“Os Indicadores dos direitos humanos são negativos”, esta é a forma como a Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM), no seu recente relatório sobre os direitos humanos – 2018/2019, resume a situação da protecção do direito à vida, integridade física e bens da população vítima dos ataques terroristas em Cabo Delgado e dos perpetrados pela auto-proclamada Junta Militar da Renamo de Mariano Nhongo, em Manica e Sofala.
O relatório, lançado esta terça-feira em Maputo, refere que há uma aparente falta de estratégia para a prevenção e combate ao terrorismo. Apesar de considerar louváveis e notórios os esforços do Governo em travar a insurgência em Cabo Delgado, a situação deteriorou-se nos anos em referência, facto que provocou o aumento de vítimas humanas e ainda uma onda de deslocados.
Os ataques terroristas, em Cabo Delgado, bem como os perpetrados pela auto-proclamada Junta Militar da Renamo, anota o documento, assemelham-se por se estar perante a insubordinação contra o Estado moçambicano.
“De um modo geral, pode-se dizer que, apesar dos esforços do Governo em travar a insurgência militar em Cabo Delgado, a situação militar e humanitária tendeu a agravar-se em termos de aumento do número de vítimas humanas, refugiados e ataques. Com base nestes dados, pode-se concluir que, do ponto de vista da protecção do direito à vida, integridade física e bens, os indicadores de direitos humanos são negativos”, aponta o relatório da OAM.
O documento aponta que os ataques terroristas, em Cabo Delgado, de 2017 a 2019 tiraram a vida a aproximadamente 500 pessoas e geraram cerca de 162 mil deslocados internos, criando uma crise humanitária de que a história não guardava, na altura, qualquer precedente.
De acordo com o relatório, de 05 de Outubro 2017 a finais do ano de 2019, estima-se que tenham ocorrido cerca de 229, o correspondente a seis ataques, em 2017, 60 em 2018 e 163 em 2019, uma demonstração, tal como refere o documento, do recrudescimento do fenómeno.
Relativamente aos ataques nas províncias de Manica e Sofala, o documento realça o registo das incursões armadas perpetradas pela Junta Militar de Mariano Nhongo, não obstante o facto de ter sido assinado o Acordo de Paz e Reconciliação Nacional de Maputo entre o Governo e a Renamo, em 2019.
A auto-proclamada Junta Militar de Mariano Nhongo é um movimento dissidente da Renamo, cuja gênese assenta na contestação à liderança de Ossufo Momade, actual presidente do partido. Em 2019, Mariano Nhongo e seus correligionários, a par de não se reverem nos termos constantes do Acordo de Paz de Maputo, chegaram mesmo a prometer inviabilizar a realização das eleições gerais, tidas lugar em Outubro do mesmo ano. Aliás, precisamente por não concordar com a liderança de Ossufo Momade, o grupo não cessou nos ataques tendo visado instituições públicas e privadas.
“Desde então, vêm-se sucedendo uma série de ataques a civis e destruição de bens privados e do Estado no centro do país, cuja autoria tem sido atribuída à auto-proclamada Junta Militar da RENAMO. Um de entre vários ataques contra civis e propriedades públicas e privadas aconteceu em Gondola, província de Manica, que resultou na vandalização e saque de medicamentos do Centro de Saúde de Chipindaumue”.
O lançamento do relatório sobre os direitos humanos em Moçambique tinha, inicialmente, sido agendado para o ano de 2020. O adiamento foi forçado pela pandemia da Covid-19, cujos números teimosamente crescem, a cada dia, no país. (Carta)