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segunda-feira, 08 novembro 2021 14:17

Tributação fiscal no Gás do Rovuma: As práticas perversas da italiana Progeco NeXT, escrevem Inocência Mapisse e Marcelo Mosse*

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Chamam-lhe de “máfia italiana” mas trata-se de um puro caso de sonegação fiscal. Há escassos meses do início da produção do gás na bacia do Rovuma, no projecto Coral Sul FLNG, vem à tona a informação relevante de sonegação fiscal. Fixem este nome: Progeco NeXT Mozambique. O seu dono chama-se Massimo Bottoni e é italiano.

 

Há pouco mais de 12 meses, a empresa ganhou um contrato de gestão (PES Moçambique) com uma das gigantes do Rovuma, a Italiana ENI, uma das coordenadoras do projecto Coral Sul, que consiste na construção da unidade de liquefacção de gás natural flutuante (FLNG). O PES Moçambique tem o mesmo director da Progeco NeXT em Itália e o mesmo director no Dubai, Massimo Bottoni, a face mais visível da firma.

 

O contrato leva a designação de Project Management Service. Um contrato Project Service no “oil & gás” tem uma dimensão ampla. À contratada pode ser solicitado que desenhe um pipeline ou uma peça específica para um navio de extracção. A sua tarefa é ir buscar os melhores engenheiros do mundo para fazerem o trabalho. Este tipo de contrato só é dado a grandes empresas que andam no ramo do “oil & gas” há tempos.

 

A Progeco NeXT já trabalhava com a ENI em outros países e em Moçambique, foi quem ganhou batendo muitos concorrentes, a maioria empresas prestadoras de serviços internacionais. Para o contrato relevante, assinado a 10 de Dezembro de 2020, a ENI pediu que a Progeco NeXT ficasse responsável pela contratação, alocação e gestão de engenheiros que fossem para alto mar fazer a perfuração e a montagem dos pipelines, desde as profundidades até ao navio flutuante que vai receber e transformar o gás.

 

A Progeco NeXT colocou mãos à obra a uma empreitada avaliada em vários milhões de dólares americanos, um contrato milionário de fornecimento de serviços à ENI “roubando/lesando” aos moçambicanos através de sonegação fiscal.

 

Análise

 

Com base nas informações que conseguimos obter, e apenas com relação a este projecto, Moçambique deixa de facturar pelo menos 40 milhões de meticais em IRPS - a Progeco NeXT contratou a mão-de-obra solicitada pela ENI, mas não registou ninguém em Moçambique. Os contratados vêm de terras como Inglaterra, Estados Unidos de América, Egipto, França e Qatar, trabalham 28 dias no alto mar, na bacia do Rovuma, e nos 28 dias seguintes gozam férias nas suas terras de origem.

 

Ora, constata-se que neste processo não se teve em consideração o conteúdo local, conforme estipulado no ponto 17 do Contrato entre a ENI e a Progeco NeXT. 2 Documentos na posse da parceria “CIP-Carta” mostram que para ludibriar as autoridades locais, a Progeco NeXT, em Moçambique, apresentou contratos de fachada para os seus consultores internacionais, onde se declara que cada um recebe USD1000.

 

Uma análise da parceria “CIP-Carta”, sobre práticas fiscais no espectro industrial das multinacionais subcontratadas pelas gigantes do gás do Rovuma, revela as más práticas que podem lesar o país em mais de 40 milhões de meticais, o equivalente a 5,5% do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (IRPS) pago pelos megaprojectos que operam no sector de petróleo e gás no país, em 2020.

 

De acordo com “wistleblowers” do sector, os contratos reais dos consultores foram registados em Dubai, zona de comércio livre. Empresas registadas em zonas de comércio livre gozam de benefícios fiscais relacionados com a sua localização. Portanto, o facto da ENI contratar a Progeco Next, registada em zona de livre comércio em Dubai contribui para a minimização de receitas fiscais, pois confere a esta empresa uma série de benefícios, como a isenção de impostos retidos na fonte sobre os dividendos e juros no tratado de dupla tributação assinado entre os Emirados Árabes Unidos (EAU) e Moçambique (assinado em Abril de 2004) gerando assim transferência de lucros, o que não aconteceria se a empresa fosse registada em Moçambique. Isto representa em si uma saída ilícita de capitais.

 

Os contratos em Dubai variam de 12 a 15 mil dólares por mês e todos escapam à tributação sobre os rendimentos de pessoas singulares, uma das principais fontes de receita fiscal do Estado, que actualmente se situa, em média, em 20% da contribuição total dos megaprojectos. Resumindo: Máximo Bottoni, dono da Progeco NeXT que fornece serviços à ENI, montou um pequeno escritório em Maputo, de fachada, não deduzindo nenhum centavo para as finanças públicas de Moçambique.

 

A parceria CIP-Carta tem evidências dos contratos de fachada assinados pelos consultores da Progeco NeXT Moçambique, com o único objectivo de obterem a devida autorização de trabalho passada pelas autoridades do Trabalho. 

 

Riscos de inflação de custos – sendo a Progeco NeXT uma das companhias proeminentes neste sector, percebe-se a preferência da ENI por esta empresa, mas chama-se atenção à Autoridade Tributária e ao Ministério das Finanças para um maior controlo para evitar inflação de custos e preços de transferência abusivos e a consequente redução da matéria tributável.

 

A captação das potenciais receitas e os riscos associados às mesmas dependem, entre outros factores, do controlo e de monitoria constantes e eficazes, estimativas de custo para o desenvolvimento, produção e preços e divulgação pública dos contratos principais e entre a operadora e os seus subcontratados (incluindo os seus anexos). De resto, este é o “modus operandis” comum na bacia do Rovuma.

 

Os nossos “whistleblowers” disseram que este é um “modus operandis” praticado por várias empresas subcontratadas. O mais grave, de acordo com as nossas fontes, é que as nossas autoridades nunca auditaram os prestadores de serviços da ENI, justificadamente porque estes são internacionais e têm sede em estados como Dubai, com regimes fiscais especiais. É uma prática perversa.

 

Os consultores ganham muito e cá dentro não deixam nada. Ademais, se a pratica de subcontratação de serviços nos projectos da bacia do Rovuma prevalecer (incluindo a contratação de mão-de-obra especializada) sem a devida monitoria ou regras claras previamente estabelecidas, corre-se o risco de minar os canais através dos quais o país poderia obter ganhos da exploração do gás natural.

 

Durante duas semanas, a parceria CIP-Carta procurou ouvir Massimo Bottoni, mas sem sucesso.

 

(*Este artigo resulta de uma parceria de investigação entre o CIP e a Carta de  Moçambique)

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