Quando o Super-Ministro Celso Correia abraçou o Sustenta, uma franja de críticos barricou-se contra o programa, dizendo que tinha sido mal concebido, e era ambicioso demais. Um dos mais destacados foi o académico Elisio Macamo, que nesta semana fez "mea culpa", num artigo em que reconhece que nem tudo são espinhos na empreitada de transformação da nossa agricultura, proposta central de Correia.
O Ministro manteve-se firme e, ao invés de rechaçar a crítica, ele diz que tem tirado proveito dela:
"São as críticas que nos fazem crescer. Não existe um programa perfeito. Nós temos estado a aprender muito com as críticas e, inclusive, melhoramos a nossa intervenção. Apesar de não terem passado ainda 12 meses do Sustenta, tirámos muitas ilações. Não há transformações no meio rural ou em qualquer lugar que aconteçam de forma instantânea. Temos de ter consciência de que não é somente dar crédito, sementes e assistência que muda o comportamento do produtor".
Celso Correia fez estas declarações numa entrevista à RM, Cartas da Mesa, que transcrevemos, com a devida vénia.
Rádio Moçambique (RM) - O senhor Ministro afirmou, aquando da divulgação do Inquérito Agrário Integrado 2020, que a agricultura relançou a economia e que pode atingir um crescimento de oito por cento ainda este ano. Quais foram os pressupostos que levaram a este optimismo?
Celso Correia (CC) - Este princípio de fazer o diagnóstico para avançar com este ciclo de governação iniciou-se em 2020. Nós corremos com um processo de diálogo com os principais produtores e associações e, naturalmente, não era suficiente. Por isso, decidimos, estrategicamente, em conjunto com o Instituto Nacional de Estatística (INE) e os nossos parceiros, fazer este inquérito de base que nos permite determinar o ponto de partida em 2020, e estes foram os resultados anunciados. Tendo em conta os desafios que o país tem em termos de crescimento e em particular para o sector da agricultura, para nós é importante desenhar e conceber políticas informadas e com bases sólidas. O Ministério tem instrumentos de planificação, mas temos o desejo de produzir uma lei de agricultura.
Mas era importante, antes de desencadear este processo, ter informação mais próxima da realidade para permitir protelar e depois medir o sucesso das políticas. Naturalmente, todo o desenvolvimento da nossa actividade não acontece em paralelo.
Enquanto fazíamos o inquérito, íamos desenvolvendo outras acções e é com base nisso que podemos hoje projectar este crescimento. No primeiro trimestre, o sector da agricultura cresceu 4,8%. Foi um dos sectores determinantes para voltarmos a crescer no primeiro trimestre, num ambiente de muitas incertezas a nível global. Com base neste crescimento e investimento que foi feito, podemos projectar à vontade que poderemos chegar lá. Este é o nosso desejo.
RM- O que é que o sector equaciona fazer para garantir este crescimento?
CC- Primeiro, deve haver aumento da área de produção, que é um dos factores determinantes. Graças à introdução da mecanização, o aumento de produtores e a exploração de novas áreas, no âmbito do Sustenta, conseguimos ter um aumento da área significativa que nos permite ter este indicador de crescimento por via do aumento da área. Mas também temos a intensificação da produção, que é produzir mais na mesma área, e aqui há factores determinantes que nos permitem projectar esse incremento. É o caso do clima, em que este ano tivemos áreas onde as chuvas não foram boas em quase todo o território, apesar de termos áreas que não tiveram chuvas regulares ou tiveram atrasos de chuvas em zonas de Nampula. Introduzimos também, no âmbito do Sustenta, semente e o número de produtores que trocou sementes aumentou. Então, a conjugação destes factores permite-nos, em várias culturas, ter o crescimento e temos estado a aumentar o desempenho de cada cultura e a soma poderá dar este incremento muito positivo no impacto nacional.
Tudo tem a ver com o crescimento anual
RM- Há um horizonte temporal para que possamos atingir essa fasquia?
CC- Tem tudo a ver com o crescimento anual. Quem faz a produção não é o Governo, nem é o Estado, mas sim o sector privado. Criado um ambiente favorável, o sector privado moçambicano, em particular o da avicultura, já mostrou que tem capacidade de exportar frango para onde tiver de exportar. Portanto, estamos convencidos de que é um caminho a médio prazo. Estamos a dizer que daqui a cinco ou 10 anos Moçambique poderá ser referência regional na exportação de frango. Mas importa ressalvar que o frango em Moçambique não é dos mais caros do mundo. Temos situações de países onde o frango é muito mais caro e depois sofremos ainda com a importação ilegal do frango que agora reduziu devido a uma acção do Governo.
Os pedaços que não têm inserção nos outros mercados, como os Estados Unidos da América, chegam a Moçambique a um preço de desconto e quando entram pela “porta de cavalo” criam estes desequilíbrios no mercado.
Portanto, temos de regular o ambiente e acreditar que este caminho de proteger a indústria nacional vai levar-nos a este equilíbrio de custo-benefício, qualidade-preço aos nossos consumidores.
“Não há transformações no meio rural ou em qualquer lugar que acontecem de forma instantânea”
RM- Este vai ser o primeiro ano em que teremos uma campanha agrícola que tem o suporte do Sustenta. Qual é a vossa expectativa em termos de resultados desta campanha?
CC-Existe uma expectativa muito grande e nós temos estado a acompanhar com muito agrado. Sempre que pudermos colocar a agricultura no centro do debate nacional, da expectativa nacional e da atenção de todos os moçambicanos, assim o faremos. O Sustenta tem esta particularidade.
RM- Estão abertos a críticas?
CC-Naturalmente, são as críticas que nos fazem crescer. Não existe um programa perfeito. Nós temos estado a aprender muito com as críticas e, inclusive, melhoramos a nossa intervenção. Apesar de não terem passado ainda 12 meses do Sustenta, tirámos muitas ilações. Não há transformações no meio rural ou em qualquer lugar que aconteçam de forma instantânea. Temos de ter consciência de que não é somente dar crédito, sementes e assistência que muda o comportamento do produtor. É preciso que ele absorva esta tecnologia, ganhe conhecimento e esteja à vontade, tranquilo e seguro de usar esta nova tecnologia. Mas, o que posso dizer, na primeira componente que para nós é a mais importante, que é de transferência de tecnologia e assistência, é que este ano vamos conseguir duplicar o número de produtores por conta do Sustenta. O inquérito diz, se não estou em erro, que abaixo de 10 por cento de produtores a nível nacional é que têm assistência em novas tecnologias e este é o factor mais determinante para a transformação que nós desejamos. Com o programa Sustenta, colocaram-se extensionistas na comunidade para permitir que o agricultor tenha melhor assistência; garantiram-se a semente e fertilizantes e que na fase posterior terão acesso ao mercado. Portanto, são pequenas transformações cujo somatório dá grandes transformações.
RM- Se calhar houve um ruído na comunicação…
CC- Há muito ruído na comunicação. Nós temos estado neste tipo de programa e disponíveis para o diálogo para corrigir estes erros. Neste momento, por conta do Sustenta, há um produtor na comunidade distante da cidade de Maputo que tem recursos para comprar um tractor e o único problema é que lá não existe um fornecedor de tractores porque a maioria está na cidade de Maputo.
Estamos a alertar que existem pessoas que já estão com recursos para comprar tractores que não deve ser algo anormal Moçambique aumentar tractores.
Se quer crescer em área, vai precisar de tractores para abrir novas áreas. Os 2000 tractores conferem-lhe 10 mil hectares e pela dimensão de terra e ambição que temos como país não é assim tão significante. É significante quando recordamos que o país só importava 200 tractores por ano. Naturalmente, é uma mudança muito grande.
RM- Quando o Sr. Ministro tomou posse neste novo ciclo de governação, assumiu o compromisso de “fome zero” e passam já dois anos. O objectivo é alcançável até 2024?
CC- Mais um erro na comunicação.
“Fome zero” é um dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável. Todas as nações assumiram como um dos seus grandes objectivos de acabar com a fome até 2030.
RM- Para o caso concreto de Moçambique, estamos em condições de alcançar este objectivo?
CC- Não acredito que em três anos isso seja possível. Até 2030, se acelerarmos o passo e conseguirmos, acima de tudo, colocar a agricultura no centro da nossa actividade, temos uma política de convergência e de investimentos para a maioria da população, que é a transferência de benefício real. Para alcançarmos ‘’fome zero’’, temos de assegurar que todas as famílias tenham no mínimo três refeições por dia de forma estável.
Para isso acontecer, é preciso que haja abastecimento estável de comida. O país precisa de produzir alimentos para não dependermos de importações e tem de haver disponibilidade na comunidade.
É necessário que haja acesso porque não basta haver comida. Se a família não tem recursos para comprar uma diversidade de alimentos como deve ser, não terá alimentos, e depois tem de saber consumir - este é um outro grande desafio, talvez o mais profundo, que é nós transferirmos formas de consumo de alimentos saudáveis através da educação alimentar. Nós temos situações em vários distritos em que as famílias consomem apenas cereais mesmo tendo proteínas e frutas disponíveis. Portanto, é um caminho que tem de ser feito.
RM- Não tem estado a haver uma acção muito visível para o combate à desnutrição crônica, um flagelo que afecta 50% dos moçambicanos sobretudo crianças.
CC- Mais uma vez, o ruído na comunicação. O programa PRAVIDA, que foi lançado por sua excelência o Presidente da República, visa levar água às populações, talvez seja o maior combate à desnutrição porque um dos principais problemas desta realidade é a água. E o Sustenta, pela sua forma de ser, de aumentar o rendimento familiar, a disponibilidade de comida e a transferência de tecnologias, é uma iniciativa que vai convergir para o combate à desnutrição. Temos de olhar o que temos e ajudar a população a consumir aquilo que existe e, para tal, temos de apostar na educação em massa. Precisamos de lutar com as pessoas e, infelizmente com a Covid-19, este ano foi difícil fazer esta abordagem. Está em plano uma iniciativa de educação nutricional à escala nacional. Assim que houver condições e os recursos estiverem disponíveis, vamos conjugar este factor com o tema da desnutrição. Há um trabalho que está sendo feito neste sentido. Nampula é uma das províncias com altos níveis de desnutrição e estamos a trabalhar lá neste domínio. Tivemos desafios devido à Covid-19 e já ultrapassamos e hoje estamos com grau de conforto em relação àquilo que é a evolução e, particularmente, no que diz respeito à água.
Portanto, o mandato não é apenas do MADER, é nacional e todos nós temos de assumir isso.
“O que nós queremos é atrair esta juventude e mostrar-lhe que é possível transformar as suas vidas na agricultura”
RM- A participação dos jovens satisfaz a vossa expectativa?
CC- Nós temos uma agenda de comunicação orientada para os jovens e, por vezes, é mal interpretada. Questiona-se porque é que a comunicação do MADER agora é agressiva, porque estamos a demonstrar as histórias de sucesso. Não tem a ver com a promoção do governo. O executivo foi eleito há um ano com resultados significativos de 72%. O que nós queremos é atrair esta juventude e mostrar-lhe que é possível transformar suas vidas na agricultura. Temos jovens que vêm de outros países, particularmente da Ásia, a dominar a comercialização. Fazem fortuna e em dois, três anos organizam as suas vidas. Porque é que tem de vir um jovem da Índia e Bangladesh fazer a comercialização se nós podemos ter jovens a entrar no meio rural, comprar a produção, vender e atrair o benefício?
Nós continuaremos, por mais que isto pareça, como fez referência um líder da oposição, como propaganda. Não é propaganda, isto é mesmo para os jovens em Moçambique saberem que têm alternativas e depois podem decidir na sua melhor consciência se vão para agricultura e se façam na cidade à procura de emprego.
Dados correspondem às expectativas
RM- Estes dados divulgados correspondem ao que eram as expectativas do Ministério da Agricultura?
CC- Sim. Quando partimos para o exercício de elaboração do marco estatístico tínhamos três anos, não nos foi permitido como país fazer os anuários. Atravessamos dificuldades financeiras muito difíceis. Portanto, tínhamos consciência de que estávamos a trabalhar com projeções e que, em tempo útil, iríamos corrigi-las com base no inquérito, e foi o que aconteceu. Tendo esta base que o marco estatístico indica, hoje já é mais fácil projectar este crescimento e defender em cada cultura o que está a acontecer para termos desafios e nós não queremos esconder os desafios, queremos enfrentá-los. Podemos inverter vários factores e explorar o máximo o nosso potencial como país, e isto é o que fazemos do inquérito. Todas as áreas que estão envolvidas directa ou indirectamente com o sector da agricultura querem estes dados para poderem trabalhar, o que já é um benefício que estamos a ter. Naturalmente que várias leituras poderão ser feitas do inquérito. No dia 15 vamos divulgar o relatório consolidado e compilado do inquérito, mas para nós o mais importante era ter dados reais, fiáveis e que podem também conferir e conferem já credibilidade não só para o Governo, mas para o país como tal na procura de recursos nacionais. A partir de agora nós não podemos falhar na elaboração de inquéritos anuários estatísticos. Temos de manter esta dinâmica e acreditamos que vamos conseguir em tempo útil trazer os dados destes distritos também utilizados nesta metodologia para a elaboração do inquérito.
RM- Está neste momento em crescimento a produção do frango no país, o que certamente pode estar a contribuir para a redução da sua importação e, ao mesmo tempo, está a acontecer em relação ao açúcar, que teve recentemente alguns benefícios concedidos pelo Governo. Contudo, há tendência de subida do preço do frango e do açúcar. Como se explica esta situação e quais são as saídas que neste momento estão sendo ensaiadas pelo executivo visando inverter esta tendência?
CC- O preço do frango depende também da matéria-prima. Este ano, os produtores de frango estão enfrentando um grande desafio. A ração que é feita com soja teve uma subida de preço muito grande porque a nível global a sua produção caiu e a procura de soja no país, pelas suas características orgânicas, aumentou e o preço subiu.
Portanto, quem produz o frango hoje em Moçambique também tem o desafio de comprar a soja a um preço alto. Estamos a tentar equilibrar para termos a certeza de que a matéria-prima que envolve estes factores todos permita ter o frango a um custo razoável. Mas há outros factores determinantes como a escala e nós defendemos que, apesar de a produção nacional poder satisfazer a procura interna para atingirmos o preço ideal, teremos de atingir a escala e começar a exportar. E aí o que o Governo está a fazer é explorar o mercado de exportação de frangos na certeza de que quando conseguirmos a escala será superior.
Estamos a trabalhar com a associação dos agricultores, existe um plano que depende muito do investimento privado para o seu crescimento e desde que o Governo consiga abrir estes canais e oportunidades de mercado que são estratégicos para quem quer explorar novos mercados. Portanto, o caminho para a redução do preço do frango e do açúcar passa por nós também termos escala e instabilidade em alguns factores determinantes para estes produtos.
“O caminho para a redução do preço do frango e do açúcar passa por nós também termos escala e estabilidade em alguns factores determinantes para estes produtos”
RM- Os dados divulgados aquando do inquérito revêem em baixa a produtividade no país. Isto pode afectar a contribuição do sector PIB?
CC-Eu penso que esta é uma leitura muito prematura, olhar para os dados do actual inquérito e dizer que se reviu o PIB em baixa porque há outras culturas que não eram consideradas para o PIB, o exemplo da macadâmia que é uma das culturas que está a nascer. É verdade que a sua produção em quantidade ainda é pequena.
RM- Quer dizer que houve alargamento da base das culturas?
CC- Exactamente, uma das actividades que no nosso entender não eram consideradas com relevância é a produção do gado e carne bovina.
É uma actividade de pecuária cujo impacto não era considerado. Portanto, estamos convencidos de que a valoração do nosso PIB poderá até subir, temos de analisar com calma e tranquilidade. Como governo de Moçambique, o importante não é lançar, é termos o crescimento efectivo e nós defendemos esta tese em todos os domínios. Não nos queremos enganar a nós próprios e o que o inquérito mostra. Para além desta correcção de números, são dados que são encorajadores. Se for a ver, sensivelmente depois da independência de Moçambique não conseguimos produzir cerca de 500 mil toneladas de cereais, acredito, não tenho estatísticas, mas hoje o país já está com cerca de 2 milhões de toneladas de cereais, temos, por exemplo, a retoma da produção de banana, Moçambique é um exportador de banana para África do Sul e não é o contrário. Portanto, há muitos ganhos que estão patentes do resultado do inquérito que tem de ser realçado. Naturalmente, foi lançada pelo Presidente da República. Não é todos os dias que um Presidente lança um inquérito, então, já tinha consciência do seu nível de importância. Nós queremos conferir credibilidade porque acreditamos que a atração de investimentos e crescimento só vem com esta credibilidade e temos consciência de que o caminho para frente se constrói com a dinâmica.
RM- Em que medida a situação que vivemos em Cabo Delgado poderá ter afectado a disponibilidade deste inquérito, para permitir que tenhamos uma amostra real daquilo que é neste momento o sector agrário no país?
CC- De facto, este inquérito tem esta particularidade. Para nós, é o primeiro inquérito integrado que vai dar rumo naquilo que são os dados distritais e alguns distritos de Cabo Delgado, por uma questão de prudência, não mereceram análise profunda. Foram nove distritos, mas estou convencido de que não alteram muito os números. (Carta)