de educação). Também não disse que os alunos ingressam nas escolas secundárias sem ainda saberem ler e nem escrever.
Consolidação da economia e acesso ao emprego
Adriano Maleiane, Ministro da Economia e Finanças, e Oswaldo Petersburgo, Secretário de Estado da Juventude e Emprego, também mereceram uma menção honrosa por parte do Chefe do Governo. Maleiane foi responsável pela consolidação da economia e Petersburgo pelo acesso ao emprego.
Segundo Filipe Nyusi, registamos um crescimento no PIB de 1,7% contra o crescimento negativo de 2020 que foi de -1.8%, dados que “sugerem o início da retoma económica”. Já no acesso ao emprego, disse que, até Setembro último, Oswaldo Petersburgo tinha criado 230 mil novos postos de trabalho, contra 30 mil empregos perdidos.
No entanto, no sector de Adriano Maleiane não explicou o que contribuiu para a “retoma” económica, num ano em que as empresas voltaram a fechar portas devido à Covid-19. Também não disse onde Maleiane foi buscar dinheiro para manter o Estado em “pé”, num cenário em que as despesas continuaram a superar as receitas colectadas e a dívida pública cada vez mais insustentável.
Também faltaram esclarecimentos de quem são os 230 mil jovens que tiveram acesso ao emprego e em que sectores trabalharam, numa economia que esteve quase parada devido à Covid-19. Aliás, o Chefe de Estado não disse que os dados de emprego da Secretaria de Estado da Juventude e Emprego incluem jovens que realizam trabalhos sazonais, tal como explicou em Maio de 2020, o timoneiro desta área.
“Estar empregue em Moçambique significa ter trabalhado durante um determinado período do tempo e ter um rendimento. Por exemplo, esta definição diz que aquele que trabalhou durante uma semana e teve um rendimento acima do salário mínimo, este cidadão é considerado como um emprego, podendo ser um cidadão que trabalhou por conta de outrem ou por conta própria. Desde que tenha um rendimento é considerado como um emprego criado. Este é o conceito que está na política de Moçambique”, disse Petersburgo, quando explicava sobre os 48.323 empregos criados nos seus primeiros 100 dias de liderança. (A.M.)